26 março 2006

O Palácio do Senhor Presidente

Em post anterior, publicado há uns tempos, confessei-vos o meu amor por África e, muito em particular, por São Tomé e Príncipe. São as paisagens, as praias com coqueiros a entrar mar dentro, as gentes no seu viver leve-leve, como eles dizem, o exotismo dos paladares, do concom grelhado com fruta-pão à papaia ao pequeno-almoço, as cargas de água quando menos se espera, o calor e a roupa coladas ao corpo, a Praia Jalé, a roça Bombaim, os mergulhos em água do mar a 29ºC, o cheiro a clorofila, enfim, caso o paraíso exista será por certo assim. Mas como não há bela sem senão, claro, é bom de ver, sucedem-se sempre episódios mais ou menos caricatos, nestas minhas andanças, afinal de contas estamos na África e palavras como “democracia”, “respeito pelos direitos humanos” e outras coisas assim, são estranhas bizarrias ocidentais. Em regimes autocráticos impera o “quero, posso e mando”, aliado à inevitável corrupção, em tudo decalcado dos modelos do leste europeu dos tempos felizmente idos do “sol na terra” e dos “amanhãs que cantam”. Nesta minha última viagem a STP, em Outubro passado, não deixei de os ter mais uma vez. Num desses dia em que por lá estive, resolvi ir ver o forte de São Sebastião, uma edificação do século XVI, pomposamente transformada em Museu Nacional, com as colecções às três pancadas ao desbarato, as armas que encimavam a porta principal picadas num assomo revolucionário independentista, à maneiras das dos Távoras, e saí de lá um tudo nada incomodado com tudo o que vira. De regresso ao hotel, a pé que a cidade é pequena, deparo com um “STOP” pintado em cima do passeio, seguido de uma seta que me indicava o asfalto como caminho a seguir. Um tudo-nada à frente, debaixo de uma guarita, um soldado em camuflado segurava uma Kalashnikov como quem agarra num cajado. Como sempre me ensinaram que o passeio é para os peões – mais uma bizarria, o mundo está cheio delas! – segui em frente sem atender ao facto que passava, nem mais nem menos, pela fachada do Ministério da Defesa lá da terra. O tarata, que não esperava tal falta de respeito, mas sem poder abandonar o lugar, para lá ficou aos guinchos “brancu, nô pôdi passar, não, só rua, só ordens” e eu, cá para comigo, ”puta que te pariu que não estou para aturar prepotências”. Dias depois foi em frente do Palácio Presidencial. Como tenho a mania da fotografia, seria da praxe tirar uma do palácio do “sinhor presidente”, antigo domínio dos governadores-gerais. No fim de contas, aquilo também faz parte da minha/nossa memória colectiva, no que teve de bom e de mau e que não é para aqui chamado. Plantados em frente, mais dois militares em camuflado, capacetes de guerra, à maneira do Solnado, agarrados às AK47, mais uma vez como se fossem cajados. Saquei da máquina, apontei, foquei, e de repente só vejo pelo visor um gajo a apontar-me a arma e o outro aos berros “nô pôdi, nô pôdi”. Perante a contingência do diferencial de forças em presença, abandonei o campo de batalha, soltando uns sonoros “cabrões de merda”, para espantar o receio, perdão, o cagaço que apanhara. Como é evidente, recolhi à guerra de guerrilha. Afastei-me um quarteirão, dobrei uma esquina, agachei-me atrás de um carro estacionado, saquei de novo da máquina, olhei em volta, o inimigo não estava à vista, e aí vai disto, em rajada, até encher a memória do cartão. A minha mulher exultou e condecorou-me logo ali com a Torre Espada do Valor Lealdade e Mérito, com palmas e uma enormíssima gargalhada. E lá fomos à vida.
Hoje, dia 26 de Março do Ano da Graça de 2006, o meu amigo Marafuga convidou-me para um almoço de jaquinzinhos com migas, a que não pude dizer não. E lá fui aí, a Alcochete, para o almocinho (delicioso, a pedir bis!). De seguida, para esmoer – tinha de ser, noblesse oblige – lá fomos ver o celebérrimo Fórum Cultural, o tal ex-libris alcochetano no entender camarário. Felizmente levava um jipe, o que me permitiu uma abordagem ao dito sem grandes sobressaltos, pois qualquer ligeiro arrisca-se a partir a suspensão, dar cabo de uma jante ou coisa que o valha, dadas as péssimas condições de acesso. Lá vi a arquitectura, um pouco pretensiosa em vidros e vigas, com um movimento a escapar para o fogo-de-vista saloio em função da volumetria existente, mas tudo bem, aquilo não é, nem pretende ser, o Guggenheim de Bilbao. Deleitei-me com o bucolismo dos arranjos exteriores, com o cuidado posto nas charcas, nos pastos, a convidarem qualquer vacada de carne. Entrei. Solícita, uma empregada loira – inevitável, meus amigos – lá me ajudou a não ficar entalado na porta, que não tenho feitio para Martim Moniz nem o Fórum é o castelo, mas a que me arriscava, dada a força do vento e a fraqueza da porta. O interior, pouco sóbrio para meu gosto, com repetição de elementos de um vocabulário esgotado, não me encantou. É simplesmente banal. Mas tudo bem, volto ao mesmo, não é o Guggenheim nem pretende ser. Acompanhava-me, claro, a minha máquina, é o tal vício da fotografia. Lá saquei dela, fiz um boneco à entrada, mais outro do auditório que me pareceu confortável, e aí iniciam-se os problemas, “que talvez fosse melhor não tirar fotografias”, sobretudo por parte de um zeloso badameco, armado em comissário Jdanov, que atendia à luminotécnica. Não fazendo caso, repetindo eu “que lindo, que lindo”, lá fui tirando mais umas fotos, perante a complacência - para não dizer cumplicidade - da loira funcionária (tinha as unhas muito bem arranjadas, e um verniz bonito, um branco creme leitoso, de bom gosto, o que é raro em pessoal menor), enquanto o luminotécnico se entretinha em dar à luz. Mais umas tantas fotos à tal exposição “dos toiros”, coisa fraquita a que só a cor dos paneis já gasta ainda dá vida, entremeada por umas tantas peças arqueológicas de menor valia, num espaço exíguo para tanto apaineledo: mais olhos que barriga! Satisfeito, perguntei pelo restaurante. Fechado, claro está, só um louco se meteria a explorar tal buraco com comes e bebes, só se fosse para a funcionária loira, pois visitantes não há, nem um para amostra como figurante, como adorno, fazendo parte da mobília, sei cá. Nada, zero. Só que, o meu amigo Marafuga, em conversa com a loira – ai, as loiras! - dá-se a conhecer, sou fulano tal e coisa. Ao som de “Marafuga”, solta-se dos curros do auditório o zelosíssimo luminotécnico, que entretanto provavelmente já dera à luz, como se ouvira o som da ordem soprada ao cornetim pelo “inteligente”. Ainda tentei uns naturais, “isto é espaço público, pago com o dinheiro dos contribuintes”, umas chicuelinas, “mas são instalações militares?”, mas o homem (?) não se demovia do seu zelo, “eram ordens” ao melhor nível do argumentário salazarento, estava na crença, meteu-se em tábuas, e avançou sesgado com ameaças de polícia. Como não estava para chatices, nem para verónicas ou passes por alto, virei costas e saí.
Restam, de todo este lamentável episódio, por fim, umas questões políticas, que muito gostaria de ver respondidas: há “ordens” para não se tirarem fotografias do interior do Fórum? Em caso afirmativo, dadas por quem? Ao abrigo de que legislação, com que suporte legal? É que, excelentíssima vereação, não estamos em África, sujeitos à discricionariedade e prepotência de mandaretes, de funcionários, de vereadores, de presidentes de câmara. A legitimidade democrática não consente nem admite abusos de poder, e caso façam essa leitura desde já digo a vosselências não se encontrarem na defunta DDR ou no Burkina-Faso. Enganaram-se de país. O Fórum Cultural foi construído com dinheiro público, dinheiro dos contribuintes, dinheiro do povo - caso ainda saibam quem é e o que é - e não tolero nem admito que me impeçam de fotografar aquilo que é de todos e que também é meu.

8 comentários:

Fonseca Bastos disse...

Caro António:
Há tempos que não me ria tanto, porque conheço bem duas autocracias africanas e de ginjeira a local.

Unknown disse...

Corroboro os factos.

Anónimo disse...

Caro António (começo a sentir poder tratá-lo assim),

Fez-me rir um bocado, embora com certa tristeza.

Parece que entende de touros...e já sabe da próxima vez não mencione a palavra "Marafuga".

Boa noite ,

marialisboa

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Muito obrigado pels vossas palavras, sempre servem de consolo. Mas...cuidado, os bokassas andam á solta. Vamos pegá-los de caras!

Anónimo disse...

Srº António, estava eu às voltas na net,à procura de "noticias" da minha Terra - Alcochete, linda à beira Tejo plantada, acho que neste ponto estamos realmente os dois de acordo certo?? E qual não é o meu espanto, aquando uma busca no famoso Google, surge este blog com algum interesse, deparo-me com algumas críticas construtivas outras nem por isso.Quanto ao texto do Palácio do SrºPresidente até me ri com o título, quando porém surge uma crítica, aos funcionários do tal dito Forúm,o que me intristeceu bastante, ora vi o calendário e parei no dia 26/03/2006 Domingo!!! depois de uma refastelada refeição o SrºAntónio vai até lá como diz desmoer o "almocito", e parece que foi mesmo CHATEAR quem trabalha, pelo que li, pareceu-me que essas pessoas só estavam a fazer o trabalho que lhes competia, CERTO?
Já pensou em ir tirar fotos ao Oceanário?? por exemplo aos lindos peixes nos aquários??? ao Freeport, ou aquelas que ficam lindas de dentro de um avião a 1000 mil pés??? (para dizer oas amigos, Lisboa é linda vista de cima não é?), Acho que também lhe apareciam umas quantas LOIRAS e uns quantos LUMINOTÉCNICOS destas àreas não era?? a disser-" Boa tarde o srº não pode tirar fotos aqui dentro!!", por favor guarde a máquina... e o SrºAntónio um homem cumpridor e bem educado lá guardava a máquina e mesmo assim lá conseguia ficar com uma ou outra de "Recuerdo",
Mas o Tuga é mesmo assim insiste e faz ouvidos "moucos" e volta a tirar e a chatear pessoas que num tal domingo, até não foram passear e fazer a digestão de uns jaquinzinhos!!!! Agora até me abriu o apetite, para fazer uma visita ao Forúm de Alcochete para conhecer a tal loira e o tal Luminotécnico, e disser-lhes - "Meus senhores têm muita paciência para aturar uns cromos que de quando em vez aparecem por aqui, para desmoer umas migas e uns jaquinzinhos!!" Lamentável realmente foi o tempo que perdeu a escrever tal coisa.Mas depois de lêr e voltar a lêr, eis que surge uma dúvida, a critica é dirigida ao Forúm ou aos funcionários do Forúm? e mais, com a última frase é que o Srº me pôs a pensar!!!! ora se o Forúm também é seu, será que tenho uma cadeira que me pertence na Assembleia da República e não sei???!!!!
O Srº António reincidente na arte de fotografar às escondidas como segundo diz nas suas "crónicas", qual paparazzi sem crédito no mercado, talvez fosse melhor dedicar-se ao "Stand Up", podia ter mais futuro no mercado, porque até consegue dizer umas piadas!!!!

Anónimo disse...

António, concordo plenamente com a SrªSusana.Não sou de Alcochete, sou do Montijo, mas também gosto muito dessa Vila e das suas gentes!
Parecem me pessoas amáveis, modestas e bairristas defendem com unhas e garras as suas raizes, mas permita-me dizer, o António não deve ser Alcochetano pelo menos de gema, mais parece uma besta brava enraivecido que não ficou em tábuas, mas que saiu dos curros desencabrestado, ou será que é Toureiro?
Afinal Toureiro é uma nobre arte em Alcochete, terra de toiros e touradas de fados e guitarradas e como diz o fado "É a melhor festas que há em Alcochete".

Anónimo disse...

Há já alguns dias disseram-me para visitar este Blog que tinha coisas engraçadas, mas como aqui já escreveram isto mais parece criticas de mais um partido qualquer quem sabe de côr purpura, que desgraça o senhor que dá pelo nome de António que escreve assim.Só criticas dizer mal é fácil, mas apresentar soluções meus senhores realmente é muito complicado naõ é? Detesto partidos e politica, e cada vez acredito mais na Monarquia.
Infelizmente mais um Bolg com côr.
António como já por aqui li o melhor é dedicar-se à comédia.