17 janeiro 2006

A auditoria ao município de Alcochete (2)

É indiscutível que, no passado dia 9 de Outubro, os cidadãos julgaram politicamente a acção do anterior executivo municipal, remetendo-o a uma posição minoritária no actual mandato.
Contudo, após a tomada de posse do novo executivo vieram a público factos que carecem de esclarecimento pelos eleitos no mandato anterior. Sejam denúncias caluniosas, difamações ou factos comprováveis em sede própria, em qualquer dos casos há punição prevista.
Em substância, até agora são do domínio público os seguintes factos:
1. O que consta da introdução ao programa eleitoral da CDU de Alcochete, já citado em texto anterior;
2. Os enunciados neste texto, elaborado com base em declarações atribuídas pela comunicação social a membros do actual executivo.
Correm rumores sobre outros aspectos mas, por agora, não passam disso.
São aplicáveis aos factos conhecidos disposições do Código Penal e da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, que tipifica crimes de responsabilidade que titulares de cargos públicos cometam no exercício das suas funções, bem como as sanções que lhes são aplicáveis e os respectivos efeitos.
Segundo a definição legal, um membro de órgão representativo de autarquia local desempenha um cargo político, independentemente de ter ou não funções executivas.
O artigo 2.º da citada Lei n.º 34/87 considera "praticados por titulares de cargos políticos no exercício das suas funções, além dos como tais previstos na presente lei, os previstos na lei penal geral com referência expressa a esse exercício ou os que mostrem terem sido praticados com flagrante desvio ou abuso da função ou com grave violação dos inerentes deveres".
O art.º 5.º (Agravação especial) menciona que "a pena aplicável aos crimes previstos na lei penal geral, que tenham sido cometidos por titular de cargo político no exercício das suas funções e qualificados como crimes de responsabilidade nos termos da presente lei, será agravada de um quarto dos seus limites mínimo e máximo".
O art.º 11.º (Prevaricação) estatui que "o titular de cargo que conscientemente conduzir ou decidir contra direito um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de por essa forma prejudicar ou beneficiar alguém, será punido com prisão de dois a oito anos".
Para o caso vertente é especialmente relevante o art.º 14.º (Violação de normas de execução orçamental), cuja redacção transcrevo na íntegra:
"O titular de cargo político a quem, por dever do seu cargo, incumba dar cumprimento a normas de execução orçamental e conscientemente as viole:
"a) Contraindo encargos não permitidos por lei;
"b) Autorizando pagamentos sem o visto do Tribunal de Contas legalmente exigido;
"c) Autorizando ou promovendo operações de tesouraria ou alterações orçamentais proibidas por lei.
"Será punido com prisão até um ano".

Tenha-se também em conta o art.º 15.º (Suspensão ou restrição ilícitas de direitos, liberdades e garantias): "O titular de cargo político que, com flagrante desvio das suas funções ou com grave violação dos inerentes deveres, suspender o exercício de direitos, liberdades e garantias não susceptíveis de suspensão, ou sem recurso legítimo aos estados de sítio ou de emergência ou impedir ou restringir aquele exercício, com violação grave das regras de execução do estado declarado, será condenado a prisão de dois a oito anos, se ao facto não corresponder pena mais grave por força de outra disposição legal".
Salto para o art.º 26.º (Abuso de poderes), que estatui o seguinte:
"1 - O titular de cargo político que abusar dos poderes ou violar os deveres inerentes às suas funções, com a intenção de obter, para si ou para terceiro, um benefício ilegítimo ou de causar um prejuízo a outrem, será punido com prisão de seis meses a três anos ou multa de 50 a 100 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
"2 - Incorre nas penas previstas no número anterior o titular de cargo político que efectuar fraudulentamente concessões ou celebrar contratos em benefício de terceiro ou em prejuízo do Estado".

O art.º 29.º (Efeitos das penas aplicadas a titulares de cargos políticos de natureza electiva), abrangendo qualquer membro de órgão representativo de autarquia local, determina: "Implica a perda do respectivo mandato a condenação definitiva por crime de responsabilidade cometido no exercício das suas funções dos seguintes titulares de cargo político".
O art.º 41.º (Direito de Acção) determina que, "nos crimes a que se refere a presente lei, têm legitimidade para promover o processo penal o Ministério Público, sem prejuízo do especialmente disposto nas disposições do presente capítulo e, em subordinação a ele:
"a) O cidadão ou a entidade directamente ofendidos pelo acto considerado delituoso;
"b) Qualquer membro de assembleia deliberativa, relativamente aos crimes imputados a titulares de cargos políticos que, individualmente ou através do respectivo órgão, respondam perante aquela;
"c) As entidades a quem incumba a tutela sobre órgãos políticos, relativamente aos crimes imputados a titulares do órgão tutelado;
"d) A entidade a quem compete a exoneração de titular de cargo político, relativamente aos crimes imputados a este".

Não menos importante para o caso é o art.º 44.º, que pune a denúncia caluniosa:
"1- Da decisão que absolver o acusado por crime de responsabilidade cometido por titular de cargo político no exercício das suas funções ou que o condene com base em factos diversos dos constantes da denúncia será dado conhecimento imediato ao Ministério Público, para o efeito de procedimento, se julgar ser esse o caso, pelo crime previsto e punido pelo artigo 408.º do Código Penal.
"2 - As penas cominadas por aquela disposição legal serão agravadas, nos termos gerais, em razão do acréscimo da gravidade que empresta à natureza caluniosa de denúncia a qualidade do ofendido".

Em face dos casos do domínio público e da legislação transcrita, há ou não matéria suceptível de sanção judicial?
Provavelmente sim, mas só aos tribunais cabe apreciar os factos e lavrar a respectiva sentença. Se comprovado, um dos factos conhecidos tem punição prevista: um ano de prisão. Se outros aspectos puderem ser provados as penas variam (de multa a prisão de 2 a 8 anos), tendo ainda a autarquia a possibilidade de ser indemnizada por danos patrimoniais.
Se nada se provar, resta aos visados agir em defesa da honra.

Porque em matéria desta delicadeza nem a calúnia nem o abuso de poder são aceitáveis, por estarem em causa a honra e a dignidade de pessoas e o prestígio e o património da instituição municipal, com ou sem auditoria importa que este processo prossiga nos órgãos competentes.
Quem pode dar início ao processo? O Estado, o Ministério Público, a câmara municipal, a assembleia municipal ou qualquer partido político com ou sem representação nos órgãos locais. Inclusive um grupo de cidadãos, através de petição popular.
Faça-se justiça para que a culpa não morra solteira e jamais se repitam coisas destas.

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