Imediatamente ao 25 de Abril, com os meus ingénuos 24 anos, eu deixava de comer para comprar - um ou dois volumes por mês - a obra Lénine, Oeuvres, Editions Sociales, Paris, 1970.
Já não sei ao certo quantos volumes compunham a obra, mas eram várias dezenas porque, entre os dezoito grossos exemplares que reuni sem seguir a ordem numérica, tenho o quadragésimo quinto.
Desde o princípio daquele segundo lustro dos anos 70 até há bem pouco tempo sempre dançou na minha memória uma frase de Lenine cuja tradução do Francês é esta: «xinga-os daquilo que tu és».
Na altura, eu encarava Lenine como um impoluto intelectual, razão por que a frase do grande líder da revolução bolchevique me escapava, certamente por minha culpa. Longe estava eu de ver que a primeira vitória de Lenine sobre mim estava ganha.
Lembro-me que, enquanto tentava decifrar Lenine com o dicionário ao lado, os novos senhores da terra, acoitados nos partidos de esquerda, traçavam a régua e esquadro o destino deles e o dos outros. Com pouquíssimas excepções, esses senhores são os mesmos de hoje.
Eu era um rapaz cheio de esperança e de ideais, ingénuo e alienado, mas essa ingenuidade e alienação eram a minha ingenuidade e a minha alienação.
Eu tinha cursado o seminário, estudado os fundamentos teológicos do Cristianismo, traduzido Aristófanes do Grego e Cícero do Latim.
Mesmo aos tombos, eles viam que eu tinha discurso próprio e que esse discurso, embora de forma não racionalizada, tergiversava do deles. Então chamavam-me tudo o que é excrescência humana.
Só depois dos meus recentes estudos sobre Gnosticismo é que eu compreendi o sentido cabal da referida frase de Lenine, revolucionário tão ruim como o genocida Staline, cujo caminho preparou.
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