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16 novembro 2010

Entre cerca ?

Ontem, defendi a tese de mestrado integrado com o tema da proposta da praça publica de Alcochete no largo de S. João.
A arguente do juri, a Dr.ª Arq.ª Margarida Vallas, referiu que estranhava não ter referido que Alcochete poderia ter uma cerca, devido a foram muito compacta do centro histórico. Não referi porque nunca achei referências dessa possibilidade.

Mas fiquei intrigado.

De facto, o centro histórico é muito compacto, e por hipótece, é compatível com cidades que se desenvolvem entre muros. Outro ponto que a Arq.ª Margarida Vallas referiu foi que, se o primeiro foral da vila -desconhecido - foi dado por Sancho I, então a probabilidade de ter uma muralha torna-se maior.
E mais, não se entendia porque motivo a Igreja matriz se edificou longe do centro urbano de Alcochete, mas tal também é compatível com a cidade entre cercas, uma vez que os templos ficam sempre fora de portas.
Mas não será so isto. Ao olharmos planta de Alcochete verificamos que a rua direita (Rua Comendador Estevão de Oliveira) liga dois templos (Igreja da misericórdia e Igreja Matriz) e atravessa toda a malha orgânica. Isso é exactamente o que existia na cidade entre muros - cidade medieval - quando a rua direita ligava as duas portas da cidade.

Se me apresentassem uma planta do centro histórico de Alcochete e me indicassem que o limite da cerca é o limite do actual centro histórico, que tinha uma porta a nascente e outra a ponte onde atravessava a rua direita, com dois rossios* junto as mesmas, e com um templo fora de portas, eu seria levado a concordar que sim: Alcochete foi uma vila entre muros, com uma cerca.

No entanto, não existe qualquer registo que indique tal facto.

* Um rossio é um espaço livre normalmente localizado na entrada das vilas medievais com o objectivo de realizar actividades que entre muros não eram possíveis. Existe registo histórico da existência de dois em Alcochete: um onde actualmente já designamos de "Rossio" (Jardim do Rossio) onde eram realizadas as actividades menos nobre, tais como a despeja de lixos, carcaças de animais, etc. O outro rossio seria onde actualmente se encontra o largo de S. João, onde se efectuava as actividades mais nobre, nomeadamente a lide de toiros, festas, mercados e similares.


Se me dissessem que estou a olhar para os limites da cerca de uma vila medieval (a amarelo) diria que tal era completamente possível.

02 novembro 2010

O contributo Alcochetano para o desenvolvimento de Lisboa




O museu da electricidade é um local que nos faz recuar para a primeira metade do séc. XX. A sua arquitectura, a forma como os equipamentos estão apresentados e o seu estado de manutenção, ajudam a transformar este local de história também num local de magia. Recomenda-se...


Quem for visitar o Museu da Electricidade em Belém, irá descobrir entre outras coisas, o contributo que os Alcochetanos tiveram na antiga central termoeléctrica - Central Tejo, que iluminou a cidade de Lisboa durante mais de quatro décadas. A exposição tem um espaço dedicado a isso.
A descarga do carvão desde o interior dos grandes navios estrangeiros fundeados na ponte-cais, em frente ao portão da Central, até à "praça da central", era uma operação que se realizava com relativa frequência. Para abreviar o tempo de descarga, procedia-se simultaneamente, à transfega do carvão dos barcos granuleiros para as "fragatas", que eram posteriormente descarregadas com o auxílio de uma grua. o transporte manual do carvão até à "praça" da Central em cestas à cabeça, vencendo o desnível causado pela pilha com o auxílio de "pontes" formadas de pranchas de madeira, colocadas sobre cavaletes de altura crescente.

Era necessária uma certa habilidade para andar em cima das pranchas com os cestos à cabeça - era preciso ganhar-lhe o jeito. Ao fim de algum tempo de habituação, um trejeito se lhes pegava no andar - chamavam-lhe "pranchar".

Estes operários eram conhecidos como os Alcochetanos, pois a contratação de empresas de Alcochete para a realização deste serviço era habitual.

Fonte:

11 outubro 2009

Posição de Alcochete nas guerras napoleónicas

Facto curioso da importância que Alcochete teve em fazer a charneira entre o norte e o sul de Portugal.
De notar que vário autores descaram essa importância desde o séc. XIV e XV, com o assentamento da família real. Mas essa condição foi importante até ao séc. XIX

São despachos de Arthur Colley Wellesley, 1.º Duque de Wellington, importantíssimo na resistência ibérica contra Napoleão, com alto reconhecimento em Portugal para a posterioridade.


"The despatches of field marshal the duke of wellington, during various campaings in India, Denmark, Portugal, Spain, The Low Contries and France"
1799 a 1818
Escrito pelo Tenente Coronel Gurwood em 1894


Pero Negro, 26th October, 1810.
My Dear Sir,
I have received your letters of the 21st and 22nd. I am convinced that the enemy are not yet prepared with means of passing the Tagus with any thing but marauding parties; and the best people to employ against them are the ordenanza, and the irregular horse lately got together.
The swamps on the island of Lyceria would not do your marines and seamen much good; and they are not necessary to keep the enemy's marauding parties in order.
'When they shall have prepared their bridge, the matter will become too serious for any number you could detach from your squadron, and they might experience difficulty in getting away again. I recommend to you, therefore, at present not to make the detachment proposed. Hereafter it might be desirable to station a few men at Alcochete, about a league in front of Aldea Galega.
Believe me,
Vice Admiral 'wellington.


Outra passagem datada de 1 de novembro do mesmo ano.

(...) It is not very probable, according to all accounts, that he will attempt it below Santarem. If he should cross above the situation in which you will be, you will retire gradually upon Salvaterra, and from thence to Aldea Galega, giving the Assistant Quarter Master General and me the earliest information of your movements, in order that boats may be prepared to transport you. You will find a good post at Alcochete, about a league in front of Aldea Galega.
' If the enemy should cross below you in force, you must in that case retire direct from the river till you shall come upon the great road leading from Monte Mor to Aldea Galega, and thence to that town.
' If by any accident you should be cut off from Aldea Galega, which is not very likely, you will retire upon Palmela and Setuval.
' Believe me,

Major General Fane.' 'WELLINGTON.

15 agosto 2009

História do bairro hoje denominado 25 de Abril



Como nasceu, há mais de três décadas, o bairro de casas económicas de Alcochete.

A história do actualmente denominado Bairro 25 de Abril – situado entre a Escola do Ensino Básico de Valbom e o Hotel Alfoz, no sítio denominado «Pão Saloio», em Alcochete – principia por volta de 1964, logo que empossada a vereação da Câmara Municipal de Alcochete presidida por João Pereira Coutinho Leite da Cunha e tendo como vice-presidente o dr. Francisco Elmano Alves.
Foi então decidido que a iniciativa prioritária a pôr em acção por esse executivo municipal seria o crescimento urbanístico da vila.
O trabalho principiou pela elaboração do Plano Director Municipal, a cargo do eng.º Barata da Rocha, e a concretização dos estudos de pormenor dos núcleos com perspectiva de desenvolvimento imediato.

Paralelamente, a câmara lançou mão da compra de novas áreas rurais urbanizáveis, de modo a controlar no futuro os preços dos terrenos, não os deixando inflacionar pela especulação em detrimento da população.
Uns anos antes tinham-se recolhido, através de inquérito realizado junto da população, dados acerca das necessidades sentidas pelos residentes, trabalho executado por assistentes sociais e agregado ao denominado Plano de Desenvolvimento Comunitário de Alcochete.
Tais dados indicavam que uma das necessidades mais vivamente sentidas era a disponibilidade de habitação moderna e de renda acessível, dirigida sobretudo à faixa dos novos casais.
Foi nesse sentido que o vice-presidente Elmano Alves iniciou os contactos com o dr. Manuel Esquível Aboim Inglês, então delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de Setúbal, a fim de encaminhar o processo administrativo para a construção de um bairro com capitais da Federação das Caixas de Previdência. O processo foi aberto e seguiu-se o inquérito prévio exigido por lei.
O dr. Elmano Alves continuaria a acompanhar as diligências processuais embora, entretanto, deixasse de exercer funções na Câmara Municipal, ingressando no governo de Marcelo Caetano como subsecretário de Estado.
Por um conjunto de circunstâncias favoráveis a Alcochete, o dr. Baltazar Rebelo de Sousa – pai do conhecido professor universitário e comentarista Marcelo Rebelo de Sousa – antigo subsecretário de Estado da Educação Nacional e Governador Geral de Angola, ascenderia ao cargo de ministro das Corporações, Previdência Social e da Saúde e Assistência.
E o mesmo dr. Elmano Alves exerce a sua influência junto do novo ministro – de quem fora secretário e era amigo de longa data e compadre – no sentido de abreviar a aprovação do bairro.

Pelo meio houve um pequeno mas simpático gesto, que poderá ter pesado no processo de de
cisão: ao criar-se a cantina escolar de Samouco entenderam os responsáveis locais da época atribuir-lhe como patrono o dr. Baltazar Rebelo de Sousa, que sempre subsidiara – inclusive do próprio bolso – a manutenção dessa cantina.
Na manhã de 31 de Maio de 1970 – dia da visita do Chefe do Estado para as comemorações do V Centenário do Nascimento d'EI-Rei D. Manuel I – seria prestada singela homenagem ao ilustre amigo de Alcochete, com o descerramento do seu medalhão em bronze e de uma lápida alusiva na cantina de Samouco.
Antes, na sede da Sociedade Filarmónica Progresso e Labor Samouquense, realizar-se-ia uma sessão solene de boas-vindas, conforme destaca «O Século» na edição de 1 de Junho de 1970.
O dia foi de festa rija em Alcochete e o dr. Baltazar Rebelo de Sousa aproveita a cerimónia oficial para revelar que acabara de despachar a aprovação do Bairro da Federação das Caixas de Previdência, surpreendendo o Chefe do Estado e entidades presentes com a apresentação da maqueta dos 124 fogos a construir em terrenos antes adquiridos pela câmara, no sítio denominado Pão Saloio, cedidos à Federação das Caixas de Previdência. Imediatamente deu-se início à execução da obra.
A imagem antiga que ilustra este texto (a outra é do bairro na actualidade) reproduz o momento em que, junto à tribuna de honra, o então ministro das Corporações, Previdência Social e da Saúde e Assistência, dr. Baltazar Rebelo de Sousa, apresenta a maqueta daquele que antes da Revolução dos Cravos seria conhecido como Bairro da Caixa e que posteriormente passaria a denominar-se Bairro 25 de Abril.
De notar que, à esquerda da imagem acima, aparece também o então presidente da Câmara Municipal, João Pereira Coutinho Leite da Cunha.

11 julho 2009

História da "fábrica do alumínio"




Entre o nascimento e a liquidação da sociedade anónima Alumínio Português (Angola) distam 36 anos atribulados, que principiam num sonho e terminam em lixo e sucata.
Em finais da década de 50 do século passado, o genial projecto cativa mais de quatro centenas de investidores, que decidem aproveitar várias oportunidades de mercado: a abundante bauxite existente em Angola, a construção da barragem hidroeléctrica de Cambambe (no rio Cuanza, província de Cuanza Norte, Angola) e a carência nacional de alumínio laminado para fins industriais.
Mas nada correrá de feição desde o início.
A Alumínio Português (Angola) é fundada em meados de 1958 e a fábrica de Alcochete demorará cerca de cinco anos a iniciar a laboração.
Porém, em Cambambe nunca haverá turbina para alimentar a fábrica que deveria ter sido edificada a poucos quilómetros de distância, no Dondo (província de Cuanza Norte, cerca de 190kms a Sudoeste de Luanda), e, entre finais de 1963 e meados de 1964, a laminagem de Alcochete arranca em pleno com chapa de alumínio importada. Primeiro de França e depois de Espanha.
Frustrada a montagem do ciclo completo de produção, o projecto apresenta debilidades, fica dependente de fornecedores estrangeiros e a sua viabilidade estava em risco.
Daí que os edifícios fronteiros à Praça de Touros de Alcochete representem apenas a terceira e última parte de um gigantesco empreendimento industrial que ficou no papel, pois faltaram duas áreas-chave: o porto para navios de grande tonelagem – que transportariam os lingotes de alumínio de Angola – e a extensa área industrial destinada à sua transformação em chapa.
Hoje nada resta desses planos porque, segundo testemunho de quem participou com mágoa na liquidação do Alumínio Português (Angola), a maqueta foi destruída e as plantas transformadas em desperdícios de papel numa conhecida empresa local da especialidade.
Com altos e baixos, a laminagem de Alcochete laboraria cerca de 30 anos, dando emprego no máximo a 104 trabalhadores. Dedicou-se apenas à transformação de chapas de alumínio com 0,7 milímetros de espessura em laminados industriais de seis ou sete mícron (milésimo de milímetro), destinados a embalagens industriais de vários tipos.
Desconhece a maioria dos portugueses que nessas três décadas se consumiram toneladas de caldos Knorr, bombons e chocolates Regina, Rajá, Aliança e Imperial; milhões de litros de bebidas (vinho, leite, whisky, etc.) e fumaram-se milhões de cigarros da Tabaqueira e da Micaelense de Tabacos (Açores), tudo embalado em 'papel prateado' fabricado em Alcochete.
Com espessuras um pouco superiores, em Alcochete fabricaram-se também milhões de embalagens de alumínio para produtos alimentares, além dos primeiros rolos de papel de alumínio para uso doméstico, cujo invólucro ainda hoje é recordado pelos mais velhos (ver filme acima).
Contudo, a protecção à indústria nacional cessará, obrigatoriamente, em 1985, com a adesão à então CEE (hoje União Europeia), momento a partir do qual as empresas consumidoras de laminados de alumínio se abastecem no estrangeiro, onde os preços são inferiores por motivos de rentabilidade.
Basta referir que, com uma tecnologia ultrapassada e do final da década de cinquenta, 25 anos depois a fábrica de Alcochete laminava chapa à razão de cinco metros por minuto. A Pechiney francesa produzia a 60 metros por minuto.


Agonia lenta

A extinta sociedade anónima Alumínio Português (Angola) existiu por iniciativa e vontade de 446 empresários de vários sectores – de que se destacam a Metalúrgica Alba de Albergaria-a-Velha e a Lusalite de Lisboa – que a constituíram por escritura pública celebrada a 6 de Agosto de 1958, com o objectivo de proceder à exploração da indústria do alumínio em todas as suas modalidades. O capital social inicial era de 33.000.000$00, que poderia ser aumentado até 500.000.000$00.
O empreendimento foi estruturado do seguinte modo:
a) As operações de electrólise, conducentes ao fabrico do alumínio em lingotes e as transformações economicamente adequadas para consumo em Angola e exportação, seriam localizadas em Angola, junto à barragem de Cambambe;
b) Na Metrópole, principal mercado nacional e de exportação, situar-se-ia uma grande fábrica de laminagem, destinada à produção de chapas, folhas, tiras, discos, barras, perfilados, tubos, arames, etc.
O empreendimento em Angola fora planeado para produzir 50.000 toneladas/ano de lingotes, com um consumo médio de electricidade, então equivalente a 2,5 vezes o da cidade de Lisboa, aproveitando, por um lado, a fonte energética de Cambambe e, por outro, a existência em Angola de abundante matéria-prima (bauxite).
O êxito da exploração da fábrica de laminagem em Alcochete estava condicionado ao fornecimento dos lingotes de alumínio produzidos a mais baixo custo na fábrica de electrólise do Dondo, a qual lhe garantiria um preço final largamente competitivo.
O facto de nunca ter existido a fábrica do Dondo criará dificuldades permanentes e insuperáveis à rentabilidade da unidade de laminagem.
Nos relatórios contabilísticos de sucessivos anos, a Alumínio Português (Angola) encerrará as contas do exercício com prejuízo, até à sua dissolução e encerramento a 31 de Outubro de 1994.
Os primeiros anos de actividade serão dominados pela execução dos estudos para a fábrica do Dondo e pelos contratos para a obtenção da energia eléctrica de Cambambe, em estreita colaboração com o grupo francês Pechiney – Compagnie de Produits Chimiques et Electro-Metalurgiques, fornecedor da tecnologia de fabrico.
Em 7 de Abril de 1959 procede-se ao primeiro aumento de capital para 33.000.000$00. Em 8 de Abril de 1961 um consórcio bancário francês, liderado pelo Crédit Lyonnais, celebra um acordo para financiamento da primeira fase da construção da fábrica de alumínio em Angola. O montante do crédito elevar-se-á a cerca de 420.000.000$00.
Mas a 15 de Março de 1961 rebentam os massacres no Norte de Angola, primeiro acto sangrento que virá a despoletar a guerra colonial. Daí em diante a insegurança e o risco em que passam a viver os técnicos e demais pessoal afecto aos estudos e levantamentos dos terrenos do Dondo, tornam cada vez mais difícil avançar com o projecto, acabando por levar à sua suspensão "sine die".

Laminagem de Alcochete usa matéria prima estrangeira

Após a fundação da Alumínio Português (Angola), tornava-se inadiável avançar com o projecto da fábrica de laminagem a instalar no Continente, contando de início com matéria-prima fornecida pela multinacional francesa Pechiney.
Surgem várias propostas de localização da fábrica e a mais favorecida tinha a preferência de um grupo de accionistas ligados a urbanizações e terrenos em Alverca do Ribatejo e Vila Franca de Xira. Um proprietário de Alcochete apresenta um preço despropositado e, para mais, acrescido da exigência de um lugar na administração da empresa.
Torna-se então decisiva a intervenção do dr. Elmano Alves, pessoa com grandes afinidades políticas e sociais no concelho, que convence familiares – co-proprietários da Quinta Nova do Forno da Telha, com 14 hectares, situada à entrada de Alcochete, com frentes para a Praça de Touros, para o rio e para a Estrada Nacional 119 – a venderem esse terreno ao Alumínio por um preço quase simbólico: 25$00 por metro quadrado.
Basta referir que, no balanço do exercício de 1992, os terrenos foram inventariados a 864$28/m2 e, aquando da liquidação da sociedade, em finais de 1994, foram transaccionados a 6.500$/m2.
O jornal «A Voz de Alcochete», edição de Julho de 1959, refere-se elogiosamente ao facto da família Cruz, uma vez mais, ter sabido "limitar os seus lucros e justos interesses a bem da terra e do seu povo. Outros sigam o seu exemplo e, dentro em breve, não haverá crise de trabalho em Alcochete".
Igualmente o jornal «Distrito de Setúbal» dá notícia da compra do "Forno da Telha" pelo Alumínio, nestes termos: "É grande o regozijo da população, que não descansa de encarecer a atitude tomada pelos principais proprietários do terreno escolhido, respectivamente D. Isabel da Silva Cruz e dr. Elmano Alves e mulher, os quais desde a primeira hora se propuseram estabelecer um preço acessível, limitando os seus interesses, com a condição de que esta fábrica não saísse de Alcochete".
O relatório da administração do Alumínio, de Outubro de 1962, dá conta de estar em marcha a construção da fábrica de laminagem em Alcochete, que ficaria apta a produzir no final de 1963. Note-se que a indústria do alumínio estava incluída no III Plano de Fomento do Estado Novo, como única indústria de base para Angola, entre os anos de 1959 e 1964.
Em 20 de Dezembro de 1965 a administração do Alumínio informava que a fábrica de Alcochete, após a montagem da maquinaria, atingia a plenitude das suas potencialidades técnicas, estando apta a abastecer o mercado nacional e a realizar todas as fases intermédias da produção, utilizando papel, cartolina, cartão plástico, etc.
Aguardava-se, todavia, o fornecimento de produto resultante da electrólise de Angola. E negociava-se então (1965), em França, um aumento de capital para 852.000 contos.
A matéria-prima de Angola nunca chegará a Alcochete porque a fábrica do Dondo nem sequer arrancou. Então a Pechiney devolve as acções, que recebera a título de "engeneering" e mais compensações, e o contrato com o grupo francês cessa em 1969.
Em 10 de Junho de 1970 regista-se também o falecimento do dr. Manuel José Lucas de Sousa, grande impulsionador da iniciativa do Alumínio e perda irreparável para a liderança da empresa. Um óbito que marcará o princípio do fim do projecto.

Sonho começa a esfumar-se

Os anos sucedem-se e os resultados negativos também. Apenas em quatro exercícios, em que participou como administrador o dr. José Luís Esteves da Fonseca, se conseguiram resultados equilibrados.
Assim se chega à última assembleia geral de accionistas do Alumínio Português (Angola), em 1993. Então, um grupo liderado pelo dr. Rui Lucas de Sousa – filho do fundador da empresa e desejoso de ocupar o poder – consegue ser proclamado vencedor num escrutínio que deixaria as maiores dúvidas na contagem.
O grupo que assume a administração não tinha capacidade técnica nem gerencial, sobretudo para assegurar os financiamentos da banca. A dívida à Pechiney ascendia então a 153.000 contos e, suspensos os fornecimentos pela multinacional francesa, a administração do Alumínio volta-se para Espanha, celebrando um acordo ruinoso com a Inespal, apenas para manter a laboração.
As vendas passam a fazer-se abaixo dos custos de produção e depressa a dívida ao fornecedor espanhol se eleva a 100.000 contos. A maioria dos encarregados da fábrica tem quase 30 anos de serviço, restam cerca de 90 empregados, a tecnologia é obsoleta e não há dinheiro para a reconversão. Aproxima-se o fim.
No 1.º trimestre de 1994 acaba-se o stock de matéria-prima e em Agosto seguinte – quando a fábrica está encerrada para férias, como sempre foi tradição – demitem-se três dos cinco administradores. Cessa o pagamento de vencimentos e, em Setembro, quando o pessoal regressa à fábrica, também os telefones estão cortados por falta de pagamento.
Com dívidas acumuladas de 850.000 contos, a situação atinge o ponto de ruptura e, dada a incapacidade manifesta, a administração do Alumínio é forçada a precipitar a liquidação quando a Pechiney pede a falência (o seu advogado era o ex-ministro centrista do Ambiente e do Ordenamento do Território, Luís Nobre Guedes). Também a espanhola Inespal se preparava para interpor outra acção judicial.
Sem quorum para tomar decisões, os dois administradores em funções decidem co-optar um terceiro elemento, o trabalhador e encarregado de desenho sr. Joaquim Pereira (actual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcochete). Sem direito a vencimento mas com 100 acções cedidas por accionistas, de modo a reunir as condições estatutárias para o desempenho do cargo.
É ele que, em ligação com o advogado António José Silva e Sousa, contratado para o efeito, virá a tratar de pagar algumas dívidas a fornecedores e ao Estado, bem como as indemnizações aos trabalhadores, mediante a venda do património (dois terrenos em Alcochete, o maior dos quais o das instalações situadas defronte da Praça de Touros).
O terreno mais pequeno, na Estrada Nacional 119, quase defronte da fábrica Crown, Cork & Seal, renderá 25.000 contos, apenas suficientes para liquidar ordenados em atraso a nove empregados da sede de Lisboa. Os cerca de 90 trabalhadores de Alcochete recorrem ao Fundo de Desemprego.
O terreno da fábrica é vendido por 560.000 contos, a liquidar em três prestações, a última e maior das quais dependente da entrega das instalações devolutas. O valor apurado não chega para cobrir as dívidas de 850.000 contos, mas os cerca de 90 empregados que se mantêm até ao final receberão 1,3 meses de ordenado por cada ano de trabalho, a título de indemnização, um pouco acima do mínimo legal na época. Também os aposentados são contemplados, aos quais a empresa sempre pagara um complemento de reforma.
As velhas máquinas vendem-se para sucata, à razão de 4$00/kg. Só a máquina de laminagem custara, 30 anos antes, cerca de 700.000 contos.
A Alumínio Português (Angola) é liquidada a 31 de Outubro de 1994, quando as chaves da fábrica de Alcochete são entregues ao adquirente do terreno, que por ele pagou 560.000 contos e pouco tempo depois o renegociaria por 1.000.000 de contos. A extinção legal da empresa é declarada no «Diário da República» cerca de um ano depois.
Assim se desfaz em sucata e lixo um belo sonho industrial, planeado para ter grandes fábricas no Dondo e em Alcochete.
Com a Alumínio Português (Angola) desaparece também uma das últimas fábricas do período do eng.º João Maria Ferreira do Amaral, que alicerçaram a industrialização deste concelho.
Desapareceria ainda a única unidade industrial portuguesa de laminagem de alumínio. Até hoje, em território nacional nenhuma outra a substituiu.


Nota de rodapé - Persegui esta história durante três anos. Graças à colaboração do dr. Elmano Alves (ex-accionista) e do sr. Joaquim Pereira (ex-desenhador, encarregado e administrador), em 2003 tive a possibilidade de atingir o objectivo, tendo publicado originalmente este texto no extinto portal «Tágides».
Contribuíram ainda o Sr. Henrique Oliveira, do sítio da Internet Prof2000 (espaço «Aveiro e Cultura») Imagem digital, que então me autorizou a reprodução de imagens da Barragem de Cambambe (propriedade de Ivo Cardoso) e do mapa de Angola assinalando a localização da mesma; bem como o Sr. Francisco Garrancho, que me cedeu duas imagens pessoais obtidas com cerca de 20 anos de intervalo no interior da fábrica de Alcochete (incluídas no filme acima).
A todos agradeço a colaboração.

19 maio 2009

Municipalismo de outrora (20): chefe da secretaria afastado


À época dos factos relatados no texto
os Paços do Concelho situavam-se
neste edifício do Largo da República.


Na reunião da vereação da câmara de 23 de Agosto de 1939 é denunciada uma inexplicável omissão do ex-chefe da secretaria do município, o qual não cobrara aos comerciantes, quatro anos antes, o adicional de imposto indirecto sobre o vinho, receita que pertencia ao Estado e da qual a autarquia deveria prestar contas.
Nessa sessão camarária é mencionada a recomendação do novo chefe da secretaria, segundo o qual era urgente obter das instâncias competentes o saneamento da situação criada pela suspensão dos processos de execução fiscal movidos contra devedores do imposto do vinho, no segundo semestre de 1935, porque a manutenção do "statu quo" acarretaria responsabilidades para o município.
O presidente informa ter diligenciado, junto da Direcção-Geral da Administração Pública e Civil, para que se reconhecesse a situação criada, por força dos graves inconvenientes que adviriam para os interessados e a própria câmara, se se prosseguisse com os referidos processos.
Segundo o presidente Francisco Leite da Cunha, o director-geral prometera-lhe relevar a responsabilidade da câmara relativamente à inobservância dos prazos estipulados no Código de Execuções Fiscais.
Na sessão de 30 de Setembro de 1939 é o vereador Manuel Marques Sena que dita para a acta que, "tendo em consideração a responsabilidade que à câmara cabe na paralisação dos processos de execução fiscal relativos à questão do imposto de consumo de vinho do 2.º semestre de 1935, proponho que sejam tomadas todas as medidas para resolução rápida deste assunto".
Este imbróglio – que se arrastará durante quase seis anos subsequentes – culminaria no princípio de 1941. Na acta de 1 de Fevereiro consta o relato de uma decisão judicial acerca do auto levantado ao então chefe da secretaria da câmara, que não cobrara o adicional aos impostos indirectos de alguns comerciantes.
A câmara movera um processo a esse ex-funcionário, com a intenção de o obrigar a pagar os impostos em falta, sendo o caso abordado, várias vezes, em reuniões da edilidade. Mas só então o Contencioso das Contribuições e Impostos decide julgar o processo insubsistente, absolvendo o chefe da secretaria de arcar com a responsabiliade pecuniária. No entanto, como se tratava de dinheiro de imposto devido ao Estado, o contencioso fiscal não isenta a câmara de pagar esse adicional.
Em face do acórdão, a edilidade considera que seria "desprestígio para o município impor a 936 contribuintes pagamentos que variavam entre $10 e 2$00", propondo que o ministro do Interior autorizasse a própria câmara a pagar os 903$60 em falta nos cofres do Estado. Tempos depois o ministro do Interior recusaria também a proposta e a câmara ver-se-á forçada a cobrar essa importância aos contribuintes.


(continua)

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06 maio 2009

Municipalismo de outrora (19): câmara fixa impostos indirectos

No período abrangido pela minha consulta a actas municipais do período 1938/1945, a câmara cobrava impostos indirectos aos comerciantes sobre a venda de bens essenciais, do petróleo à carne, passando por hortícolas, cereais, bebidas alcoólicas e peixe.
Os critérios de taxação eram definidos pela própria vereação, caso a caso, baseada em parecer prévio do fiscal camarário.

Em finais de 1938 o presidente da câmara faz aprovar uma proposta para que os retalhistas de víveres de Samouco paguem os seus impostos por avença, directamente na secretaria da câmara, sendo a respectiva taxa idêntica à dos congéneres de Alcochete. A partir de então o cobrador de impostos de Samouco passaria a ter uma remuneração correspondente a metade do valor das receitas geradas. A câmara possuía cobradores de impostos em ambas as freguesias.
Em 1938 o fiscal de Alcochete tinha de vencimento 550$00 e o de Samouco 145$80. Devido à crise económica originada pela guerra – que levaria ao encerramento de inúmeros estabelecimentos comerciais e à consequente suspensão da cobrança de impostos indirectos, como veremos mais adiante – em 1942 o fiscal de Alcochete ganhava somente 500$00.
Da acta da sessão de 20 de Julho de 1940 depreende-se que o papel do fiscal e cobrador de impostos era relevante na colecta de receitas, pois dela consta a seguinte proposta do presidente: "verificando-se que Ana de Jesus Guerra e Rosa Pereira, ambas da vila, estão avençadas por quantia muito inferior à que o Código Administrativo estabelece, tendo a fiscalização informado que aquelas contribuintes vendem por mês, respectivamente, 58 kgs de carnes verdes e fumadas ao preço de 6$00/kg, delibera a câmara elevar a avença mensal da primeira para 9$00 e à segunda para 14$40".
Numa acta de Janeiro de 1939, aparece o que se supõe ser a lista completa dos comerciantes então existentes no concelho, bem como o valor das respectivas avenças.
Nas duas únicas freguesias então existentes – São João Baptista de Alcochete e São Brás de Samouco – pagavam avenças 48 comerciantes de carne e 40 de petróleo. Alguns vendiam ambos os produtos.
Os impostos eram normalmente pagos por avença mensal, mas alguns comerciantes faziam-no também "ao manifesto", dependendo do que solicitavam à câmara através de requerimento.
Em 1938/39 os principais comerciantes requeriam o pagamento "ao manifesto" e o maior dos avençados – Estabelecimentos Silva & Companhia – liquidava 91$20 mensais.

Ainda em Janeiro de 1939, uma das actas reproduz a tabela da "estiva camarária", que se depreende corresponder a uma taxa que os comerciantes pagavam ao município pelo transporte de bens.
As taxas permitem conhecer a cotação relativa de cada produto no mercado comercial:

Azeite 6$00 por litro
Batata $70/kg
Centeio 9$00/alqueire
Cera em rama 120$/arroba
Cortiça 15$00/arroba
Farinha 50$00/tonelada
Fava 1$00/litro
Mel 5$00/kg
Gado suíno 80$00/arroba
Rama de pinho 26$00/talha
Vinho $80/litro
Frangos 5$00/bico
Carne de vaca 6$00/kg
Carne de chibato 5$00/kg
Carne de carneiro 5$00/kg
Carne de porco 6$60/kg
Petróleo 1$60/litro.
Na sessão de 12 de Abril de 1939, o presidente anuncia que 13 comerciantes de petróleo da freguesia de São Brás de Samouco reclamam do valor das avenças e, depois de ouvido o fiscal camarário, decide-se reformular esse imposto de consumo.

(continua)

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29 abril 2009

Municipalismo de outrora (18): água de consumo público

Erguido em 1946, o depósito de água dos Barris
é visível do espaço (imagem Google Earth)

No início da década de 40 do século passado a esmagadora maioria da população de Alcochete ainda se abastecia de água em poços e fontanários existentes em diferentes locais da vila, havendo então em Samouco apenas um poço e uma fonte.

São Francisco dispunha de uma única fonte, cuja reparação custou à câmara 22$00 no mês de Julho de 1938, conforme consta de acta camarária.
Entre 1938 e 1942, os poços públicos mais frequentemente citados nas actas são os dos Barris e do Moyzém, devido às constantes reparações das respectivas bombas manuais. Pontualmente é também citado o poço de São João (então existente no largo com o mesmo nome) mas, ao contrário daqueles, não suscitava despesas significativas.
Em 1944 a bomba do poço dos Barris era já movida a vento, um "aeromotor" semelhante aos ainda existentes em várias propriedades do concelho, engenho que – tal como as noras – tende a desaparecer da paisagem por não haver quem se interesse pela recuperação dos poucos ainda de pé.
Em finais dos anos 30, alguns privilegiados da freguesia de Alcochete usufruíam de uma pequena rede de distribuição domiciliária de água, em artérias compreendidas entre o actual Largo da Feira (o da antiga fábrica de cortiça Orvalho), a Rua Comendador Estêvão de Oliveira (artéria pedonal entre os largos de São João e da Misericórdia) e o Largo Coronel Ramos da Costa (o da farmácia Nunes).
O município investirá na expansão dessa rede até ao final da década de 30, pelo menos, quando começa a planear-se a construção de nova infra-estrutura contemplando toda a área urbana da vila, que na época correspondia, sensivelmente, ao que se convencionou chamar "zona histórica".
Em Julho de 1938 é autorizado o pagamento de 2.000$ a António Gomes Coelho, "pela segunda prestação por conta do levantamento e estudo do projecto de fornecimento de água à vila". Seis meses depois são liquidados mais 3.792$00, pela terceira e última prestação do estudo. Em 1938 a taxa anual de ligação de um ramal de água à rede pública era de 50$00. No Outono de 1939 o aluguer do contador tinha o preço mínimo de 9$00, com direito a 3000 litros de consumo mensal.
Inicialmente, os consumidores de energia eléctrica e de água das redes públicas de Alcochete eram escassos. Mas foram aumentando rapidamente. Em Março de 1939 a câmara adquiria, na Repartição de Finanças, 150 selos fiscais de $10 para os recibos mensais apresentados aos consumidores, mas em Novembro seguinte seriam 400 selos e em Setembro de 1940 necessitava de 600 estampilhas fiscais.
O deflagrar da Segunda Grande Guerra teve impacte negativo em ambos os serviços e várias dezenas de consumidores, incluindo comerciantes, prescindiram dos mesmos, como as actas municipais amplamente registam.
Os pedidos de ligação de ramais e baixadas às redes públicas de água e electricidade eram apresentados em requerimento e individualmente aprovados em sessão da câmara. Por eles fica a saber-se que, em Setembro de 1938 – pouco mais de ano e meio após a sua fundação – o Grupo Desportivo Alcochetense pediria a ligação da sua instalação eléctrica no Largo da República à rede camarária.
Cinco meses depois é autorizada ao rival Imparcial "Foot-Ball" Clube de Alcochete a ligação da água da rede pública aos balneários do campo de jogos (situava-se, sensivelmente, no local onde hoje está a Escola EB 2,3 El-Rei D. Manuel I).
Lê-se também nas actas que o primeiro proprietário da Farmácia Gameiro e co-fundador do Aposento do Barrete Verde — António Rodrigues Regatão — residia na Travessa Luís Alves, da vila de Alcochete. Em Setembro de 1940 pede autorização à câmara para levantar a calçada da via pública, junto ao prédio da sua moradia, a fim de ligar a água da rede pública à habitação.
Outra curiosidade: a Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 teve luz eléctrica na sua sede a partir de meados de 1941 e água desde Fevereiro de 1943.
Na sessão de 27 de Março de 1942 são aprovados o programa do concurso e o caderno de encargos relativos à obra de abastecimento de água à vila, mandando-se publicar anúncios fixando o concurso público para o dia 20 de Abril seguinte, com a base de licitação de 510.000$. A verba era elevadíssima para a época, bastando recordar ser equivalente a quase dois anos do orçamento corrente da câmara.
Talvez por causa disso, a primeira rede de abastecimento domiciliário de água ficaria concluída apenas em 1946.
O símbolo mais visível desse empreendimento continua a ser o hoje esquecido e abandonado depósito elevado dos Barris (situado na urbanização com a mesma designação), sobre cuja porta de acesso está gravado o ano da sua inauguração.
Entretanto, na sessão de Setembro de 1943 a câmara tomaria conhecimento de que o Estado decidira reforçar a sua comparticipação nessas obras, em mais 36.871$70. Normalmente as redes de água e saneamento eram lançadas ao mesmo tempo e a primeira referência à rede de esgotos da vila de Alcochete data de Janeiro de 1939, quando se decide elaborar o estudo e o levantamento da respectiva planta.

(continua)

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23 abril 2009

Samouco, Alcochete e etc.

A propósito deste meu texto, recebi do leitor Sousa Rego uma mensagem que agradeço e deixo à consideração geral.
Acrescentarei apenas concordar com as suas recomendações, porque a elas fiz referência em vários textos arquivados neste blogue.


Estive a consultar outras actas!
Dessa consulta considerei oportuno dizer o seguinte:

Samouco e Aldeia-Galega.
Uma integração frustrada.

Em 14 de Novembro de 1840 a Acta das Sessões da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa registava o seguinte:
-Ministério do Reino. Um Orneio enviando uma representação da Câmara Municipal do Concelho de Alcochete pedindo que não se atenda ao requerimento dos moradores do Logar de Samouco que pretendem ser anexados ao Concelho de Aldegallega do Riba-Tejo.
Uns anos depois, mais concretamente em 6 de Abril de 1883, e na mesma Câmara dos Senhores Deputados consta da acta e com o título “Representações”, o seguinte:
-Da junta de paróquia e moradores da freguesia de S. Braz do Samouco actualmente do concelho de Alcochete pedindo que se faça uma lei no sentido de anexar aquela freguesia ao concelho de aldeia Gallega.

Estas duas pretensões espaçadas no tempo por mais de 40 anos revelam uma realidade histórica e sociológica até ao momento pouco explorada.
A questão que se coloca é a de saber quais os motivos profundos que terão levado as gentes do Samouco a pedir a anexação da sua terra à vizinha Aldeia Gallega, separando-se, assim do concelho de Alcochete?
De um ponto de vista geográfico o Samouco está mais perto da então vila de Aldeia Gallega, hoje a cidade de Montijo, do que da sua sede de concelho, a vila de Alcochete.
Durante o passado século XX, para os assuntos mais importantes da vida diária das populações, era costume recorrer-se mais ao Montijo do que a Alcochete.
Com a nova era da globalização talvez tudo se tenha alterado um pouco.
Porém, estamos certos que esta tendência “histórica” se está a manter dado estar enraizada no sentir colectivo de toda uma população.
A Alcochete e para as gentes do Samouco só se vai se a tanto se for obrigado.
Certamente que a proximidade geográfica sempre foi um factor de importância a fortalecer as pretensões de anexação ao Montijo.
Sucede que terão existido outros factores a alimentar o movimento de separação do concelho de Alcochete.
De entre esses múltiplos factores que normalmente se conjugam em questões desta natureza, cabe salientar o sentimento das gentes do Samouco a considerarem que a sua terra, ao longo dos tempos, tem vindo a ser prejudicada face à vizinha sede do Concelho que é Alcochete.
E isto em inúmeros aspectos, sendo aqueles que o povo mais nota, no campo das “obras públicas vivas” e das realizações culturais e recreativas.
O “défice” é manifesto. Mas, diga-se em abono da verdade, ainda é maior relativamente às outras freguesias e povoações do concelho de Alcochete.
Esta realidade ”histórica” traduz, como não podia deixar de ser, ”culpas colectivas”.
Estamos agora em pleno Século XXI e no momento oportuno e inadiável para a “expiação” dessas “culpas colectivas”.
E, a “expiação dessas culpas”, passa pela efectiva concretização da freguesia do Samouco ser tratada, por direito próprio, em plena proporcionalidade e igualdade com a sede do concelho e demais freguesias.
E isto para não se estar à espera que surja, de novo, um movimento,-“ pedindo que se faça uma lei no sentido de anexar aquela freguesia ao concelho de Aldeia Gallega-“.
É preciso estar atento aos sinais dos tempos e às legítimas e justas aspirações das gentes do Samouco.

21 abril 2009

A não perder


Graças à Nova Biblioteca Digital Mundial, inestimável iniciativa da UNESCO (ler notícia aqui), desde hoje temos acesso gratuito, através da Internet, a mais alguns valiosos documentos relacionados com o passado local.
Numa pesquisa rápida encontrei dois mapas interessantes.


Aqui está um mapa holandês de 1560, reproduzido a partir de original arquivado na Biblioteca do Congresso dos EUA, no qual a grafia para designar as terras que hoje habitamos era «Alcouchete»
.

Também aqui está reproduzido, a partir de original arquivado na Biblioteca Nacional do Brasil, outro mapa holandês do ano de 1700 com a grafia utilizada na época para designar localidades que nos são familiares.
Além de outras, chamo a atenção para: «Alcouchette» e «Samoco».
Repare também nos caminhos cartografados pelo autor.


Nota: abra as imagens exibidas no lado esquerdo da página descritiva usando a hiperligação «Abrir» na sua base e amplie os mapas clicando, sucessivamente, sobre o sinal "+" no rodapé, para poder observar os inúmeros detalhes.

19 abril 2009

Municipalismo de outrora (17): câmara vende electricidade


No início da década de 40 do século passado
a esmagadora maioria da população da vila de Alcochete
vivia ainda à luz da vela. A electricidade era privilégio de poucos.



Com alguma irregularidade – porque há vida para além do blogue – continuo a reedição de apontamentos de uma investigação breve realizada, há alguns anos, em actas da vereação municipal de Alcochete no período 1938/1945. Época em que o município comercializava, além da água de consumo, também a electricidade.


Na sessão de 2 de Novembro de 1940 é paga à Fundição e Construção Mecânicas a importância de 617$45, respeitante à aquisição de candeeiro e globo para a iluminação pública da vila, decidindo a vereação avisar o prior da freguesia (pároco Crispim Santos) de que deveria passar a pagar metade da energia eléctrica consumida na sua residência.
A partir de Janeiro de 1941 a contagem da luz e água far-se-ia entre 20 e 30 de cada mês e o fiscal e cobrador de impostos municipais deveria obter a liquidação dos respectivos recibos até ao dia 8.
Semanas depois é aprovada pela edilidade uma tabela de consumo de energia eléctrica por avença para casamentos, passando a cobrar-se 2$60 por lâmpada de 15 watts acesa durante 13 horas mensais.
Tratando-se de uma lâmpada de 25 watts o valor seria de 3$90 pelas mesmas 13 horas, de 40W eram 6$50, de 60W cobrar-se-iam 10$40 e o limite superior eram 100W, caso em que se cobravam 13$00.
À época as telefonias começavam a estar na moda e, pela primeira vez, a câmara fixa-lhes uma taxa de 10$00 mensais relativa ao consumo de energia eléctrica. A tabela era aplicável apenas nos meses de Inverno (Outubro a Março), visto que no resto do ano o consumo mínimo cobrado nos casamentos seria de três horas e às telefonias de 7$50.
Na sessão de 19 de Junho de 1941 é deferido o requerimento em que a Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 pede autorização para ligar a sua instalação eléctrica à rede pública. Na sessão de 1 de Agosto de 1941 a vereação anula a redução de 50% a que os funcionários e empregados da câmara tinham direito no consumo de água e luz.
Em meados de Dezembro de 1942 é decidido que as futuras ligações eléctricas à rede pública passariam a pagar 3$50 mensais de aluguer do respectivo contador.
Em Junho de 1944 a câmara paga 2.763$00 à União Eléctrica Portuguesa pela energia eléctrica consumida no concelho no mês anterior.
Na última sessão desse mês decide avisar o ex-presidente do município, Alberto da Cunha e Silva, e a empresa de que era sócio-gerente, a Bacalhau de Portugal, Ld.ª – a primeira seca de bacalhau instalada no concelho – da situação irregular em que se encontrava a respectiva ligação de energia eléctrica, por não ter sido requerida autorização à câmara para ligação à rede pública. A vereação concedia 10 dias para a regularização da situação.
Mas o ex-chefe da edilidade deixara em herança, aos sucessores, outro problema relacionado com electricidade: na sessão de 14 de Julho de 1944, os vereadores tomam conhecimento da carta de determinada empresa fornecedora, na qual lhes é solicitado o pagamento de uma factura respeitante ao fornecimento de extensão eléctrica (baixada).
Na acta lê-se que a extensão se destinava a "servir estabelecimentos que pertencem ao sr. Alberto da Cunha e Silva e outros" e que a câmara não possuía registo de que a mesma se destinasse ao seu próprio serviço. Logo, o município recusava-se a pagar a factura.
Por fim, na sessão de 25 de Agosto de 1944 a vereação toma conhecimento de um ofício da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, comunicando ter uma vistoria detectado deficiências na rede eléctrica do município, as quais deveriam ser corrigidas no prazo de 120 dias. A câmara delibera comunicar as anomalias ao electricista municipal, incumbindo-o de pôr a rede em ordem.

(continua)

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30 março 2009

Municipalismo de outrora (16): câmara vende e aluga lâmpadas

No princípio da década de 40 do século passado, a Câmara Municipal fornecia as lâmpadas de uso doméstico em regime de venda ou aluguer. No caso do consumidor optar pelo aluguer, os preços eram os seguintes:








Lâmpada de 10 velas com filamento metálico ................ 10$/mês
Lâmpada de 15 velas ................................................. 12$/mês Lâmpada de 25 velas ............................................... 15$/mês Lâmpada de 50 velas ................................................... 20$/mês Lâmpada de 100 velas ............................................... 30$/mês
As primeiras duas lâmpadas estavam incluídas na taxa mensal de serviço, no valor de 50$00.
Na acta da sessão camarária de 22 de Fevereiro de 1939 refere-se que o município tinha necessidade de aumentar o número de consumidores de energia eléctrica, pelo que o vereador Mateus Gonçalves Gomes propõe que as instalações eléctricas, cujo custo não excedesse 300$, seriam pagas a prestações, sendo a primeira de 50$ e as seguintes de 25$00 mensais.
Contudo, as instalações a prestações só seriam concedidas "a pessoas de reconhecida idoneidade ou às que dêem fiador idóneo".

Dois meses depois, o presidente da câmara dita para a acta informação evidenciando o surgimento da primeira associação de municípios com a participação de Alcochete: o presidente da câmara de Montijo escrevera-lhe uma carta, sugerindo a conveniência da formação de uma Federação dos Concelhos da Moita, Montijo e Alcochete, com "o fim de resolver o problema de distribuição de energia eléctrica aos mesmos concelhos". Nessa informação é referido que a câmara considera o problema "como de essencial e vital importância para a vida do concelho", tendo entendido "perscrutar a opinião de técnicos competentes e insuspeitos" que a habilitassem a proceder "de harmonia com os altos interesses do município".
Analisados os pareceres técnicos, a "câmara concorda com a sugestão" e dispõe-se a proceder a "todas as diligências necessárias" no sentido de que a federação "seja um facto a verificar no mais curto espaço de tempo".
A proposta do presidente é aprovada por unanimidade e nele são delegados poderes para representar a câmara nos assuntos da federação.
No entanto, até 1945 são inexistentes quaisquer referências posteriores a essa associação de municípios, que não terá ido avante, porque na sessão realizada dois dias antes do Natal de 1939 é aprovada, por unanimidade, outra proposta do presidente, para que se oficiasse à Sociedade de Electrificação Urbana e Rural no sentido de "nos ser indicado o dia em que devem ser assinados os contratos entre a câmara e a companhia para o fornecimento de energia eléctrica a esta vila".
Mas também essa sociedade nunca terá existido, pelo menos com tal designação. A 12 de Setembro de 1941 – quase dois anos depois – noutra acta menciona-se ter sido substituída pela União Eléctrica Portuguesa (UEP), empresa que, de facto, estaria em actividade até 1975, acabando integrada na Electricidade de Portugal (EDP) por força das nacionalizações.
Na sessão de 25 de Maio de 1941, a vereação confere plenos poderes ao presidente para assinar com a UEP a escritura para fornecimento de luz a Alcochete. O acordo firmado previa a instalação de um posto de transformação na vila, cuja manutenção ficava a cargo do município, sendo o contrato aprovado na sessão de 3 de Julho de 1942.


(continua)

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19 março 2009

Municipalismo de outrora (15): energia e iluminação


Não consegui apurar desde quando – sendo a data anterior ao período cujas actas municipais consultei há anos – mas até finais de 1942 o município de Alcochete produzia a energia eléctrica fornecida a consumidores e destinada à iluminação pública, incumbindo-se da instalação das baixadas e dos contadores, da venda e aluguer das lâmpadas e da facturação e cobrança às escassas dezenas de utilizadores então existentes.
A iluminação pública era mista – eléctrica e a petróleo – rondando a meia centena os candeeiros eléctricos [a imagem acima mostra um candeeiro a petróleo no Largo Coronel Ramos da Costa].
Nessa época, a Samouco não chegara ainda a luz eléctrica.

Em finais de Janeiro de 1940, pela assistência aos 25 candeeiros públicos a petróleo de Samouco, mais a limpeza de "ruas com casas sem quintal" e da zona do chafariz, a câmara paga 587$90 a Artur Serafim, encarregado desse serviço durante muitos anos.
O petróleo, as torcidas e os vidros dos candeeiros de iluminação pública, em ambas as freguesias, importavam mensalmente em 460$00.

A central eléctrica era movida a gasóleo e um sorvedouro de dinheiro, embora funcionasse apenas à noite. No período 1938/1945, em todas as sessões camarárias há autorizações de pagamento de despesas relacionadas com o gerador.
Por exemplo, em Março de 1938 a câmara paga 5.354$ à firma H. Vaultier & Cia., pela aquisição de óleo lubrificante e óleo combustível para a central, verba que representava cerca de 1,5% do orçamento anual na época. O transporte dos bidões para Alcochete foi facturado por 75$00.

No início da década de 1940, os vencimentos do pessoal da central eléctrica somavam 1.100$ mensais, mas em 1942 tinham baixado para 1.000$00. A taxa das indústrias eléctricas, devida ao Estado pela exploração da rede na área do município, era paga ao tesoureiro das finanças e ascendia mensalmente a cerca de 240$00. Dois anos antes era de 189$00, pelo que o consumo não terá aumentado significativamente nesse período.
Na sessão camarária de 22 de Fevereiro de 1939 é aprovado o primeiro regulamento de fornecimento de energia eléctrica destinada a iluminação privada, contendo 15 parágrafos. Curiosamente, o articulado não diverge muito das regras hoje vigentes na EDP, o que atesta o rigor do estudo prévio então realizado.
Os interessados passariam a apresentar um requerimento indicando quantas lâmpadas incandescentes pretendiam instalar (de 5 a 200 "velas"), bem como a quantidade de tomadas e tipos de corrente e de contador, podendo a câmara negar a instalação por conveniência própria.
A câmara exigia um termo de responsabilidade quanto ao bom uso da energia, mas declinava o pagamento de qualquer indemnização em caso de suspensão do fornecimento por motivo imprevisto ou de força maior.
Diga-se, em abono da verdade, que as interrupções eram excessivamente frequentes, devido aos repetidos problemas técnicos com a central, de que há inúmeros reflexos nas actas camarárias.
A montagem do contador dependia da conformidade da instalação e do respeito pelas normas de segurança, sendo o consumo facturado em kilowatt/hora.
Em Junho de 1940 a edilidade decide integrar o electricista no quadro de funcionários municipais, com o vencimento de 600$00. As suas funções eram polivalentes: durante 15 dias no mês, da uma da madrugada ao nascer do sol, prestava serviço nocturno na central eléctrica da vila. Nos outros 15 dias trabalhava do pôr do sol à uma da madrugada, tendo como missão reparar a rede eléctrica, colocar lâmpadas, contar a electricidade consumida, reparar contadores e quaisquer outros serviços inerentes ao cargo.
Na central eléctrica seria ainda provido um lugar de condutor de motores, com 500$00 de vencimento. Tinha como missão prestar serviço nocturno na central eléctrica, durante 15 dias. No resto do mês incumbia-se de contagens da água consumida no concelho, reparava e limpava motores, fechava e abria instalações de água e quaisquer outros serviços inerentes ao cargo.

(continua)

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POSTA RESTANTE

Sousa Rego enviou a seguinte mensagem:
Cá estou eu outra vez com estas coisas do “centralismo alcochetano”.
É que,no início da década de 1940, como o texto revela claramente, o Samouco ainda” trabalhava a petróleo”.
Enquanto isso, na sede do concelho, imperava já o domínio da “- luz eléctrica-”.
Enfim,a Alcochete chegara , há muito tempo, o requinte da “civilização”.
Parece que para estas paragens sempre houve alguns com mais direitos do que os outros.
Os do Samouco, sempre poderiam dizer para Alcochete como o “Zé Fernandes” na obra de Eça de Queiroz a “Cidade e as Serras”:
-“Não Jacinto,Não…Eu venho de Guiães,das serras;preciso entrar em toda esta civilização,lentamente,com cautela,senão rebento.Logo na mesma tarde a electricidade,e o conferençofone ,e os espaços hipermágicos, e o feminista,e o étereo,e a simbolia devastadora,é excessivo!Volto amanhã”.-
A questão se coloca é precisamente a de saber se ,o Samouco, em relação à sede do concelho,a Alcochete, continua ainda a “trabalhar a petróleo”?
Infelizmente, quer-me parecer que sim e em relação a muitos aspectos da vida colectiva.
Algum dia o Samouco deixará de dizer-“Volto amanhã”-.


A minha resposta:
Não é verdade, na década de 40 pouca electricidade havia na iluminação de Alcochete. Era só para os ricos.
Pense nisto: não será que, ainda hoje, o município de Alcochete funciona a petróleo?

Sousa Rego envia segundo comentário sobre o texto acima:
Ainda a propósito, de no Samouco se ,-“ trabalhar a petróleo”-,diz-nos “Jacinto” do alto da sua “ civilização”,para o “Zé Fernandes,o tal que vinha do Samouco”:
-“Não vale a pena ,Zé Fernandes.Há uma imensa pobreza e secura de invenção!..
-Tu não os sentes ,Zé Fernandes.Vens das serras…
Pois constituem o rijo inconveniente das Cidades,estes sulcos!..É um dito que se surpreende num grupo,que revela um mundo de velhacaria,ou de pedantismo,ou de estupidez,e nos fica colado à alma,como um salpico,lembrando a imensidade da lama a atravessar.Ou então , meu filho,é uma figura intolerável pela pretensão,ou pelo mau gosto,ou pela impertinência ou pela relice,ou pela dureza,e de que se não pode sacudir mais a visão repulsiva…Um pavor, estes sulcos ,Zé Fernandes”-.(CFr. Eça de Queiroz,in a A Cidade e as Serras)
E o “Zé Fernandes”,o tal que vinha do Samouco, começou a tentar perceber alguma coisa.Em especial, o facto de se dizer que Eça de Queiroz,seja na “ A Cidade e as Serras”,como noutros textos , parece estar sempre actual.
Outros dizem que a história se repete!
Enfim,o “centralismo” pode ser tudo isto para o Samouco “ trabalhar a petróleo”-.

16 março 2009

Municipalismo de outrora (14): as festas de Verão

As primeiras Festas do Barrete Verde e das Salinas realizaram-se a 7 de Setembro em 1941 e até 1945 aparecem nas actas municipais várias referências às mesmas, verificando-se que sempre tiveram financiamento significativo da autarquia.
No ano de 1944 a câmara concederia 4.000$ de subsídio, importância que à época representava pouco mais de 1% do seu orçamento anual. Hoje equivaleria a cerca do triplo da última verba concedida.
Recorde-se que o Aposento do Barrete Verde seria fundado somente a 20 de Agosto de 1944, com a principal finalidade de organizar essas festividades anuais da vila, cabendo a organização das primeiras festas à Santa Casa da Misericórdia de Alcochete.

Foram imprescindíveis, no entanto, os apoios do município, dos srs. Samuel Lupi dos Santos Jorge e José André dos Santos e a colaboração da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898.
O impulsionador das festas foi o jornalista José André dos Santos (1909-1967)[imagem ao lado], natural de Alcochete, que trabalhava no extinto jornal «O Século».
Aproveita a realização da tradicional corrida de toiros e, com o apoio e divulgação do seu jornal e do «Diário de Notícias», consegue pôr de pé as primeiras festas do Barrete Verde e das Salinas – a única vez em que se denominaram das Salinas e do Barrete Verde, pois do ano seguinte até à actualidade foram sempre as Festas do Barrete Verde e das Salinas.

Em 1943 a Santa Casa da Misericórdia recebe uma herança de Carlos Ferreira Prego, 3.º barão de Samora Correia (cujo busto está no antigo Rossio da vila, imagem abaixo), desinteressando-se da organização das festas, passando essa responsabilidade para a Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898, com o apoio da Câmara Municipal.
Perante as dificuldades em encontrar uma entidade ou comissão interessada em organizar as festas, em meados de 1943 a Câmara Municipal decide formar uma comissão presidida pelo vereador António Antunes e constituída por Álvaro José da Costa, Virgílio Jorge Saraiva, Augusto Ferreira Saloio, Augusto Atalaia, João Batista Lopes Seixal, José de Oliveira, Augusto Ferreira Gonçalves de Oliveira e Augusto Ferreira da Costa.
Terminadas as festas desse ano, a comissão convida para um almoço pessoas influentes na vila – nomeadamente António Tomé, Estêvão João Pio Nunes, Joaquim José de Carvalho, Dr. Manuel Simões Arrôs, Joaquim Tomás da Costa Godinho, António Rodrigues Regatão, Manuel Ferreira Perinhas e Carlos Pedro de Oliveira – às quais pretende fazer sentir a urgência em constituir uma entidade que assuma a organização das festas.
Desse almoço sai uma comissão composta por Joaquim José de Carvalho, Joaquim Tomás da Costa Godinho, António Rodrigues Regatão, Augusto Ferreira Gonçalves de Oliveira e Álvaro José da Costa, incumbida de constituir a entidade pretendida, que virá a denominar-se Aposento do Barrete Verde e será fundada a 20 de Agosto de 1944.

(continua)


N.R. - Contribuíram para este texto os srs. Miguel Boieiro e João Marafuga. O excerto respeitante às Festas do Barrete Verde e das Salinas faz parte da história do Aposento do Barrete Verde, editada na década de 80.

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11 março 2009

Municipalismo de outrora (13): o 15 de Janeiro



Nas décadas de 30 e 40 do século passado, anualmente, a 15 de Janeiro – data da celebração da restauração do município (1898) – a câmara concedia tolerância de ponto aos seus funcionários, mandava celebrar serviços religiosos na Igreja Matriz e distribuía um bodo aos pobres.
Nomeava-se uma comissão para preparar os festejos, sempre presidida pelo chefe da edilidade, e o programa manteve-se constante em todas as actas dos sete anos por mim analisados.
A título de curiosidade, eis um resumo das despesas do bodo de 1940:

124,5kgs de carne de vaca e toucinho, 747$00;

116kgs de pão, 218$40;
60kgs de arroz, 162$00;
12 dúzias de foguetes e 3 dúzias de morteiros, 184$50;
5 litros de vinho branco e 10 litros de abafado, 52$00;
Pagamento ao pároco Crispim dos Santos (sacerdote alcochetano) pelos serviços religiosos na Igreja Matriz, 170$00;
5kgs de velas de cera para as cerimónias religiosas, 90$00.

A câmara recorria a vários fornecedores para o abastecimento de géneros distribuídos nos bodos, embora os preços unitários fossem rigorosamente iguais, sendo o pão e o arroz adquiridos a quatro fornecedores distintos e a carne a três.
Durante vários anos os programas das celebrações da restauração do concelho seguem um padrão comum, servindo como exemplo o de 1941:

07h30 - Alvorada e recepção à filarmónica nos Paços do Concelho;
11h00 - Missa;
12h00 - Bodo aos pobres;
16h00 - Te-Deum;
21h00 - Reunião solene nos Paços do Concelho.

Nesse ano de 1941, durante a cerimónia litúrgica da tarde, seria benzida a nova bandeira do município – a mesma da actualidade (acima reproduzida) – para a qual foi convidado o padre Francisco da Cruz (Padre Cruz), "alcochetano dos mais ilustres".
Eis ainda o programa das comemorações de 1942 da restauração do concelho:

07h30 - Alvorada e salva de 20 morteiros, com a banda da Sociedade Imparcial percorrendo as principais ruas da vila;
11h00 - Missa na Igreja Matriz sufragando as almas dos dirigentes do movimento restaurador do concelho;
12h30 - Bodo da câmara a 240 pobres;
21h00 - Sessão solene e distribuição de prémios escolares da Junta de Freguesia.

continua

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26 fevereiro 2009

Municipalismo de outrora (12): escolas sobrelotadas



Em 15 de Junho de 1940 a câmara delibera pedir às instâncias competentes a nomeação dos terceiros professores para as escolas primárias masculina e feminina da sede do concelho, "dado que o número de crianças em idade escolar é considerável, podendo mesmo considerar-se excessivo em relação ao de agentes de ensino e, por esse facto, não podem ser admitidas à frequência todas as crianças em idade escolar que se apresentam à matrícula no princípio dos anos lectivos, o que é deprimente e altamente prejudicial para o futuro dessas mesmas crianças". Naturalmente, esta deliberação foi aprovada por unanimidade.

Nova referência ao assunto ocorre na sessão de 19 de Outubro seguinte, quando se insiste na nomeação do terceiro professor para a escola do sexo masculino (Escola Conde de Ferreira, no Rossio de Alcochete), lugar que, entretanto, fora oficialmente criado.
Um mês depois o presidente da câmara ditaria ainda para a acta outra proposta, considerando que, por haver muitos adultos analfabetos, "a câmara resolve pedir a quem de direito que crie curso nocturno na escola masculina, assumindo as responsabilidades consequentes da decisão". A câmara dispunha-se a suportar as despesas inerentes e a proposta é aprovada por unanimidade.
Como não havia sala disponível na Escola Conde de Ferreira, em Janeiro de 1941 a câmara decide arrendar uma sala ao Grupo Desportivo Alcochetense para nela funcionar a terceira turma masculina do ensino primário.
Na sessão camarária de 26 de Setembro de 1941 aprova-se "solicitar superiormente a entrada em funcionamento do terceiro lugar feminino [de professor] das escolas da vila", criado no ano anterior a pedido da câmara, e a 10 de Outubro seguinte é decidido pagar a electricidade para o curso nocturno da escola masculina da vila, cuja sala ficou provisoriamente instalada numa sala do Asilo Barão de Samora Correia, cedida pela Santa Casa da Misericórdia.
Na mesma sessão é decidido que a regente da escola de São Francisco passaria a receber mais 120$00 anuais para a limpeza e expediente das aulas nocturnas. Em Outubro de 1943 a câmara pede ao director escolar de Setúbal que inicie, no ano lectivo seguinte, o curso nocturno no posto escolar de São Francisco, pagando a câmara as despesas de expediente e de iluminação.
Em Julho de 1944 a Santa Casa da Misericórdia informa a câmara que, a partir de Outubro seguinte, não mais poderia continuar a alojar a escola nocturna masculina e três meses depois é decidido que o município assumiria as despesas da electricidade com o funcionamento do curso nocturno.

(continua)

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21 fevereiro 2009

De Nuno Álvares Pereira a Alcochete


O Papa Bento XVI canonizará Nuno Álvares Pereira no próximo 26 de Abril.
Para mim, que, felizmente, dada a infinita misericórdia de Deus, acabei por perceber o Cristianismo (coincidência dos opostos), Nuno Álvares Pereira, homem de ingentes qualidades e, certamente, de vários defeitos, é o exemplo do grande cristão.
Numa altura de perigo eminente para todo o Ocidente, a canonização de Nuno Álvares Pereira reveste-se de uma particularíssima importância para o futuro dos nossos filhos e netos.
Há um alcochetano que durante toda a vida asseverou que Nuno Álvares Pereira lhe apareceu num momento de pungente oração, animando-o e incentivando-o ao bom combate.
Quando eu era estúpido, não colocava estas revelações que me eram confiadas no devido plano, embora as ouvisse com respeito.
Hoje sei que o testemunho de António Neto Salgado expressa-se por um registo diferente do meu, mas ambos queremos o mesmo.
Honra e glória por toda a eternidade a São Nuno Álvares Pereira, o condestável do Reino de Portugal, terra de Santa Maria.

10 fevereiro 2009

Municipalismo de outrora (11): ensino primário

Antiga Escola Conde de Ferreira (masculina),
construída em 1866,
cujo edifício subsiste no
Largo Barão de
Samora Correia
embora hoje com outra finalidade.


Tal como hoje, há 60 anos as escolas do ensino primário estavam a cargo da câmara e o Estado pagava apenas aos professores, embora a dimensão das responsabilidades e as despesas municipais pouco tivessem a ver com o que sucede na actualidade.

Na época o ensino era normalmente separado por sexos, pelo que as freguesias de Alcochete e Samouco possuíam uma escola masculina e outra feminina. Todavia, o posto escolar de São Francisco, criado em 1939, representava uma excepção e tinha frequência mista.
Em Alcochete os edifícios escolares foram construídos para esse efeito – a escola masculina era a Conde de Ferreira (datada de 1866), situada no antigo Rossio, único edifício que ainda subsiste – mas em Samouco os edifícios eram alugados e a sua construção teve em vista finalidade diversa.
Na freguesia de São Brás de Samouco, em meados de 1938, a renda semestral da escola masculina era de 300$. Em Março de 1939, Maria Carlota Pinho era a senhoria do edifício da escola feminina da mesma freguesia, por cujo arrendamento a câmara pagava semestralmente 240$00.
O arrendamento do primeiro posto escolar de São Francisco data de Janeiro de 1939, sendo a renda mensal de 60$00 paga ao senhorio José Maria Correia. Era – diz-se na acta camarária em que tal decisão é ratificada – "a única casa em condições", embora fosse necessário adaptá-la. A câmara incumbiu-se das obras, mas descontou o respectivo valor na renda até ao seu integral pagamento.
A intenção era criar um posto misto, englobando alunos dos dois sexos, então caso único no concelho. Logo que o posto começa a funcionar subsiste a necessidade urgente de encontrar habitação para a respectiva regente, para o que a professora fazia insistentes pedidos à câmara. E sem a anuência ver-se-ia "impedida de exercer a sua missão de forma eficiente".
Um ex-aluno da primeira metade da década de 50 recorda que essa regente, então em final de carreira, tinha vincada personalidade e era muito exigente, sendo temida e conhecida como "Sarnica" entre a garotada. Sabe-se hoje que incomodava a própria edilidade da época.
Ainda em 1939 reconhecia o professor primário Francisco Leite da Cunha, então chefe da edilidade, que, "embora nenhum diploma obrigue a câmara e outros corpos administrativos a darem habitação aos agentes do ensino, antes pelo contrário", (...) "muitas vezes os agentes de início encontram dificuldades em se instalarem convenientemente, muito embora à sua conta, e observa-se uma tendência, até expressa em variadíssimas disposições da lei, de tentar obviar a este inconveniente".
Prossegue a declaração do presidente da câmara para a acta: "procurei dar-lhe remédio e parece-me tê-lo encontrado. Existe no lugar de São Francisco uma casa, propriedade de José Soares, onde facilmente e com ligeiros trabalhos de adaptação poderá funcionar o posto escolar e servir ao mesmo tempo de residência da respectiva regente". Assim, o presidente propõe que a câmara arrende a casa por 50$00, pagos semestralmente, vigorando o contrato a partir de 1 de Outubro seguinte e por tempo indeterminado.
Após ter pago a adaptação do primeiro edifício, nove meses depois a câmara decide transferir o posto escolar para outro local, de modo a assegurar também a residência à regente. A proposta seria aprovada por unanimidade.

continua

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