04 fevereiro 2009

Urgente reescrever História de Alcochete



Em todas as fontes documentais que conhecia até agora está escrito que as Festas do Barrete Verde e das Salinas sucederam, no início da década de 40 do século passado,
às realizadas em honra da Senhora da Vida, tendo estas tido lugar apenas em 1930 e 1935.
Mas há provas documentais de que as Festas da Senhora da Vida se realizaram também em 1904, pelo menos, coincidindo com a inauguração do Campo de Tiro de
Alcochete.
Comprova-o a pág. 4 da edição n.º 47 da revista «Ilustração Portuguesa», datada de 26 de Setembro de 1904, cujos primeiros números acabam de ser disponibilizados em formato digital pela Hemeroteca Municipal de Lisboa, podendo o original ser consultado aqui.
Acompanhado de várias imagens relacionadas com a inauguração do citado estabelecimento militar, no texto da revista pode ler-se o seguinte (actualizei a grafia):

"A festas da Senhora da Vida foram cheias de interesse e aproveitou-se a ocasião para lançar a primeira pedra da estátua de D. Manuel [I] e para se inaugurar o campo de tiro em Alcochete.
"Às 2 horas da tarde, sob uma chuva torrencial, o sr. ministro da guerra chegou ao campo, começando logo as experiências das peças Schneider-Canet da bateria chegada do Havre e que pela primeira vez se disparava em Portugal.
"Dispararam-se 3 tiros de 1000 metros, 2 tiros com a inclinação para 4000 metros e 2 com a inclinação de 8000 metros, dando todos o melhor resultado.
O terreno adquirido pelo ministério da guerra abrange 1680 hectares e só à custa de muito boa vontade se pôde planificar, devido à iniciativa dos srs. capitães Sá Cardoso e
Telles, que devotadamente ali têm trabalhado.
"A nova carreira de tiro permite ser aproveitada até à distância de 10 quilómetros."

Devo também chamar a atenção para a quarta imagem da página 4 da revista publicada, em Lisboa (Editorial de O Século), há mais de 104 anos – imagem que reproduzo ao alto em destaque – a que corresponde a seguinte legenda: "Os batedores militares e paisanos que abriam o cortejo".
Que tem esta imagem de especial? Foi captada junto aos antigos Paços do Concelho de Alcochete, então situados na confluência do Largo Marquês de Soydos com a actual Avenida da
Restauração, reconhecendo-se dois edifícios ainda hoje existentes.
A imagem parece-me confirmar que, à época, os Paços do Concelho se situariam de facto no edifício situado ao meio da imagem, o que já era sabido pois fora, pelo menos, por mim referido neste texto.

Entretanto, na margem esquerda da mesma página digital da revista «Ilustração Portuguesa» (ver primeira hiperligação acima) existe um índice da publicação, devendo o leitor saltar para a pág. 8.
Dessa página consta a imagem reproduzida no rodapé deste texto, que não me surpreendeu pois conhecia-a. Há anos, vi uma cópia na biblioteca do dr. Francisco Elmano Alves (deputado e vice-presidente da câmara de Alcochete no antigo regime, pessoa de que um dia escreverei com mais detalhe neste blogue).
A gravura respeita
ao lançamento da primeira pedra do monumento dedicado a D. Manuel I, cuja construção, na realidade, se concretizaria apenas 66 anos depois. E a estátua hoje existente em local previsto há mais de um século não é a idealizada em 1904, mas uma outra concebida em 1968 pelo escultor Vasco Pereira da Conceição. Esta foi oferecida pelo Ministério das Obras Públicas.
Na legenda da gravura publicada na «Ilustração Portuguesa» lê-se o seguinte:


"A vila de Alcochete vai levantar um monumento ao rei D. Manuel numa consagração ao rei venturoso que, após quatro séculos, ainda encontra
eco no coração do povo dessa vila onde teve residência e nascimento.
"O sr. ministro da guerra foi convidado para deitar a primeira colher de cal na pedra fundamental do monumento e chegou à pitoresca vila pelo meio dia com todo o seu séquito, sendo recebido pela câmara municipal, povo e banda de caçadores 2.
"Armara-se [uma] barraca na praça onde ficará a estátua e ali o sr. ministro devia ler uma alocução. Chovia torrencialmente e o povo, cheio de curiosidade, assistia à cerimónia a pé firme, com um grande entusiasmo.
"O secretário da câmara, sr. Evangelista, leu o auto comemorativo da colocação da pedra,que foi logo assinado pelo ministro e mais pessoas presentes.
Dirigiram-se então para o local onde estava a cavidade sobre a qual assentará a pedra e depois de aí lançarem as moedas correntes bem como o auto que foi metido num tubo de vidro, o sr. Rosendo Carvalheira, autor do projecto do monumento, ofereceu a colher ao sr. ministro da guerra ao mesmo tempo que a pedra descia a tapar a cavidade.
"Dali foram os convidados para casa do sr. marquês de Soydos onde lhes foi oferecido um copo de água, partindo depois o sr. ministro com a sua comitiva para o campo de tiro onde se realizou a experiência da nova artilharia Canet."

Disse-me o dr. Elmano Alves que, aquando do lançamento da primeira pedra, em 1904, o monumento deveria ter sido construído mediante subscrição pública. Porém, nunca viu a luz do dia e o dinheiro
angariado terá, alegadamente, desaparecido. Até hoje nada mais soube do assunto mas, presumivelmente, haverá documentação esclarecedora no arquivo municipal.

Entretanto, ao lado reproduzo ainda uma pequena imagem de D. João Pereira Coutinho, retirada de uma edição posterior da revista «Ilustração Portuguesa» e identificando o então administrador de Alcochete (cargo de representação governamental).
Esta imagem é historicamente relevante porque D. João Pereira Coutinho foi quem, a 14 de Janeiro de 1898, trouxe de Lisboa a notícia da restauração do concelho, oficialmente publicada no «Diário de Governo» do dia imediato.
Importa recordar que, em 25 de Janeiro de 1898, realizou-se uma sessão de instalação da Comissão
Municipal de Alcochete. Na presença do então administrador - o já mencionado D. João Pacheco Pereira Coutinho – foram eleitos o presidente, D. António Luís Pereira Coutinho (seu pai e 5.º marquês de Soydos), o vice-presidente, José Luís da Cruz, e os restantes vogais, Augusto Monteiro Forte, António Luís Nunes Júnior e João Baptista Lopes.

1 comentário:

Fernando Pinto disse...

Mais um exemplo daquilo que deverá ser considerado de "verdadeiro serviço público".
De facto, numa época que o mundo virtual ocupa um lugar preponderante na sociedade em que estamos inseridos, são testemunhos destes que aumentam significativamente o nosso conhecimento.