12 março 2006
Deus Caritas est
Deus caritas est é o nome da primeira Encíclica de Bento XVI. Este documento magistral está dividido em duas partes que, no conjunto, fazem algumas perguntas a todos os cristãos: pode-se de verdade amar a Deus? Podemos de verdade amar o próximo? A Igreja poderá deixar o serviço ao próximo a organizações filantrópicas? Não seria preferível tender para uma ordem de justiça que pusesse termo aos necessitados, o que tornaria a caridade supérflua?
O início da Encíclica é mais de natureza teológica, mas o texto vai-se suavizando à medida que a leitura progride.
Eu vou transcrever aqui alguns excertos da segunda parte desta Encíclica que todos, crentes ou não crentes, deveríamos ler.
«O marxismo tinha indicado, na revolução mundial e na sua preparação, a panaceia para a problemática social: através da revolução e consequente colectivização dos meis de produção - asseverava-se em tal doutrina - devia dum momento para o outro caminhar tudo de modo diverso e melhor. Este sonho desvaneceu-se. (...) A justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da política. Um Estado que não se regesse segundo a justiça, reduzir-se-ia a um grande bando de ladrões...(...) A justiça é o objectivo e, consequentemente, também a medida intrínseca de toda a política. A política é mais do que uma simples técnica para a definição dos ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objectivo estão precisamente na justiça, e esta é de natureza ética. Assim, O Estado defronta-se inevitavelmente com a questão: como realizar a justiça aqui e agora? Mas esta pergunta pressupõe outra mais radical: o que é a justiça? Isto é um problema que diz respeito à razão prática; mas, para poder operar rectamente, a razão deve ser continuamente purificada porque a sua cegueira ética, derivada da prevalência do interesse e do poder que a deslumbram, é um perigo nunca totalmente eliminado. (...) A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode nem deve ficar à margem na luta pela justiça. (...) A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem. (...) O amor - caritas - será sempre necessário, mesmo na sociedade mais justa. Não há qualquer ordenamento estatal justo que possa tornar supérfluo o serviço do amor. Quem quer desfazer-se do amor, prepara-se para se desfazer do homem enquanto homem. (...) Um Estado que queira prover a tudo e tudo açambarque, torna-se no fim de contas uma instância burocrática que não pode assegurar o essencial de que o homem sofredor - todo o homem - tem necessidade: a amorosa dedicação pessoal. Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio de subsidiariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda. (...) A afirmação de que as estruturas justas tornariam supérfluas as obras de caridade esconde, de facto, uma concepção materialista do homem: o preconceito segundo o qual o homem viveria 'só de pão', convicção que humilha o homem e ignora precisamente aquilo que é mais especificamente humano. (...) O dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é próprio dos fiéis leigos. Estes, como cidadãos do Estado, são chamados a participar pessoalmente na vida pública. Não podem, pois, abdicar da múltipla e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum»
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