A procissão e a tourada, lídimas manifestações de religiosidade e cultura populares, são abjectamente denegridas em Saramago, José, Memorial do Convento, Círculo de Leitores, Lisboa, 1984. Leia-se, por exemplo, esta passagem sobre a tourada, p. 82-85: «Estão as bancadas e os terrados formigando de povo, reservadamente acomodadas as pessoas principais, e as majestades e altezas miram das janelas do paço, por enquanto ainda andam os aguadores a aguar a praça, oitenta homens vestidos à mourisca, com as armas do Senado de Lisboa bordadas nas opas que trazem vestidas, impacienta-se o povinho que quer ver sair os touros, já se foram embora as danças, e agora retiraram-se os aguadores, ficou o terreiro um brinco, cheirando a terra molhada, parece que o mundo se acabou agora mesmo de criar, esperem-lhe pela pancada, não tardam aí o sangue e a urina, e as bostas dos touros, e os benicos dos cavalos, e se algum homem se borrar de medo oxalá o amparem as bragas, para não fazer má figura diante do povo de Lisboa e de D. João V» sic.
Muitos leitores, levados pela falsa máxima de que gostos não se discutem, encolhem os ombros e concluem apenas que Saramago não gosta de touradas.
Ora o problema é de longe muito mais profundo.
As esquerdas em geral e o comunismo em particular, sem que o pareça, desprezam a cultura de raiz popular, uma vez que esta, por força dos valores intrínsecos que a estruturam, é obstáculo à progressão do marxismo, retardando assim o advento da justiça e paz perpétuas.
Esta ideia está tão arreigada nos totalitarismos (nazismo e comunismo) que matar milhões e milhões de pessoas em nome da utopia almejada é apenas um incómodo de percurso.
Sem comentários:
Enviar um comentário