13 agosto 2008
A Fundação João Gonçalves Júnior (2)
Concordo com a sugestão do sr. João Marafuga, expressa no texto anterior, e, em memória de quem a instituiu no final de 1951, penso que a Fundação João Gonçalves Júnior deve sair da alçada autárquica.
Desconheço se a hierarquia diocesana da Igreja Católica está ou não interessada no assunto – seria bom que alguém a alertasse – e reconheço ser necessário muito trabalho e alguma coragem para que a fundação retorne à sua função original.
Porque, ontem como hoje, a sua missão original é necessária em prol dos mais necessitados. Além disso, não creio ser vocação de nenhum município ou autarca controlar e gerir uma fundação com características vincadamente sociais.
A Fundação João Gonçalves Júnior tem pouco menos de 57 anos de existência e continuam, felizmente, entre nós inúmeras pessoas que, directa ou indirectamente, a ela estiveram ligadas desde início e bem conhecem os objectivos da sua instituidora. Por continuarem desconhecidos da maioria inúmeros factos, repito-os seguidamente. São pormenores não inéditos porque foram, pela primeira vez, publicados, em 2004, no portal «Tágides».
Em 5 de Dezembro de 1951, D. Mariana Gonçalves Dias de Sousa Rodrigues – cujo nome de solteira era Mariana Augusta da Cruz Gonçalves e que nunca teve filhos – em seu leito de doente terminal, em circunstâncias dramáticas e na presença de duas testemunhas, resolve ditar testamento e disposição de sua última vontade perante o notário dr. Fernando Tavares de Carvalho, que tinha a seu cargo o 9.° Cartório Notarial de Lisboa.
Conforme cópia do testamento em meu poder e que reproduzo na imagem acima, D. Mariana Gonçalves Dias de Sousa Rodrigues dispõe dos seus bens dividindo a herança pessoal em três partes iguais:
– A primeira deixa em propriedade plena a sua irmã, Emília da Cruz Gonçalves;
– A segunda parte, também em propriedade plena, transfere-a para outra irmã, Maria José Gonçalves Facco Viana;
– A terceira parte, também sem qualquer reserva, deveria ser aplicada numa fundação, cujos fins expressos são: "a distribuição de uma sopa aos pobres da freguesia de São João Baptista, de Alcochete, Fundação que tomará o nome de meu pai João Gonçalves Júnior e será administrada pelo Padre Crispim António dos Santos [à época pároco da freguesia], pelo dr. José Grilo Evangelista, médico em Alcochete, e pelo dr. José Maria Gonçalves Guerra, médico no Montijo".
Deixa bem expresso no testamento que a sede da fundação "será em Alcochete e que dado o caso de falecimento de qualquer dos nomeados administradores será ele substituído pelo que os sobreviventes nomearem".
Determinaria ainda que, "se por qualquer motivo, a fundação se extinguir, os bens que a tiverem representado serão deferidos a favor de todos os meus sobrinhos, filhos de todas as minhas irmãs, falecidas ou não falecidas, entre as quais deverá ser incluída, nas mesmas condições, a minha prima Ilda Gonçalves de Oliveira".
Em 7 de Janeiro de 1952 – menos de um mês decorrido após a elaboração do testamento – verifica-se o óbito da doadora, aos 63 anos de idade.
É instaurado o processo de Inventário Orfanológico obrigatório, que viria a ser profusamente recheado de incidentes processuais e de recursos para os tribunais superiores.
A fundação é legalmente criada em 1953 e litiga com isenção de custas, pelo que os recursos são subscritos em seu nome.
O litígio arrastar-se-á por onze longos anos, sem que os administradores nomeados em testamento conseguissem pôr a funcionar a fundação e a sua sopa dos pobres.
Em 30 de Maio de 1962, o ministro da Saúde e Assistência emite um despacho nomeando uma Comissão Administrativa para a fundação. A posse será conferida no dia seguinte, em Setúbal, pelo Governador Civil do distrito, dr. Miguel Rodrigues Bastos. A comissão é constituída por dr. Francisco Elmano Cruz Alves, advogado; dr. José Grilo Evangelista, médico em Alcochete; e António Antunes, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcochete, tendo como objectivos prioritários terminar o processo judicial, entrar na posse dos bens da herança e pôr a instituição em funcionamento efectivo.
Em 15 de Agosto de 1962 é aprovado o primeiro orçamento da Fundação João Gonçalves Júnior e, em 15 de Janeiro seguinte, arrendado o prédio então pertencente a Aires Salvado de Carvalho, sito na Rua Dr. Ciprião de Figueiredo (ex -D. Manuel I), n.°s 24 a 28 – hoje edifício de propriedade municipal e abandonado – no qual se instalam provisoriamente a sopa dos pobres e a secretaria da instituição.
Começava, finalmente, a cumprir-se a última vontade da benemérita doadora.
Em Abril 1963 iniciam-se as obras de adaptação do edifício arrendado e procede-se ao seu apetrechamento.
Em 15 de Novembro do mesmo ano saldam-se as contas com o dr. Carlos Zeferino Pinto Coelho, advogado que representou a fundação em juízo durante doze anos.
Em Dezembro de 1963 obtém-se a colaboração da Congregação das Irmãs Franciscanas de Calais, que virão dirigir a sopa dos pobres e o futuro patronato das crianças, celebrando-se na Igreja Matriz solenes exéquias em memória da fundadora.
Então a Comissão Administrativa resolve, dentro de uma interpretação extensiva dos fins testamentários definidos para a fundação, que a assistência a prestar aos pobres não seria restrita ao plano alimentar – onde, aliás, as carências em Alcochete vinham diminuindo com o surto de industrialização. As carências educacionais eram tanto ou mais importantes como o pão para a boca e a criação de um jardim infantil preencheria essa lacuna, visto que muitas mães trabalhadoras não tinham a quem confiar os filhos durante o dia.
Em 7 de Janeiro de 1964, com a presença do Governador Civil do distrito, e do dr. Manuel Medeiros, em representação do Director-Geral da Assistência, é inaugurada a sede provisória da sopa dos pobres.
Dezasseis dias depois é proposta a alteração dos estatutos, para contemplar o jardim infantil e aumentar de três para cinco o número de administradores da fundação.
A 20 de Março de 1964 delibera-se adquirir à família Barreto, herdeira de D. Mariana Rosa Adivinha da Costa, o prédio sito no Largo de São João, n.ºs 23 a 27, por 330 contos, a fim de aí erguer a futura sede (o edifício hoje existente).
Em 15 de Abril seguinte chega a Alcochete a comunidade religiosa, composta por quatro irmãs e a superiora, que se dedicarão inteiramente à sua missão.
Em Outubro desse ano terminaria o primeiro arrendamento das marinhas de sal, celebrado em 1962 – as marinhas do Brito, junto à Praia dos Moinhos, foram integradadas no terço do testamento atribuído à fundação – e, em Março do ano seguinte, realizar-se-ia a primeira ida à praça do arrendamento, não aparecendo candidatos. A segunda praça ficará igualmente deserta.
Perante este cenário, em 24 de Abril de 1965 resolve-se, corajosamente, empreender a exploração directa das salinas, contratando um encarregado para dirigir a exploração. Ainda hoje essas marinhas estão a cargo da fundação, embora com significativo apoio financeiro do município, visto serem deficitárias.
Voltando um pouco atrás, a 7 de Janeiro de 1965, data do 13.º aniversário do óbito da fundadora, é inaugurado na sede o busto em bronze do seu patrono, João Gonçalves Júnior, da autoria do escultor Luís Castelo Branco (o mesmo da estátua do Padre Cruz), hoje visível na entrada principal do jardim infantil, na Rua Carlos Manuel Rodrigues Francisco.
Ao tempo o jardim infantil funcionava com 50 crianças e a escritura de aquisição do prédio original à família Barreto é outorgada em 17 de Novembro de 1965, sendo doado pelos vendedores um donativo de 20 contos.
A forma amiga como decorreram todas as as negociações levaria a fundação a atribuir a duas salas de aula os nomes de D. Mariana Rosa Adivinha da Costa e D. Maria José da Graça Barreto de Bragança, Duquesa de Lafões.
Em 2 de Janeiro de 1966 é entregue ao arquitecto Lopes Galvão a elaboração do projecto do actual edifício sede da fundação, prevendo as mesmas três frentes que continuam a existir.
Em 9 de Outubro de 1966 o dr. Elmano Alves propõe a sua substituição na presidência da fundação pelo Padre José Gonçalves dos Santos, pároco de Alcochete, que se concretizaria apenas em Julho de 1968.
Em 15 de Janeiro de 1969, o então Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira, dá a benção à primeira pedra da sede, as obras iniciam-se de imediato e em força.
Entretanto surge a oportunidade de instalar, no rés-do-chão do Largo de São João, a agência do Banco Pinto de Magalhães, a primeira dependência bancária que houve Alcochete, hoje pertencente ao Millenium.
Em Setembro de 1972 conclui-se a negociação do arrendamento com o Banco Pinto de Magalhães, mediante a renda mensal de 6.000$00 (importância que na época correspondia ao valor dos salários do pessoal da fundação), além da entrega de mais 300.000$00 e de um donativo de 100.000$00 para o jardim infantil.
Em Junho de 1975 o dr. Elmano Alves renuncia definitivamente à administração da fundação, de imediato aceite pelos seus pares, e o então comandante Fuzeta da Ponte – hoje almirante na reserva – que, ao tempo, assumia funções de Governador Civil designado pela Junta de Salvação Nacional, pressionava o saneamento da administração da Fundação João Gonçalves Júnior.
O resto da história é conhecida de alguns e conviria que a revelassem hoje em pormenor.
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10 comentários:
Sr. Bastos, excelente trabalho.
Devo-o ao dr. Francisco Elmano da Cruz Alves, cujo arquivo pessoal é riquíssimo e a quem deveria pedir-se que o doasse a Alcochete.
Mas, infelizmente, tem sido tida em muito pouca conta a sua boa vontade.
Recordo que, em 2005, foram doados ao Município de Alcochete vários textos inéditos de José Estevam. Na altura foi prometida a sua publicação imediata. Até hoje ninguém cumpriu a promessa.
POVO DE ALCOCHETE...vamos lutar para dar "O SEU A SEU DONO" e esclaracer porque é que a Autarquia de então tomou o poder da noso FUNDAÇÂO.
Assim, sim... Dr. Marafuga!
Ena, pá, agora já sou doutor!
Ena pá!
Hoje fiquei com a certeza que este é um blog fascista salazarento que de forma desabrida faz a apologia de figuras negras da história mais recente de Alcochete. Homens que defenderam Salazar, homens que perseguiram e mandaram prender quem com eles não concordava, homens que exploraram os alcochetanos.
Senhor Bastos como alcochetano sinto-me indignado e ofendido com os seus textos, o seu lugar é em Santa Combadão e quando lá chegar mande saudades que é coisa que cá não deixa.
Os seus textos não são criticas, são provocações que de forma abilidosa procuram detorpar a verdade.
Alcochete precisa de gente que trabalhe, que opine e que critique, mas sempre de forma construtiva e que aponte alternativas.
Bem haja!
Frederico Santos
Comentários supostamente anónimos e subscritos – em diversos textos recentes inseridos neste blogue – por uns tais Pedro Simões, Paula Cardoso, Luís Tavares e Frederico Santos têm a mesma origem. Presumo tratar-se de algum cacique bafiento a tentar condicionar o pensamento.
Habituem-se porque haverá mais e pior.
Será que tudo isto foi porque o sr. Bastos falou no Dr. Elmano Alves?
Mas Alcochete deve muito ao Dr. Elmano Alves. Ou será que querem apagar a memória?
Isso de se apagar a memória é próprio do comunismo.
Comigo não levarão a melhor.
Neste caso o que se pretende é desviar as atenções da fundação.
Sr. Bastos, estou de acordo consigo.
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