O que se passou em Lisboa no ano de 1506 contra os Judeus tem muitos pontos de comum com o que se passou na Alemanha entre 1939 e 1945: confiscar as riquezas dos Judeus. Em Lisboa, naquele tempo, causa dor que tivessem sido os próprios frades dominicanos a incitarem o povo à matança, mas é preciso distinguir o que é a dimensão temporal da espiritual. Esta foi abafada por quem deveria ser seu guardião, isto é, o clero. Desespiritualizar o tempo é matar a própria espiritualidade. Por outras palavras, entregar o tempo ao tempo é entregar o calhau ao calhau. Acontece sempre o pior. Os alemães, caro Ribeiro, que apoiaram Hitler foram cristãos capazes de um desprezo inaudito ao Homem. Isto vem de longe, desde os Gnósticos que odiavam o homem e o mundo. Estas raízes anti-civilizacionais, muito combatidas pela Igraja, nunca morreram ao longo dos séculos. No séc. XX essas raízes foram recolhidas tanto pelo comunismo como pelo liberalismo mais descarnado.
Ribeiro, não há dimensão espiritual por um lado e dimensão temporal por outro. Nos primeiros dois, três séculos do cristianismo, essa era a posição dos Gnósticos. O homem e o mundo não valiam nada. O gnóstico, isto é, o espiritual (pneumático) julgava-se acima do homem e do mundo. Na verdade, o gnóstico julgava-se um Deus que tudo se podia permitir. Daqui aos genocidas do séc. XX é uma escadaria que se pode subir ou descer conforme a perspectiva. Mas voltando ao fio inicial deste discurso: não há dimensão espiritual sem união com a dimensão temporal nem há esta sem união com aquela. Separar (impossível) a dimensão espiritual da temporal é perder uma e outra e descer aos infernos (regiões mais inferiores do ser humano). Unir a dimensão espiritual e a dimensão temporal é ganhar as duas que uma são. Estamos a falar do Bem. O Bem não tem linhagem. Pelo Bem têm dado testemunho uma plêiade de homens e mulheres pertencentes a todos os tempos e lugares. Na Civilização ocidental, judaico-cristã, podemos e devemos começar por Abraão, Isac, Jacob, os profetas, os Padres da Igreja dos primeiros três séculos, Santo Agostinho, São Boaventura, Nicolau de Cusa, São Tomaz, os grandes Papas tanto na idade média como nos tempos modernos. Estas referências são apenas alguns pilares tirados dum friso sem conta. Mas para o cistianismo o que conta é o Povo de Deus. Todos têm acesso à salvação e não apenas os iluminados como defendiam os Gnósticos. Por salvação entendo a ascensão do homem à plenitude da criatura. Esta nunca será UM com Deus porque ESTE é diverso do homem. "Já me vós is entendendo"?
Não, não o entendo... estamos em posições incomensuráveis... elaboramos em paradigmas diferentes. Gravitamos em "verdades" diferentes!
Há conceitos basilares do seu paradigma, caro Marafuga, que eu, pura e simplesmente não entendo. As minhas questões refletem esse meu não entendimento.
E as últimas resultam da incomodidade da leitura sua linhagem que fez desembocar em três dos ditadpres mais sanguinários da história da humanidade - Hitler, Lenine e Estaline.
Eu não acompanho de perto os elementos da linhagem que elaborou mas estranhei e estranho muito a inclusão nela de Descartes, Espinosa, Leibniz, Kant e Schelling. Eu reivindico-me herdeiro deles e não disputo esse legado com os ditadores que mencionou!
O Ribeiro certamente saberá que a Filosofia cartesiana é uma ruptura de 180 graus com o recebido desde Santo Agostinho (este nome é só para estabelecermos um marco importante na era cristã), ou mesmo desde Platão. Um dos motores da filosofia de Descartes é o célebre "cogito, ergo sum" (penso, logo sou). Ora o pensamento é um instrumento do homem. Assim sendo, como é que da coisa vem o ser? Se o ser procede do pensamento, isso quer dizer que a criatura se arvora em Criador do próprio Deus e se pretende senhor do homem e do mundo. Eis-nos, de repente, na frente de Hitler e Staline. O primeiro estava para a raça ariana como o segundo para a classe proletária. Eles são, estruturalmente, dois homens iguais. Apenas Hitler é alemão e Staline da Geórgia. No Ocidente, à excepção de poucos filósifos do pós-guerra quase desconhecidos, todos, de uma maneira ou de outra, acusaram os efeitos da filosofia cartesiana. É preciso ter a consciência de que, na esfera da acção política, primeiro estão os intelectuais (mandantes) e depois os políticos (mandatários).
Ora aqui temos mais exemplos do que me é incompreensível.
Cito-o: "Ora o pensamento é um instrumento do homem. Assim sendo, como é que da coisa vem o ser? Se o ser procede do pensamento, isso quer dizer que a criatura se arvora em Criador do próprio Deus e se pretende senhor do homem e do mundo." Eu não concebo esta dicotomia pensamneto - Homem. O pensamneto não é mero instrumento, é a coisa que define o Homem. Abreviadamente diria que o Homem é pensamento.
A dicotomia mencionada não tem valor conceptual. Tem mero valor descritivo.
Afirmar que o homem é pensamento é um materialismo que nem sequer tem nada de idealista. O Descartes do "cogito, ergo sum" também pensou que «...o homem é pensamento». Nisto deverá qualquer coisa ao Platão do "Alcibíades", obra defensora da ideia de que o homem é uma alma que se serve do corpo. Desta opinião se serviriam os gnósticos contra os quais muito lutou o cristianismo. Para este o homem é uma unidade de alma e corpo. Esta antropologia que decorre do Evangelho é razoabilíssima, lançando por terra o dualismo platónico e depois gnóstico que passaria por Descartes até Hitler e Staline. O homem não é pensamento, mas sim abertura para o ser.
Pronto, caro Marafuga, estamos num impasse. Estamos na tal incomensurabilidade entre paradigmas e cosmovisões.
No meu caso só será ultrapassado por um epifania.
Mas há um elemento que o caro Marafuga não clarifica cabalmente: há uma relação causa-efeito ou de linhagem na génese que imputa às ditaduras? Se sim, essa relação causal ou de linhaf«gem não é comum a quase todas as realizações e aquisições humanas de todos os tempos? Se sim, há cabimento para o Bem como o caro Marafuga entende? Se sim, ele terá possibilidade de vencimento?
Ribeiro, sempre detestei ser peixe morto a nadar com a corrente. A prática inclassificável das esquerdas que têm governado Alcochete desde o 25 de Abril obrigaram-me a uma reflexão profunda sobre o que é ser de esquerda ou de direita. Devido à minha história de vida, eu tinha mais facilidade na Teologia do que na Filosofia, embora estas duas distintas áreas do saber humano não se possam separar. A "Visão de Deus" de Nicolau de Cusa foi um texto cruxial para mim. Eu começo a distinguir transcendência de imanência. Vi então que a esta última e apenas a esta última estão acorrentados os partidos de esquerda. As causas fi-las remontar ao humanismo antropocêntrico. Mas este quase aparece na História da Civilização Ocidental de um momento para o outro. Teria que haver qualquer coisa por trás. Passei vários anos sem descobrir o quê. Já tinha começado o séc. XXI quando tomo conhecimento da obra de Olavo de Carvalho, filósofo brasileiro. Por mão deste sou levado a Eric Voegelin. O círculo fecha-se e eu vejo as coisas com uma enorme clareza. As raízes mais profundas do pessimismo de todos os ditadores está no movimento gnóstico (já antropocêntrico) dos primeiros séculos da era cristã. Durante a Idade média, a Igreja conseguiu controlar os gnósticos, mas estes, com o Renascimento, erguem a cabeça como serpente a ergue do cesto. Pode-se mesmo dizer que, no fundo, a história da Igreja, longa de 2000 anos, é a história contra o Gnosticismo. Ribeiro, a obra da Criação, grande sinal de Deus, é uma verdadeira epifania. Uma flor a desabrochar não é uma epifania? Quando Pilatos pergunta o que é a verdade a Jesus, o divino mestre não responde porque estavam "in praesentia" duas visões do homem e do mundo completamente diferentes. Se Cristo tivesse respondido ao pragmático governador romano "Eu sou a verdade", que adiantaria? Mas ao lado de milhões de cristãos, eu digo: Cristo é verdade, a única verdade.
Mas noutra ocasião Jesus declara que era Rei, mas não deste mundo. Disse também aos provocadores: a césar o que é de César. Noutros lados diz-se que somos dotados de livre arbítrio.
E, noutro registo, qual a necessidade de Deus para o desabrochar de uma flôr? É o mesmo deus está nos rituais sacrificiais e telúricos das corridas de toiros? Afinal, o mecanismo de suporte do desabrochar de uma flôr é idêntico à da morte num campo de batalha! (reconheço que em última análise ninguém se apercebe dos seus fundamentos; ficcámo-nos pela sua descrição) De qualquer modo, em qual das situações está a epifania? Ou, noutra formulação: só o desabrochar de uma flôr é "epifânico"? Normalmente os campos de batalha geram perda de fé! Qual a diferença? Afinal, Deus estará em ambas!
Sobre o pessimismo também tenho uma opinião diferentes. Os ditadores nascem não do pessimismo, mas do optimismo. Nascem da sua declarada e niilista necessidade do Homem novo. Do retirar o podre para que o resto recupere. É aí que as massas e os seus sonhos aderem. Não é pela cultura ou pelo conhecimento. É por esta pulsão para um Mundo Melhor. E olhe, meu caro Marafuga, se calhar, esta pulsão, esta necessidade optimista de uma vida melhor e de um paraíso, para uns terreno, para outro alhures, está na génese da organização da Igreja - a de proporcionar alternativa ao sofrimento que o facto de viver pura e simplesmente implica!
Cristo é Rei para nos dizer que todo o homem é Rei. Quando Cristo nos diz que é Rei mas não deste mundo, quer dizer que o reino d'Ele não é o reino da mentira, do latrocínio, da matança, etc. Quando Cristo diz que "a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", está a fazer a distinção entre o espiritual e o temporal e a estabelecer a autonomia de ambos os campos. Muitos dignitários da Igreja esqueceram-se deste conselho de Cristo e fizeram sofrer muito o Povo de Deus. Somos dotados de livre arbítrio, mas eu defendo convictamente que ninguém é livre para matar. Finalmente, não valorizo intelectualmente o resto daquilo que o Ribeiro diz para lhe dar uma resposta. E sobre esta matéria é meu desejo ficarmos por aqui.
Porque a citação se relaciona com estas nossas conversas e porque serve (?) de homenagem a um Grande do Mundo que, por sinal, é português e que morreu ontem:
"As controvérsias mais importantes e mais interessantes são, em geral, as mais indecidíveis e, sobretudo, aquelas em que - antes ainda das divergências sobre as melhores soluções - os objectos não são os mesmos para todos."
Fernando Gil, Mimesis e Negação (in http://portugaldospequeninos.blogspot.com/ 20/Mar/2006)
15 comentários:
Zoroastrismo, Movimento órfico-pitagórico, Gnósticos (Simão Mago, Menandro, Saturnino, Cerinto, Basílides, Marcião, Valentim), Ebionitas, Maniqueísmo, Cátaros, Albigenses, Descartes, Espinosa, Leibniz, Kant, Schelling, Marx, Heidegger, Lenine, Hitler, Estaline.
Genealogia por genealogia... onde situar isto: http://ruadajudiaria.com/index.php?p=498?
O que se passou em Lisboa no ano de 1506 contra os Judeus tem muitos pontos de comum com o que se passou na Alemanha entre 1939 e 1945: confiscar as riquezas dos Judeus.
Em Lisboa, naquele tempo, causa dor que tivessem sido os próprios frades dominicanos a incitarem o povo à matança, mas é preciso distinguir o que é a dimensão temporal da espiritual. Esta foi abafada por quem deveria ser seu guardião, isto é, o clero. Desespiritualizar o tempo é matar a própria espiritualidade. Por outras palavras, entregar o tempo ao tempo é entregar o calhau ao calhau. Acontece sempre o pior. Os alemães, caro Ribeiro, que apoiaram Hitler foram cristãos capazes de um desprezo inaudito ao Homem. Isto vem de longe, desde os Gnósticos que odiavam o homem e o mundo. Estas raízes anti-civilizacionais, muito combatidas pela Igraja, nunca morreram ao longo dos séculos. No séc. XX essas raízes foram recolhidas tanto pelo comunismo como pelo liberalismo mais descarnado.
Então pergunto de outra forma: qual a linhagem que materialize a dimensão espiritual que alude na história da humanidade?
Ribeiro, não há dimensão espiritual por um lado e dimensão temporal por outro.
Nos primeiros dois, três séculos do cristianismo, essa era a posição dos Gnósticos. O homem e o mundo não valiam nada. O gnóstico, isto é, o espiritual (pneumático) julgava-se acima do homem e do mundo. Na verdade, o gnóstico julgava-se um Deus que tudo se podia permitir. Daqui aos genocidas do séc. XX é uma escadaria que se pode subir ou descer conforme a perspectiva.
Mas voltando ao fio inicial deste discurso: não há dimensão espiritual sem união com a dimensão temporal nem há esta sem união com aquela.
Separar (impossível) a dimensão espiritual da temporal é perder uma e outra e descer aos infernos (regiões mais inferiores do ser humano).
Unir a dimensão espiritual e a dimensão temporal é ganhar as duas que uma são.
Estamos a falar do Bem. O Bem não tem linhagem. Pelo Bem têm dado testemunho uma plêiade de homens e mulheres pertencentes a todos os tempos e lugares.
Na Civilização ocidental, judaico-cristã, podemos e devemos começar por Abraão, Isac, Jacob, os profetas, os Padres da Igreja dos primeiros três séculos, Santo Agostinho, São Boaventura, Nicolau de Cusa, São Tomaz, os grandes Papas tanto na idade média como nos tempos modernos. Estas referências são apenas alguns pilares tirados dum friso sem conta.
Mas para o cistianismo o que conta é o Povo de Deus. Todos têm acesso à salvação e não apenas os iluminados como defendiam os Gnósticos.
Por salvação entendo a ascensão do homem à plenitude da criatura. Esta nunca será UM com Deus porque ESTE é diverso do homem. "Já me vós is entendendo"?
Não, não o entendo... estamos em posições incomensuráveis... elaboramos em paradigmas diferentes. Gravitamos em "verdades" diferentes!
Há conceitos basilares do seu paradigma, caro Marafuga, que eu, pura e simplesmente não entendo. As minhas questões refletem esse meu não entendimento.
E as últimas resultam da incomodidade da leitura sua linhagem que fez desembocar em três dos ditadpres mais sanguinários da história da humanidade - Hitler, Lenine e Estaline.
Eu não acompanho de perto os elementos da linhagem que elaborou mas estranhei e estranho muito a inclusão nela de Descartes, Espinosa, Leibniz, Kant e Schelling. Eu reivindico-me herdeiro deles e não disputo esse legado com os ditadores que mencionou!
O Ribeiro certamente saberá que a Filosofia cartesiana é uma ruptura de 180 graus com o recebido desde Santo Agostinho (este nome é só para estabelecermos um marco importante na era cristã), ou mesmo desde Platão.
Um dos motores da filosofia de Descartes é o célebre "cogito, ergo sum" (penso, logo sou).
Ora o pensamento é um instrumento do homem. Assim sendo, como é que da coisa vem o ser?
Se o ser procede do pensamento, isso quer dizer que a criatura se arvora em Criador do próprio Deus e se pretende senhor do homem e do mundo. Eis-nos, de repente, na frente de Hitler e Staline. O primeiro estava para a raça ariana como o segundo para a classe proletária. Eles são, estruturalmente, dois homens iguais. Apenas Hitler é alemão e Staline da Geórgia.
No Ocidente, à excepção de poucos filósifos do pós-guerra quase desconhecidos, todos, de uma maneira ou de outra, acusaram os efeitos da filosofia cartesiana.
É preciso ter a consciência de que, na esfera da acção política, primeiro estão os intelectuais (mandantes) e depois os políticos (mandatários).
Ora aqui temos mais exemplos do que me é incompreensível.
Cito-o: "Ora o pensamento é um instrumento do homem. Assim sendo, como é que da coisa vem o ser?
Se o ser procede do pensamento, isso quer dizer que a criatura se arvora em Criador do próprio Deus e se pretende senhor do homem e do mundo."
Eu não concebo esta dicotomia pensamneto - Homem. O pensamneto não é mero instrumento, é a coisa que define o Homem. Abreviadamente diria que o Homem é pensamento.
A dicotomia mencionada não tem valor conceptual. Tem mero valor descritivo.
Afirmar que o homem é pensamento é um materialismo que nem sequer tem nada de idealista.
O Descartes do "cogito, ergo sum" também pensou que «...o homem é pensamento». Nisto deverá qualquer coisa ao Platão do "Alcibíades", obra defensora da ideia de que o homem é uma alma que se serve do corpo. Desta opinião se serviriam os gnósticos contra os quais muito lutou o cristianismo. Para este o homem é uma unidade de alma e corpo. Esta antropologia que decorre do Evangelho é razoabilíssima, lançando por terra o dualismo platónico e depois gnóstico que passaria por Descartes até Hitler e Staline.
O homem não é pensamento, mas sim abertura para o ser.
Pronto, caro Marafuga, estamos num impasse. Estamos na tal incomensurabilidade entre paradigmas e cosmovisões.
No meu caso só será ultrapassado por um epifania.
Mas há um elemento que o caro Marafuga não clarifica cabalmente: há uma relação causa-efeito ou de linhagem na génese que imputa às ditaduras? Se sim, essa relação causal ou de linhaf«gem não é comum a quase todas as realizações e aquisições humanas de todos os tempos? Se sim, há cabimento para o Bem como o caro Marafuga entende?
Se sim, ele terá possibilidade de vencimento?
Ribeiro, sempre detestei ser peixe morto a nadar com a corrente.
A prática inclassificável das esquerdas que têm governado Alcochete desde o 25 de Abril obrigaram-me a uma reflexão profunda sobre o que é ser de esquerda ou de direita.
Devido à minha história de vida, eu tinha mais facilidade na Teologia do que na Filosofia, embora estas duas distintas áreas do saber humano não se possam separar.
A "Visão de Deus" de Nicolau de Cusa foi um texto cruxial para mim. Eu começo a distinguir transcendência de imanência. Vi então que a esta última e apenas a esta última estão acorrentados os partidos de esquerda. As causas fi-las remontar ao humanismo antropocêntrico. Mas este quase aparece na História da Civilização Ocidental de um momento para o outro. Teria que haver qualquer coisa por trás. Passei vários anos sem descobrir o quê. Já tinha começado o séc. XXI quando tomo conhecimento da obra de Olavo de Carvalho, filósofo brasileiro. Por mão deste sou levado a Eric Voegelin. O círculo fecha-se e eu vejo as coisas com uma enorme clareza. As raízes mais profundas do pessimismo de todos os ditadores está no movimento gnóstico (já antropocêntrico) dos primeiros séculos da era cristã. Durante a Idade média, a Igreja conseguiu controlar os gnósticos, mas estes, com o Renascimento, erguem a cabeça como serpente a ergue do cesto. Pode-se mesmo dizer que, no fundo, a história da Igreja, longa de 2000 anos, é a história contra o Gnosticismo.
Ribeiro, a obra da Criação, grande sinal de Deus, é uma verdadeira epifania. Uma flor a desabrochar não é uma epifania?
Quando Pilatos pergunta o que é a verdade a Jesus, o divino mestre não responde porque estavam "in praesentia" duas visões do homem e do mundo completamente diferentes. Se Cristo tivesse respondido ao pragmático governador romano "Eu sou a verdade", que adiantaria? Mas ao lado de milhões de cristãos, eu digo: Cristo é verdade, a única verdade.
Mas noutra ocasião Jesus declara que era Rei, mas não deste mundo. Disse também aos provocadores: a césar o que é de César.
Noutros lados diz-se que somos dotados de livre arbítrio.
E, noutro registo, qual a necessidade de Deus para o desabrochar de uma flôr? É o mesmo deus está nos rituais sacrificiais e telúricos das corridas de toiros?
Afinal, o mecanismo de suporte do desabrochar de uma flôr é idêntico à da morte num campo de batalha! (reconheço que em última análise ninguém se apercebe dos seus fundamentos; ficcámo-nos pela sua descrição) De qualquer modo, em qual das situações está a epifania? Ou, noutra formulação: só o desabrochar de uma flôr é "epifânico"? Normalmente os campos de batalha geram perda de fé! Qual a diferença? Afinal, Deus estará em ambas!
Sobre o pessimismo também tenho uma opinião diferentes. Os ditadores nascem não do pessimismo, mas do optimismo. Nascem da sua declarada e niilista necessidade do Homem novo. Do retirar o podre para que o resto recupere. É aí que as massas e os seus sonhos aderem. Não é pela cultura ou pelo conhecimento. É por esta pulsão para um Mundo Melhor. E olhe, meu caro Marafuga, se calhar, esta pulsão, esta necessidade optimista de uma vida melhor e de um paraíso, para uns terreno, para outro alhures, está na génese da organização da Igreja - a de proporcionar alternativa ao sofrimento que o facto de viver pura e simplesmente implica!
Cristo é Rei para nos dizer que todo o homem é Rei.
Quando Cristo nos diz que é Rei mas não deste mundo, quer dizer que o reino d'Ele não é o reino da mentira, do latrocínio, da matança, etc.
Quando Cristo diz que "a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", está a fazer a distinção entre o espiritual e o temporal e a estabelecer a autonomia de ambos os campos. Muitos dignitários da Igreja esqueceram-se deste conselho de Cristo e fizeram sofrer muito o Povo de Deus.
Somos dotados de livre arbítrio, mas eu defendo convictamente que ninguém é livre para matar.
Finalmente, não valorizo intelectualmente o resto daquilo que o Ribeiro diz para lhe dar uma resposta.
E sobre esta matéria é meu desejo ficarmos por aqui.
Exactamente: "...está a fazer a distinção entre o espiritual e o temporal e a estabelecer a autonomia de ambos os campos...".
Fiquemos por aqui.
Porque a citação se relaciona com estas nossas conversas e porque serve (?) de homenagem a um Grande do Mundo que, por sinal, é português e que morreu ontem:
"As controvérsias mais importantes e mais interessantes são, em geral, as mais indecidíveis e, sobretudo, aquelas em que - antes ainda das divergências sobre as melhores soluções - os objectos não são os mesmos para todos."
Fernando Gil, Mimesis e Negação (in http://portugaldospequeninos.blogspot.com/ 20/Mar/2006)
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