10 julho 2009

Marafuga a Patrícia (4)

Pergunta a Patrícia: «...mas onde diz que o ateísmo é o contrário do Cristianismo?». Ateísmo tem a ver com a negação de Deus. Ora eu não estou a ver que a Confissão Cristã possa coabitar com o ateísmo, ainda que este, segundo alguns, possa incorporar traços religiosos. Em suma, não há ateísmo cristão, razão por que ser ateu e ser cristão são posturas inconciliáveis.
Depois quer saber a Patrícia «...por que razão o ateísmo [...] é grave». O ateísmo é grave porque não se pode negar Deus sem se negar o homem, isto é, sem estarmos a reduzir este último à condição mais degradante alguma vez imaginada. O homem nega Deus para se pôr no lugar d'Ele, atitude desafiadora (hybris) que só pode ter um nome: soberba (superbia). Esta cega-nos ao mais ínfimo grau. É mesmo isto que se vê no Édipo Rei. O que é central nesta tragédia de Sófocles não é o tema do incesto, mas sim o da soberba. Para os Gregos, também para os Romanos, o destino era inexorável, acima dos homens e dos próprios deuses. O crime de Édipo, na mentalidade de um grego da polis ateniense, foi pretender desinscrever o que tinha sido inscrito desde sempre pelo destino. É deste que fala a religião, «...seja para que [o homem] se submeta a ele, como no caso da religião grega, seja para que o faça, como no caso da religião cristã. É por isso que, influenciadas pela religião grega, as filosofias gregas são filosofias da necessidade [fatalistas], ao passo que as filosofias influenciadas pela religião cristã s[ão] filosofias da liberdade» (Gilson, Etienne, A Filosofia na Idade Média, Martins Fontes, São Paulo, 1995).
Édipo vê-se sem saída no círculo que lhe limita a vida, isto é, Édipo é vítima da concepção arcaica do tempo, mas este, para o cristianismo é levantarmo-nos e seguirmos o caminho em frente («surge et ambula!», diz Cristo aos paralíticos que todos somos no atavismo das nossas vidas).
O rei Édipo tinha que sucumbir a fim de devolver à cidade de Tebas o alívio por esta tão desejado. Este é o mecanismo do bode expiatório, mas Cristo, a última vítima sacrificial, vira o bico ao prego, afirma-se inocente e proclama que cada um de nós é responsável por todas as nossas aflições. É aqui que entra o conceito cristão de pecado. Em Memorial do Convento do comunista assumido José Saramago, a heroína do romance, Blimunda, «...diz do outro lado do pano, em voz alta [...], Não tenho pecados a confessar». Esta mesma personagem, quase para o fim do texto, dirá taxativamente: «O pecado não existe...». Se o pecado não existe, não faz sentido o perdão, estrutura de liberdade contra o fatalismo marxista que reduz à luta de classes toda a História.
A irreverência de Patrícia tem raízes no Renascimento. Neste, o homem é colocado nos píncaros dos montes como se Deus fosse. É a isto que chamamos antropocentrismo, verdadeira conversio ad creaturam: o homem é o novo bezerro de oiro de si próprio.
A ciência, cujo reino é a horizontalidade porque se debruça sobre coisas, arvora-se cada vez mais em recurso único para tudo. Ela arrasaria todas as barreiras e nela estaria a tão desejada felicidade. Esta, porém, só é possível pela submissão a Cristo, o Sentido encarnado, enfim, a estrutura da realidade. Só assim a carne do homem e a carne do mundo ficariam redimensionadas à imagem e semelhança do Criador sem que a Civilização Cristã sofresse roturas capazes de a fazer precipitar no abismo.
O resto que a Patrícia diz é relativismo pernicioso que de todos nós faz títeres cujos titereiros outra coisa não querem senão amarrar o homem à escravização e animalização definitivas.

2 comentários:

Unknown disse...

Patrícia, é minha vontade ficar por aqui.
Obrigado.

Anónimo disse...

Ora essa.
Não tem de quê.