Recomendo a leitura dos dois últimos parágrafos desta notícia publicada hoje no DN.
Muito frequentemente, a maioria dos eleitos para a assembleia municipal e para a câmara municipal pertence ao mesmo partido e existe a errada ideia de que o primeiro desses órgãos tem papel secundário. Mas não era esse o espírito do legislador.
Por desconhecimento dos processos de decisão e do funcionamento dos órgãos das autarquias locais, a esmagadora maioria dos eleitores tende a votar no mesmo partido para ambos os órgãos municipais, supondo com isso fortalecer o poder. Contudo, na prática enfraquece-o porque anula o papel fiscalizador atribuído às assembleias municipais.
Há provas mais que suficientes de que se uma assembleia municipal tiver maioria de deputados de cor política diferente da que prevalece na câmara é aquele órgão que desempenha o papel-chave nas deliberações.
Pelo contrário, quando a maioria política em ambos os órgãos é idêntica, a função deliberativa e fiscalizadora da assembleia municipal perde relevância e, por extensão, dilui-se até o poder das juntas e assembleias de freguesia, visto que o funcionamento destes órgãos depende, significativamente, da descentralização de funções e do financiamento camarário.
Sempre que a maioria nos dois órgãos é de um só partido, o centro do poder desloca-se para poucos: os vereadores com funções executivas na câmara. Até o papel dos vereadores da oposição é secundário.
Mas se as maiorias forem diferentes, o poder reside, e muito bem, na assembleia ou parlamento municipal.
Há provas evidentes de que a democracia e o poder local em nada beneficiam com maiorias monocolores nos dois órgãos municipais. Em Alcochete, inclusive.
Um exemplo prático: será possível, num município monocolor, tentar aprovar uma moção de censura à câmara, sanção política prevista na lei das autarquias?
Analisando os resultados das eleições para as autarquias registados desde 1976 no concelho de Alcochete, raramente o mesmo partido teve mais de 100 votos de diferença entre ambos os órgãos.
Vale a pena recordar que a lei das autarquias locais (Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro) determina que "a assembleia municipal é constituída pelos presidentes das juntas de freguesia e por membros eleitos pelo colégio eleitoral do município, em número igual ao daqueles mais um" e que "o número de membros eleitos directamente não pode ser inferior ao triplo do número de membros da respectiva câmara municipal."
A intenção do legislador foi clara ao definir este esquema: criar um parlamento municipal e evitar que a maioria política na gestão camarária influencie as decisões da assembleia.
Voltando ao caso de Alcochete: como existem três presidentes de junta, os membros eleitos directamente teriam de ser quatro. Mas como a câmara tem sete vereadores, terá de haver um mínimo de 21 eleitos directamente para a assembleia.
Mas em Alcochete – e não só, porque na maioria dos municípios a situação é semelhante – as intenções do legislador têm sido iludidas: na câmara e na assembleia tem havido, quase sempre, confortável maioria de uma só cor partidária.
São ainda evidentes as intenções do legislador quanto à separação de poderes, ao determinar que "a câmara municipal faz-se representar, obrigatoriamente, nas sessões da assembleia municipal, pelo presidente, que pode intervir nos debates sem direito a voto".
Está ainda estatuído que "os vereadores devem assistir às sessões da assembleia municipal, sendo-lhes facultado intervir nos debates, sem direito a voto, a solicitação do plenário ou com a anuência do presidente da câmara (...)".
E, caso o plenário não peça a intervenção dos vereadores ou o presidente da câmara discorde da mesma, aqueles apenas poderão "intervir no final da reunião para o exercício do direito de defesa da honra".
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