09 janeiro 2006

À mentira brutal oponhamos a verdade frágil

Atendendo à situação vivida pela nossa sociedade, eu penso que só com o discurso da verdade é possível contribuir para a mudança de qualquer coisa, ainda que eu tenha a perfeita consciência de que corro riscos.
Eu sou licenciado em Línguas e Literaturas Modernas na variante de Estudos Portugueses e professor de Língua e Literatura Portuguesas há mais de vinte anos, mas nunca percebi poetas como Ramos Rosa, Gastão Cruz, Herberto Helder... Deste último arrisco a transcrição de um poema: «Bate na madeira vermelha/bate uma pedra com o buraco aberto à exaltação/da lua, bate onde/espumejam as ribeiras que atravessam/as embocaduras/siderais. E a madeira/levanta-se, chameja a pedra astrológica, cerra-se/a água nos cântaros de lava./A altas atmosferas bate nas estâncias negras./E eu durmo com o sangue luzindo na boca/O ritmo lunar muda-me os sonhos./O rosto queima-se»
Vivi sempre com a ideia de que a inteligibilidade de versos em publicações como Árvore, Cadernos do Meio-Dia, Poesia 61, etc., me fugia por minha incapacidade, até que, em 1997, começa a minha reflexão sobre a categoria tempo que mudará o meu olhar sobre toda a Literatura à escala nacional e mundial.
Sem me ocupar aqui de nostalgias doentias, quem faz poesia vira-se para o futuro na continuidade do fio da memória ou em ruptura com ele.
Se um texto mantém diálogo com as grandes obras que o precedem, fala comigo; se, em vez desse diálogo, ironiza, parodia e subverte por sistema as referências culturais, cai na assemanticidade e torna-se ininteligível para mim. Mas quem faz estes textos?
Esses textos são feitos por pessoas que, mais ou menos declaradamente, defendem uma filosofia materialista da História, istó é, o marxismo. Este não pode recorrer aos valores do passado porque são obstáculo à tarefa de destruição do mundo para emergir outro dos escombros.
O pensamento materializa-se na linguagem. Esta é um valor que afirma os valores. Se, no poema, por exemplo, amor quer dizer ódio, altero o sentido das palavras, com estas os valores e atrás destes a minha forma de pensar o homem e o mundo. Eis como se destrói o verbo (logos) para destruir uma herança civilizacional de dois mil anos.

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