03 janeiro 2006

Questão política ou factos que a justiça deve julgar? (1)


Propositadamente, esperei duas semanas antes de abordar a questão das alegadas dívidas deixadas no Município de Alcochete pela anterior equipa de gestão: 2.381.972 euros em responsabilidades financeiras de curto prazo (aproximadamente 481.000 contos na antiga moeda nacional).
Antes de mais, lamento a forma como factos críticos e sensíveis são apresentados. Embora o município possua um sítio na Internet, instrumento de comunicação fácil e rápida com os munícipes – infelizmente para uma minoria, mas a esse problema ele é alheio – o documento apenas foi divulgado nos meios de comunicação regionais.
Porquê? Para mais tarde atribuir aos jornalistas a responsabilidade de certas imprecisões (que as há, de facto e em substância), o que nem seria caso virgem, como bem sabemos, apesar dos protagonistas serem outros?
Os jornais que consultei deixaram claríssimo terem recebido um documento do município. Como os jornalistas não são correia de transmissão de ninguém, tal papel deveria ser reproduzido no sítio do município na Internet. O que não sucedeu, pelo menos até à data. Além disso, os serviços financeiros deverão ter elaborado um balancete esclarecedor acerca da real situação financeira da autarquia, que é imprescindível conhecer para termos uma noção mais exacta dos factos.
Urge definir, divulgar e cumprir a política municipal de comunicação e informação. Numa democracia participativa, exige-se transparência e sinceridade nas relações entre o poder e os cidadãos.
Repito o que escrevi num texto inserido mais abaixo: o apoio popular é a base do poder e o capital mais importante do governante, mas só se conquista se se mantém a comunicação e o contacto permanente com os cidadãos.
A credibilidade dos eleitos, a dignidade das instituições e a participação dos cidadãos nos assuntos locais não se preservam nem potenciam com desatenções ou irreflexões deste jaez.
Depois dos maus exemplos no mandato anterior (opacidade, autismo e arrogância), do que se inscreveu no programa eleitoral da coligação vencedora e do desfecho eleitoral, sinceridade e transparência deveriam ser duas ideias-força do novo executivo. Infelizmente, há já suficientes sinais de que nada mudou na informação pública municipal. Continuamos a ler nos jornais e a não ver devidamente esclarecidos, pelo menos no sítio do município na Internet, factos que os membros do executivo e da oposição têm o elementar dever de clarificar para quem os elegeu. Espero que estas coisas mudem até ao 100.º dia do exercício de funções.
Adiante. Se bem se recordam, em substância os factos relacionados com as dívidas herdadas são os seguintes (dados coligidos nos órgãos regionais «Jornal de Alcochete» e «Sem Mais»):
1. Município de Alcochete tem uma dívida acumulada de curto prazo de 2.381.972 euros, alegadamente por falta de adequado planeamento da execução de quatro grandes obras municipais no último ano (fórum cultural, variante, biblioteca e pavilhão desportivo da Escola El-Rei D. Manuel I);
2. Das obras de construção do fórum cultural estão por pagar 250.000 euros, verba cuja regularização o Tribunal de Contas não visou nem autorizou. O desfecho do caso é ainda imprevisível, segundo o actual presidente da câmara, podendo o empreiteiro da obra ser forçado a recorrer a tribunal para receber aquilo a que parece ter direito. Em caso de litígio judicial com sentença favorável ao empreiteiro, a dívida venceria ainda juros de mora diários. Também os acessos "não foram contemplados ou negociados com o proprietário do terreno, gerando a situação ímpar de um equipamento pronto mas inacessível", ainda segundo o actual presidente da câmara;
3. Das obras de construção da (inacabada e visivelmente parada) variante urbana de Alcochete estão por liquidar cerca de 174.000 euros;
4. O embargo das obras de construção da nova biblioteca pública, resultante de litígio judicial com a Santa Casa da Misericórdia de Alcochete, custou, até ao momento, 140.000 euros ao município, por ser necessário indemnizar o empreiteiro pela paralisação. As obras já recomeçaram;
5. Há cerca de 110.000 euros de subsídios prometidos mas não liquidados a colectividades. Estão definidos planos de pagamento dessas dívidas;
6. A situação financeira do município é considerada dramática pelos actuais membros do executivo, uma vez que as receitas regulares ascendem a 685.160 euros, dos quais cerca de 237.000 euros são transferências do orçamento geral do Estado;
7. Não há preocupações com compromissos de pagamento de médio e longo prazo, por serem empréstimos amortizáveis ao longo de vários anos;
8. O anterior executivo elaborou orçamentos desadequados face à capacidade financeira da autarquia. Em 2001 o município tinha dívidas de curto prazo de 300.000 euros. Quatro anos volvidos o valor é quase oito vezes superior (2.381.972,04 euros). Contudo, para 2006 transitam ainda outros encargos e compromissos, pelo que o valor total da dívida é muito superior;
9. O orçamento municipal de 2005 previa receitas e despesas de, aproximadamente, 20.000.000 euros. Contudo, as receitas arrecadadas ficaram pouco abaixo de 12.000.000 de euros mas as despesas ascenderam a 15.000.000. Algumas despesas correntes do município são consideradas insuportáveis pelo actual executivo, não tendo a devida contrapartida do lado das receitas;
10. O orçamento de 2006 (da responsabilidade do actual executivo) foi reduzido para cerca de 16.200.000 euros, a fim de evitar uma espiral de endividamento se as receitas ficarem abaixo do previsto;
11. Segundo o novo presidente da câmara, o município carece, urgentemente, "de uma receita extraordinária", podendo o novo executivo vir a adoptar medidas que considera "não serem dignificantes para a autarquia, mas que podem vir a mostrar-se necessárias";
12. Há dois meses de vencimentos suplementares dos trabalhadores da autarquia (subsídio de férias e 13.º mês) não contemplados no orçamento para 2006, "a aguardar por receitas e consequente revisão orçamental, o que deverá ter lugar em Abril próximo, para evitar ainda maior sobrecarga", esclareceu o vice-presidente e responsável pela área financeira da câmara, António Luís Rodrigues.

(continua)

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