Entre o nascimento e a liquidação da sociedade anónima Alumínio Português (Angola) distam 36 anos atribulados, que principiam num sonho e terminam em lixo e sucata.
Em finais da década de 50 do século passado, o genial projecto cativa mais de quatro centenas de investidores, que decidem aproveitar várias oportunidades de mercado: a abundante bauxite existente em Angola, a construção da barragem hidroeléctrica de Cambambe (no rio Cuanza, província de Cuanza Norte, Angola) e a carência nacional de alumínio laminado para fins industriais.
Mas nada correrá de feição desde o início.
A Alumínio Português (Angola) é fundada em meados de 1958 e a fábrica de Alcochete demorará cerca de cinco anos a iniciar a laboração.
Porém, em Cambambe nunca haverá turbina para alimentar a fábrica que deveria ter sido edificada a poucos quilómetros de distância, no Dondo (província de Cuanza Norte, cerca de 190kms a Sudoeste de Luanda), e, entre finais de 1963 e meados de 1964, a laminagem de Alcochete arranca em pleno com chapa de alumínio importada. Primeiro de França e depois de Espanha.
Frustrada a montagem do ciclo completo de produção, o projecto apresenta debilidades, fica dependente de fornecedores estrangeiros e a sua viabilidade estava em risco.
Daí que os edifícios fronteiros à Praça de Touros de Alcochete representem apenas a terceira e última parte de um gigantesco empreendimento industrial que ficou no papel, pois faltaram duas áreas-chave: o porto para navios de grande tonelagem – que transportariam os lingotes de alumínio de Angola – e a extensa área industrial destinada à sua transformação em chapa.
Hoje nada resta desses planos porque, segundo testemunho de quem participou com mágoa na liquidação do Alumínio Português (Angola), a maqueta foi destruída e as plantas transformadas em desperdícios de papel numa conhecida empresa local da especialidade.
Com altos e baixos, a laminagem de Alcochete laboraria cerca de 30 anos, dando emprego no máximo a 104 trabalhadores. Dedicou-se apenas à transformação de chapas de alumínio com 0,7 milímetros de espessura em laminados industriais de seis ou sete mícron (milésimo de milímetro), destinados a embalagens industriais de vários tipos.
Desconhece a maioria dos portugueses que nessas três décadas se consumiram toneladas de caldos Knorr, bombons e chocolates Regina, Rajá, Aliança e Imperial; milhões de litros de bebidas (vinho, leite, whisky, etc.) e fumaram-se milhões de cigarros da Tabaqueira e da Micaelense de Tabacos (Açores), tudo embalado em 'papel prateado' fabricado em Alcochete.
Com espessuras um pouco superiores, em Alcochete fabricaram-se também milhões de embalagens de alumínio para produtos alimentares, além dos primeiros rolos de papel de alumínio para uso doméstico, cujo invólucro ainda hoje é recordado pelos mais velhos (ver filme acima).
Contudo, a protecção à indústria nacional cessará, obrigatoriamente, em 1985, com a adesão à então CEE (hoje União Europeia), momento a partir do qual as empresas consumidoras de laminados de alumínio se abastecem no estrangeiro, onde os preços são inferiores por motivos de rentabilidade.
Basta referir que, com uma tecnologia ultrapassada e do final da década de cinquenta, 25 anos depois a fábrica de Alcochete laminava chapa à razão de cinco metros por minuto. A Pechiney francesa produzia a 60 metros por minuto.
Agonia lenta
A extinta sociedade anónima Alumínio Português (Angola) existiu por iniciativa e vontade de 446 empresários de vários sectores – de que se destacam a Metalúrgica Alba de Albergaria-a-Velha e a Lusalite de Lisboa – que a constituíram por escritura pública celebrada a 6 de Agosto de 1958, com o objectivo de proceder à exploração da indústria do alumínio em todas as suas modalidades. O capital social inicial era de 33.000.000$00, que poderia ser aumentado até 500.000.000$00.
O empreendimento foi estruturado do seguinte modo:
a) As operações de electrólise, conducentes ao fabrico do alumínio em lingotes e as transformações economicamente adequadas para consumo em Angola e exportação, seriam localizadas em Angola, junto à barragem de Cambambe;
b) Na Metrópole, principal mercado nacional e de exportação, situar-se-ia uma grande fábrica de laminagem, destinada à produção de chapas, folhas, tiras, discos, barras, perfilados, tubos, arames, etc.
O empreendimento em Angola fora planeado para produzir 50.000 toneladas/ano de lingotes, com um consumo médio de electricidade, então equivalente a 2,5 vezes o da cidade de Lisboa, aproveitando, por um lado, a fonte energética de Cambambe e, por outro, a existência em Angola de abundante matéria-prima (bauxite).
O êxito da exploração da fábrica de laminagem em Alcochete estava condicionado ao fornecimento dos lingotes de alumínio produzidos a mais baixo custo na fábrica de electrólise do Dondo, a qual lhe garantiria um preço final largamente competitivo.
O facto de nunca ter existido a fábrica do Dondo criará dificuldades permanentes e insuperáveis à rentabilidade da unidade de laminagem.
Nos relatórios contabilísticos de sucessivos anos, a Alumínio Português (Angola) encerrará as contas do exercício com prejuízo, até à sua dissolução e encerramento a 31 de Outubro de 1994.
Os primeiros anos de actividade serão dominados pela execução dos estudos para a fábrica do Dondo e pelos contratos para a obtenção da energia eléctrica de Cambambe, em estreita colaboração com o grupo francês Pechiney – Compagnie de Produits Chimiques et Electro-Metalurgiques, fornecedor da tecnologia de fabrico.
Em 7 de Abril de 1959 procede-se ao primeiro aumento de capital para 33.000.000$00. Em 8 de Abril de 1961 um consórcio bancário francês, liderado pelo Crédit Lyonnais, celebra um acordo para financiamento da primeira fase da construção da fábrica de alumínio em Angola. O montante do crédito elevar-se-á a cerca de 420.000.000$00.
Mas a 15 de Março de 1961 rebentam os massacres no Norte de Angola, primeiro acto sangrento que virá a despoletar a guerra colonial. Daí em diante a insegurança e o risco em que passam a viver os técnicos e demais pessoal afecto aos estudos e levantamentos dos terrenos do Dondo, tornam cada vez mais difícil avançar com o projecto, acabando por levar à sua suspensão "sine die".
Laminagem de Alcochete usa matéria prima estrangeira
Após a fundação da Alumínio Português (Angola), tornava-se inadiável avançar com o projecto da fábrica de laminagem a instalar no Continente, contando de início com matéria-prima fornecida pela multinacional francesa Pechiney.
Surgem várias propostas de localização da fábrica e a mais favorecida tinha a preferência de um grupo de accionistas ligados a urbanizações e terrenos em Alverca do Ribatejo e Vila Franca de Xira. Um proprietário de Alcochete apresenta um preço despropositado e, para mais, acrescido da exigência de um lugar na administração da empresa.
Torna-se então decisiva a intervenção do dr. Elmano Alves, pessoa com grandes afinidades políticas e sociais no concelho, que convence familiares – co-proprietários da Quinta Nova do Forno da Telha, com 14 hectares, situada à entrada de Alcochete, com frentes para a Praça de Touros, para o rio e para a Estrada Nacional 119 – a venderem esse terreno ao Alumínio por um preço quase simbólico: 25$00 por metro quadrado.
Basta referir que, no balanço do exercício de 1992, os terrenos foram inventariados a 864$28/m2 e, aquando da liquidação da sociedade, em finais de 1994, foram transaccionados a 6.500$/m2.
O jornal «A Voz de Alcochete», edição de Julho de 1959, refere-se elogiosamente ao facto da família Cruz, uma vez mais, ter sabido "limitar os seus lucros e justos interesses a bem da terra e do seu povo. Outros sigam o seu exemplo e, dentro em breve, não haverá crise de trabalho em Alcochete".
Igualmente o jornal «Distrito de Setúbal» dá notícia da compra do "Forno da Telha" pelo Alumínio, nestes termos: "É grande o regozijo da população, que não descansa de encarecer a atitude tomada pelos principais proprietários do terreno escolhido, respectivamente D. Isabel da Silva Cruz e dr. Elmano Alves e mulher, os quais desde a primeira hora se propuseram estabelecer um preço acessível, limitando os seus interesses, com a condição de que esta fábrica não saísse de Alcochete".
O relatório da administração do Alumínio, de Outubro de 1962, dá conta de estar em marcha a construção da fábrica de laminagem em Alcochete, que ficaria apta a produzir no final de 1963. Note-se que a indústria do alumínio estava incluída no III Plano de Fomento do Estado Novo, como única indústria de base para Angola, entre os anos de 1959 e 1964.
Em 20 de Dezembro de 1965 a administração do Alumínio informava que a fábrica de Alcochete, após a montagem da maquinaria, atingia a plenitude das suas potencialidades técnicas, estando apta a abastecer o mercado nacional e a realizar todas as fases intermédias da produção, utilizando papel, cartolina, cartão plástico, etc.
Aguardava-se, todavia, o fornecimento de produto resultante da electrólise de Angola. E negociava-se então (1965), em França, um aumento de capital para 852.000 contos.
A matéria-prima de Angola nunca chegará a Alcochete porque a fábrica do Dondo nem sequer arrancou. Então a Pechiney devolve as acções, que recebera a título de "engeneering" e mais compensações, e o contrato com o grupo francês cessa em 1969.
Em 10 de Junho de 1970 regista-se também o falecimento do dr. Manuel José Lucas de Sousa, grande impulsionador da iniciativa do Alumínio e perda irreparável para a liderança da empresa. Um óbito que marcará o princípio do fim do projecto.
Sonho começa a esfumar-se
Os anos sucedem-se e os resultados negativos também. Apenas em quatro exercícios, em que participou como administrador o dr. José Luís Esteves da Fonseca, se conseguiram resultados equilibrados.
Assim se chega à última assembleia geral de accionistas do Alumínio Português (Angola), em 1993. Então, um grupo liderado pelo dr. Rui Lucas de Sousa – filho do fundador da empresa e desejoso de ocupar o poder – consegue ser proclamado vencedor num escrutínio que deixaria as maiores dúvidas na contagem.
O grupo que assume a administração não tinha capacidade técnica nem gerencial, sobretudo para assegurar os financiamentos da banca. A dívida à Pechiney ascendia então a 153.000 contos e, suspensos os fornecimentos pela multinacional francesa, a administração do Alumínio volta-se para Espanha, celebrando um acordo ruinoso com a Inespal, apenas para manter a laboração.
As vendas passam a fazer-se abaixo dos custos de produção e depressa a dívida ao fornecedor espanhol se eleva a 100.000 contos. A maioria dos encarregados da fábrica tem quase 30 anos de serviço, restam cerca de 90 empregados, a tecnologia é obsoleta e não há dinheiro para a reconversão. Aproxima-se o fim.
No 1.º trimestre de 1994 acaba-se o stock de matéria-prima e em Agosto seguinte – quando a fábrica está encerrada para férias, como sempre foi tradição – demitem-se três dos cinco administradores. Cessa o pagamento de vencimentos e, em Setembro, quando o pessoal regressa à fábrica, também os telefones estão cortados por falta de pagamento.
Com dívidas acumuladas de 850.000 contos, a situação atinge o ponto de ruptura e, dada a incapacidade manifesta, a administração do Alumínio é forçada a precipitar a liquidação quando a Pechiney pede a falência (o seu advogado era o ex-ministro centrista do Ambiente e do Ordenamento do Território, Luís Nobre Guedes). Também a espanhola Inespal se preparava para interpor outra acção judicial.
Sem quorum para tomar decisões, os dois administradores em funções decidem co-optar um terceiro elemento, o trabalhador e encarregado de desenho sr. Joaquim Pereira (actual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcochete). Sem direito a vencimento mas com 100 acções cedidas por accionistas, de modo a reunir as condições estatutárias para o desempenho do cargo.
É ele que, em ligação com o advogado António José Silva e Sousa, contratado para o efeito, virá a tratar de pagar algumas dívidas a fornecedores e ao Estado, bem como as indemnizações aos trabalhadores, mediante a venda do património (dois terrenos em Alcochete, o maior dos quais o das instalações situadas defronte da Praça de Touros).
O terreno mais pequeno, na Estrada Nacional 119, quase defronte da fábrica Crown, Cork & Seal, renderá 25.000 contos, apenas suficientes para liquidar ordenados em atraso a nove empregados da sede de Lisboa. Os cerca de 90 trabalhadores de Alcochete recorrem ao Fundo de Desemprego.
O terreno da fábrica é vendido por 560.000 contos, a liquidar em três prestações, a última e maior das quais dependente da entrega das instalações devolutas. O valor apurado não chega para cobrir as dívidas de 850.000 contos, mas os cerca de 90 empregados que se mantêm até ao final receberão 1,3 meses de ordenado por cada ano de trabalho, a título de indemnização, um pouco acima do mínimo legal na época. Também os aposentados são contemplados, aos quais a empresa sempre pagara um complemento de reforma.
As velhas máquinas vendem-se para sucata, à razão de 4$00/kg. Só a máquina de laminagem custara, 30 anos antes, cerca de 700.000 contos.
A Alumínio Português (Angola) é liquidada a 31 de Outubro de 1994, quando as chaves da fábrica de Alcochete são entregues ao adquirente do terreno, que por ele pagou 560.000 contos e pouco tempo depois o renegociaria por 1.000.000 de contos. A extinção legal da empresa é declarada no «Diário da República» cerca de um ano depois.
Assim se desfaz em sucata e lixo um belo sonho industrial, planeado para ter grandes fábricas no Dondo e em Alcochete.
Com a Alumínio Português (Angola) desaparece também uma das últimas fábricas do período do eng.º João Maria Ferreira do Amaral, que alicerçaram a industrialização deste concelho.
Desapareceria ainda a única unidade industrial portuguesa de laminagem de alumínio. Até hoje, em território nacional nenhuma outra a substituiu.
Nota de rodapé - Persegui esta história durante três anos. Graças à colaboração do dr. Elmano Alves (ex-accionista) e do sr. Joaquim Pereira (ex-desenhador, encarregado e administrador), em 2003 tive a possibilidade de atingir o objectivo, tendo publicado originalmente este texto no extinto portal «Tágides».
Contribuíram ainda o Sr. Henrique Oliveira, do sítio da Internet Prof2000 (espaço «Aveiro e Cultura») Imagem digital, que então me autorizou a reprodução de imagens da Barragem de Cambambe (propriedade de Ivo Cardoso) e do mapa de Angola assinalando a localização da mesma; bem como o Sr. Francisco Garrancho, que me cedeu duas imagens pessoais obtidas com cerca de 20 anos de intervalo no interior da fábrica de Alcochete (incluídas no filme acima).
A todos agradeço a colaboração.
Em finais da década de 50 do século passado, o genial projecto cativa mais de quatro centenas de investidores, que decidem aproveitar várias oportunidades de mercado: a abundante bauxite existente em Angola, a construção da barragem hidroeléctrica de Cambambe (no rio Cuanza, província de Cuanza Norte, Angola) e a carência nacional de alumínio laminado para fins industriais.
Mas nada correrá de feição desde o início.
A Alumínio Português (Angola) é fundada em meados de 1958 e a fábrica de Alcochete demorará cerca de cinco anos a iniciar a laboração.
Porém, em Cambambe nunca haverá turbina para alimentar a fábrica que deveria ter sido edificada a poucos quilómetros de distância, no Dondo (província de Cuanza Norte, cerca de 190kms a Sudoeste de Luanda), e, entre finais de 1963 e meados de 1964, a laminagem de Alcochete arranca em pleno com chapa de alumínio importada. Primeiro de França e depois de Espanha.
Frustrada a montagem do ciclo completo de produção, o projecto apresenta debilidades, fica dependente de fornecedores estrangeiros e a sua viabilidade estava em risco.
Daí que os edifícios fronteiros à Praça de Touros de Alcochete representem apenas a terceira e última parte de um gigantesco empreendimento industrial que ficou no papel, pois faltaram duas áreas-chave: o porto para navios de grande tonelagem – que transportariam os lingotes de alumínio de Angola – e a extensa área industrial destinada à sua transformação em chapa.
Hoje nada resta desses planos porque, segundo testemunho de quem participou com mágoa na liquidação do Alumínio Português (Angola), a maqueta foi destruída e as plantas transformadas em desperdícios de papel numa conhecida empresa local da especialidade.
Com altos e baixos, a laminagem de Alcochete laboraria cerca de 30 anos, dando emprego no máximo a 104 trabalhadores. Dedicou-se apenas à transformação de chapas de alumínio com 0,7 milímetros de espessura em laminados industriais de seis ou sete mícron (milésimo de milímetro), destinados a embalagens industriais de vários tipos.
Desconhece a maioria dos portugueses que nessas três décadas se consumiram toneladas de caldos Knorr, bombons e chocolates Regina, Rajá, Aliança e Imperial; milhões de litros de bebidas (vinho, leite, whisky, etc.) e fumaram-se milhões de cigarros da Tabaqueira e da Micaelense de Tabacos (Açores), tudo embalado em 'papel prateado' fabricado em Alcochete.
Com espessuras um pouco superiores, em Alcochete fabricaram-se também milhões de embalagens de alumínio para produtos alimentares, além dos primeiros rolos de papel de alumínio para uso doméstico, cujo invólucro ainda hoje é recordado pelos mais velhos (ver filme acima).
Contudo, a protecção à indústria nacional cessará, obrigatoriamente, em 1985, com a adesão à então CEE (hoje União Europeia), momento a partir do qual as empresas consumidoras de laminados de alumínio se abastecem no estrangeiro, onde os preços são inferiores por motivos de rentabilidade.
Basta referir que, com uma tecnologia ultrapassada e do final da década de cinquenta, 25 anos depois a fábrica de Alcochete laminava chapa à razão de cinco metros por minuto. A Pechiney francesa produzia a 60 metros por minuto.
Agonia lenta
A extinta sociedade anónima Alumínio Português (Angola) existiu por iniciativa e vontade de 446 empresários de vários sectores – de que se destacam a Metalúrgica Alba de Albergaria-a-Velha e a Lusalite de Lisboa – que a constituíram por escritura pública celebrada a 6 de Agosto de 1958, com o objectivo de proceder à exploração da indústria do alumínio em todas as suas modalidades. O capital social inicial era de 33.000.000$00, que poderia ser aumentado até 500.000.000$00.
O empreendimento foi estruturado do seguinte modo:
a) As operações de electrólise, conducentes ao fabrico do alumínio em lingotes e as transformações economicamente adequadas para consumo em Angola e exportação, seriam localizadas em Angola, junto à barragem de Cambambe;
b) Na Metrópole, principal mercado nacional e de exportação, situar-se-ia uma grande fábrica de laminagem, destinada à produção de chapas, folhas, tiras, discos, barras, perfilados, tubos, arames, etc.
O empreendimento em Angola fora planeado para produzir 50.000 toneladas/ano de lingotes, com um consumo médio de electricidade, então equivalente a 2,5 vezes o da cidade de Lisboa, aproveitando, por um lado, a fonte energética de Cambambe e, por outro, a existência em Angola de abundante matéria-prima (bauxite).
O êxito da exploração da fábrica de laminagem em Alcochete estava condicionado ao fornecimento dos lingotes de alumínio produzidos a mais baixo custo na fábrica de electrólise do Dondo, a qual lhe garantiria um preço final largamente competitivo.
O facto de nunca ter existido a fábrica do Dondo criará dificuldades permanentes e insuperáveis à rentabilidade da unidade de laminagem.
Nos relatórios contabilísticos de sucessivos anos, a Alumínio Português (Angola) encerrará as contas do exercício com prejuízo, até à sua dissolução e encerramento a 31 de Outubro de 1994.
Os primeiros anos de actividade serão dominados pela execução dos estudos para a fábrica do Dondo e pelos contratos para a obtenção da energia eléctrica de Cambambe, em estreita colaboração com o grupo francês Pechiney – Compagnie de Produits Chimiques et Electro-Metalurgiques, fornecedor da tecnologia de fabrico.
Em 7 de Abril de 1959 procede-se ao primeiro aumento de capital para 33.000.000$00. Em 8 de Abril de 1961 um consórcio bancário francês, liderado pelo Crédit Lyonnais, celebra um acordo para financiamento da primeira fase da construção da fábrica de alumínio em Angola. O montante do crédito elevar-se-á a cerca de 420.000.000$00.
Mas a 15 de Março de 1961 rebentam os massacres no Norte de Angola, primeiro acto sangrento que virá a despoletar a guerra colonial. Daí em diante a insegurança e o risco em que passam a viver os técnicos e demais pessoal afecto aos estudos e levantamentos dos terrenos do Dondo, tornam cada vez mais difícil avançar com o projecto, acabando por levar à sua suspensão "sine die".
Laminagem de Alcochete usa matéria prima estrangeira
Após a fundação da Alumínio Português (Angola), tornava-se inadiável avançar com o projecto da fábrica de laminagem a instalar no Continente, contando de início com matéria-prima fornecida pela multinacional francesa Pechiney.
Surgem várias propostas de localização da fábrica e a mais favorecida tinha a preferência de um grupo de accionistas ligados a urbanizações e terrenos em Alverca do Ribatejo e Vila Franca de Xira. Um proprietário de Alcochete apresenta um preço despropositado e, para mais, acrescido da exigência de um lugar na administração da empresa.
Torna-se então decisiva a intervenção do dr. Elmano Alves, pessoa com grandes afinidades políticas e sociais no concelho, que convence familiares – co-proprietários da Quinta Nova do Forno da Telha, com 14 hectares, situada à entrada de Alcochete, com frentes para a Praça de Touros, para o rio e para a Estrada Nacional 119 – a venderem esse terreno ao Alumínio por um preço quase simbólico: 25$00 por metro quadrado.
Basta referir que, no balanço do exercício de 1992, os terrenos foram inventariados a 864$28/m2 e, aquando da liquidação da sociedade, em finais de 1994, foram transaccionados a 6.500$/m2.
O jornal «A Voz de Alcochete», edição de Julho de 1959, refere-se elogiosamente ao facto da família Cruz, uma vez mais, ter sabido "limitar os seus lucros e justos interesses a bem da terra e do seu povo. Outros sigam o seu exemplo e, dentro em breve, não haverá crise de trabalho em Alcochete".
Igualmente o jornal «Distrito de Setúbal» dá notícia da compra do "Forno da Telha" pelo Alumínio, nestes termos: "É grande o regozijo da população, que não descansa de encarecer a atitude tomada pelos principais proprietários do terreno escolhido, respectivamente D. Isabel da Silva Cruz e dr. Elmano Alves e mulher, os quais desde a primeira hora se propuseram estabelecer um preço acessível, limitando os seus interesses, com a condição de que esta fábrica não saísse de Alcochete".
O relatório da administração do Alumínio, de Outubro de 1962, dá conta de estar em marcha a construção da fábrica de laminagem em Alcochete, que ficaria apta a produzir no final de 1963. Note-se que a indústria do alumínio estava incluída no III Plano de Fomento do Estado Novo, como única indústria de base para Angola, entre os anos de 1959 e 1964.
Em 20 de Dezembro de 1965 a administração do Alumínio informava que a fábrica de Alcochete, após a montagem da maquinaria, atingia a plenitude das suas potencialidades técnicas, estando apta a abastecer o mercado nacional e a realizar todas as fases intermédias da produção, utilizando papel, cartolina, cartão plástico, etc.
Aguardava-se, todavia, o fornecimento de produto resultante da electrólise de Angola. E negociava-se então (1965), em França, um aumento de capital para 852.000 contos.
A matéria-prima de Angola nunca chegará a Alcochete porque a fábrica do Dondo nem sequer arrancou. Então a Pechiney devolve as acções, que recebera a título de "engeneering" e mais compensações, e o contrato com o grupo francês cessa em 1969.
Em 10 de Junho de 1970 regista-se também o falecimento do dr. Manuel José Lucas de Sousa, grande impulsionador da iniciativa do Alumínio e perda irreparável para a liderança da empresa. Um óbito que marcará o princípio do fim do projecto.
Sonho começa a esfumar-se
Os anos sucedem-se e os resultados negativos também. Apenas em quatro exercícios, em que participou como administrador o dr. José Luís Esteves da Fonseca, se conseguiram resultados equilibrados.
Assim se chega à última assembleia geral de accionistas do Alumínio Português (Angola), em 1993. Então, um grupo liderado pelo dr. Rui Lucas de Sousa – filho do fundador da empresa e desejoso de ocupar o poder – consegue ser proclamado vencedor num escrutínio que deixaria as maiores dúvidas na contagem.
O grupo que assume a administração não tinha capacidade técnica nem gerencial, sobretudo para assegurar os financiamentos da banca. A dívida à Pechiney ascendia então a 153.000 contos e, suspensos os fornecimentos pela multinacional francesa, a administração do Alumínio volta-se para Espanha, celebrando um acordo ruinoso com a Inespal, apenas para manter a laboração.
As vendas passam a fazer-se abaixo dos custos de produção e depressa a dívida ao fornecedor espanhol se eleva a 100.000 contos. A maioria dos encarregados da fábrica tem quase 30 anos de serviço, restam cerca de 90 empregados, a tecnologia é obsoleta e não há dinheiro para a reconversão. Aproxima-se o fim.
No 1.º trimestre de 1994 acaba-se o stock de matéria-prima e em Agosto seguinte – quando a fábrica está encerrada para férias, como sempre foi tradição – demitem-se três dos cinco administradores. Cessa o pagamento de vencimentos e, em Setembro, quando o pessoal regressa à fábrica, também os telefones estão cortados por falta de pagamento.
Com dívidas acumuladas de 850.000 contos, a situação atinge o ponto de ruptura e, dada a incapacidade manifesta, a administração do Alumínio é forçada a precipitar a liquidação quando a Pechiney pede a falência (o seu advogado era o ex-ministro centrista do Ambiente e do Ordenamento do Território, Luís Nobre Guedes). Também a espanhola Inespal se preparava para interpor outra acção judicial.
Sem quorum para tomar decisões, os dois administradores em funções decidem co-optar um terceiro elemento, o trabalhador e encarregado de desenho sr. Joaquim Pereira (actual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Alcochete). Sem direito a vencimento mas com 100 acções cedidas por accionistas, de modo a reunir as condições estatutárias para o desempenho do cargo.
É ele que, em ligação com o advogado António José Silva e Sousa, contratado para o efeito, virá a tratar de pagar algumas dívidas a fornecedores e ao Estado, bem como as indemnizações aos trabalhadores, mediante a venda do património (dois terrenos em Alcochete, o maior dos quais o das instalações situadas defronte da Praça de Touros).
O terreno mais pequeno, na Estrada Nacional 119, quase defronte da fábrica Crown, Cork & Seal, renderá 25.000 contos, apenas suficientes para liquidar ordenados em atraso a nove empregados da sede de Lisboa. Os cerca de 90 trabalhadores de Alcochete recorrem ao Fundo de Desemprego.
O terreno da fábrica é vendido por 560.000 contos, a liquidar em três prestações, a última e maior das quais dependente da entrega das instalações devolutas. O valor apurado não chega para cobrir as dívidas de 850.000 contos, mas os cerca de 90 empregados que se mantêm até ao final receberão 1,3 meses de ordenado por cada ano de trabalho, a título de indemnização, um pouco acima do mínimo legal na época. Também os aposentados são contemplados, aos quais a empresa sempre pagara um complemento de reforma.
As velhas máquinas vendem-se para sucata, à razão de 4$00/kg. Só a máquina de laminagem custara, 30 anos antes, cerca de 700.000 contos.
A Alumínio Português (Angola) é liquidada a 31 de Outubro de 1994, quando as chaves da fábrica de Alcochete são entregues ao adquirente do terreno, que por ele pagou 560.000 contos e pouco tempo depois o renegociaria por 1.000.000 de contos. A extinção legal da empresa é declarada no «Diário da República» cerca de um ano depois.
Assim se desfaz em sucata e lixo um belo sonho industrial, planeado para ter grandes fábricas no Dondo e em Alcochete.
Com a Alumínio Português (Angola) desaparece também uma das últimas fábricas do período do eng.º João Maria Ferreira do Amaral, que alicerçaram a industrialização deste concelho.
Desapareceria ainda a única unidade industrial portuguesa de laminagem de alumínio. Até hoje, em território nacional nenhuma outra a substituiu.
Nota de rodapé - Persegui esta história durante três anos. Graças à colaboração do dr. Elmano Alves (ex-accionista) e do sr. Joaquim Pereira (ex-desenhador, encarregado e administrador), em 2003 tive a possibilidade de atingir o objectivo, tendo publicado originalmente este texto no extinto portal «Tágides».
Contribuíram ainda o Sr. Henrique Oliveira, do sítio da Internet Prof2000 (espaço «Aveiro e Cultura») Imagem digital, que então me autorizou a reprodução de imagens da Barragem de Cambambe (propriedade de Ivo Cardoso) e do mapa de Angola assinalando a localização da mesma; bem como o Sr. Francisco Garrancho, que me cedeu duas imagens pessoais obtidas com cerca de 20 anos de intervalo no interior da fábrica de Alcochete (incluídas no filme acima).
A todos agradeço a colaboração.
2 comentários:
Não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que ,ontem como hoje,surjam benfeitores a venderem ,"quase dados" ,terrenos a interesses privados.Uma fábrica como a do "Alumínio" em Alcochete e na década de 1960, certamente que traria outros benefícios e bem assim a satisfação de interesses mais vastos.
No antigo regime a promoção e a ascensão na política local e nacional também tinham destas coisas.
Foi bom ler neste artigo uma referência tão positiva ao meu querido Pai, referindo que apenas se conseguiram resultados equilibrados durante os 4 anos em que foi Administrador da empresa!
Bem-haja!
João Esteves da Fonseca
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