14 março 2006

Bagunça na toponímia de Alcochete


Dá-se um doce a quem conseguir ler esta placa sem se habilitar a um torcicolo.

Agora que há novos autarcas à frente do executivo municipal – eu sei que leram a primeira versão deste texto, publicada noutro lado há quase dois anos – volto a recordar que na toponímia de Alcochete reina o caos.
Artérias sem placas toponímicas, outras que as possuem apenas numa das extremidades, placas identificativas ocultadas por sinais de tráfego, placas com dimensões absurdas e caracteres quase ilegíveis.

Também há centenas de domicílios sem número de polícia (se não me engano, o meu vizinho de blogue é um dos bafejados pela sorte).
Inúmeros municípios – alguns com menor número de eleitores que Alcochete – adoptaram critérios para a atribuição de topónimos e números de polícia a artérias, bem como regras respeitantes às dimensões, características e normas de afixação das placas identificativas. Esses critérios estão definidos em regulamentos próprios, democraticamente discutidos e aprovados pelos competentes órgãos de gestão e deliberativo.
É a solução conveniente e correcta porque, além do mais, em princípio os projectos de regulamento têm de ser submetidos a apreciação pública e dá-se aos munícipes a possibilidade de se pronunciarem sobre o assunto.
É verdade que, tradicionalmente, em Alcochete, ninguém liga às consultas públicas, muito por causa da forma como são anunciadas – e por isso tem havido surpresas desagradáveis, demasiado tarde – e nada obriga a câmara a aceitar propostas ou sugestões alternativas, sequer a submetê-las à apreciação da vereação ou dos deputados municipais.
No entanto, parece-me urgente haver um regulamento para evitar artérias com designações semelhantes e susceptíveis de gerar confusão (Descobertas e Descobrimentos, por exemplo), o uso de topónimos com relevância discutível, designações eivadas de conotação ideológica (como Largo Unidos Venceremos e outros semelhantes).
Na ausência de regulamento cada executivo tem feito o que lhe apetece e os alcochetanos limitam-se a assistir passivamente. Porém, os autarcas vêm e vão mas as artérias perduram, sendo difícil, senão impossível, mais tarde corrigir discrepâncias e disparates.
Em todo o concelho a toponímia da maioria das artérias antigas continua a fazer sentido, contemplando termos populares e tradicionais, referências históricas, nomes individuais ou colectivos de figuras de relevo concelhio ou nacional, datas com significado histórico, etc. Mas a febre revolucionária levou a decisões insensatas.
Uma ronda pelas três freguesias permite a qualquer cidadão aperceber-se da multiplicidade de critérios, de materiais e de dimensões das placas identificativas, para todos os gostos, em esmalte, azulejo, mármore de várias tonalidades, chapas metálicas, pedra branca, etc.
A mesma variedade de estilos predomina nos caracteres, alguns com retoques de tinta ridiculamente toscos. Certas placas impressionam até pelo mau gosto.
Os principais problemas encontram-se em placas das últimas décadas, nas quais é incompreensível a profusão de materiais e de critérios, havendo algumas tão minimalistas que se afiguram ilegíveis, nomeadamente à noite. Outras foram fabricadas com mármores raiados, o que em nada facilita a legibilidade.
Em certas artérias é quase imperativo sair do automóvel para entender correctamente as placas toponímicas, a menos que se tenha visão de Super Homem.
Recuando no tempo, no início da década de 1940 as coisas estariam um pouco melhor organizadas e o município adquiria azulejos a usar na "nomenclatura da vila".
As placas toponímicas da época situam-se em zonas históricas e, apesar de singelas, têm legibilidade indiscutível.
Em décadas recentes, todavia, além de notória bagunça no formato e caracteres das placas toponímicas, num número excessivo de casos é praticamente impossível localizar determinados endereços em Alcochete, Samouco e São Francisco sem investigação exaustiva.
Por exemplo: alguém encontra, na freguesia de São Francisco, a placa toponímica do Caminho Municipal 1003, o confuso endereço de muitas dezenas de famílias?
Some-se a essa lamentável falha que o "1003" tende a confundir-se com o número de polícia – basta que não haja vírgula ou espaço entre ambos, como sucede frequentemente em endereços de registos informáticos – originando complicações inúteis e desnecessárias que os carteiros tentam resolver conforme podem. E se não for o carteiro?
Outro exemplo com cerca de seis anos: em Alcochete, na urbanização dos Barris – e não é caso único – em vez da numeração sequencial optou-se por identificar os edifícios segundo os lotes. Uma confusão para qualquer forasteiro habituado a sequências lógicas de números de polícia, porque nessa artéria à direita do n.º 19 situa-se o 37 e depois deste aparece o 23.
Na mesma urbanização há outros casos absurdos. Como o da Rua Artur Garrett que, aparentemente, começa ou acaba junto ao depósito de água, embora ninguém consiga definir os extremos devido à salsada da numeração. Em boa verdade ela prolonga-se – em ângulo recto! – até à Av.ª Dr. José Grilo Evangelista, pelo que muita gente perde longo tempo em busca de dois edifícios cujas entradas estão viradas para a escola D. Manuel I, supondo a maioria pertencerem a outra artéria.
Para lá de um número infindável de habitações sem número de polícia – assunto que a câmara prometeu estudar há cerca de dois anos, mas que deve continuar em banho-maria por não se vislumbrarem ainda resultados – há artérias sem placas toponímicas visíveis, placas afixadas apenas numa das extremidades (quando deveriam existir em ambas, pelo menos), identificações ocultadas por cabos e sinais de trânsito, etc.
Para que este não seja um arrazoado crítico e contestatário, refira-se existirem duas placas toponímicas muito visíveis e dignas dos pergaminhos do concelho: a do Miradouro Amália Rodrigues (na Av.ª dos Combatentes), da autoria do conhecido artista plástico José Salomão, e a do Largo Helder Antoño (atrás da Repartição de Finanças), produzida em 1989 na conhecida Fábrica de Santana, em Lisboa.
Oxalá fossem todas assim ou, pelo menos, uniformes e em azulejo, como em tempos chegou a ser norma no município.

Espero não ter de voltar a repetir este texto em 2010.

1 comentário:

Unknown disse...

Este texto do sr. Bastos é deveras pertinente.
A problemática da toponímia em Alcochete gera revolta.
Desde o 25 de Abril a toponímia tem sido um dos meus temas recorrentes, verificando eu que as coisas se vêm agravando de ano para ano.
A toponímia em Alcochete é uma das portas que sempre me fez convencer do desamor dos autarcas por esta terra.