19 março 2009

Municipalismo de outrora (15): energia e iluminação


Não consegui apurar desde quando – sendo a data anterior ao período cujas actas municipais consultei há anos – mas até finais de 1942 o município de Alcochete produzia a energia eléctrica fornecida a consumidores e destinada à iluminação pública, incumbindo-se da instalação das baixadas e dos contadores, da venda e aluguer das lâmpadas e da facturação e cobrança às escassas dezenas de utilizadores então existentes.
A iluminação pública era mista – eléctrica e a petróleo – rondando a meia centena os candeeiros eléctricos [a imagem acima mostra um candeeiro a petróleo no Largo Coronel Ramos da Costa].
Nessa época, a Samouco não chegara ainda a luz eléctrica.

Em finais de Janeiro de 1940, pela assistência aos 25 candeeiros públicos a petróleo de Samouco, mais a limpeza de "ruas com casas sem quintal" e da zona do chafariz, a câmara paga 587$90 a Artur Serafim, encarregado desse serviço durante muitos anos.
O petróleo, as torcidas e os vidros dos candeeiros de iluminação pública, em ambas as freguesias, importavam mensalmente em 460$00.

A central eléctrica era movida a gasóleo e um sorvedouro de dinheiro, embora funcionasse apenas à noite. No período 1938/1945, em todas as sessões camarárias há autorizações de pagamento de despesas relacionadas com o gerador.
Por exemplo, em Março de 1938 a câmara paga 5.354$ à firma H. Vaultier & Cia., pela aquisição de óleo lubrificante e óleo combustível para a central, verba que representava cerca de 1,5% do orçamento anual na época. O transporte dos bidões para Alcochete foi facturado por 75$00.

No início da década de 1940, os vencimentos do pessoal da central eléctrica somavam 1.100$ mensais, mas em 1942 tinham baixado para 1.000$00. A taxa das indústrias eléctricas, devida ao Estado pela exploração da rede na área do município, era paga ao tesoureiro das finanças e ascendia mensalmente a cerca de 240$00. Dois anos antes era de 189$00, pelo que o consumo não terá aumentado significativamente nesse período.
Na sessão camarária de 22 de Fevereiro de 1939 é aprovado o primeiro regulamento de fornecimento de energia eléctrica destinada a iluminação privada, contendo 15 parágrafos. Curiosamente, o articulado não diverge muito das regras hoje vigentes na EDP, o que atesta o rigor do estudo prévio então realizado.
Os interessados passariam a apresentar um requerimento indicando quantas lâmpadas incandescentes pretendiam instalar (de 5 a 200 "velas"), bem como a quantidade de tomadas e tipos de corrente e de contador, podendo a câmara negar a instalação por conveniência própria.
A câmara exigia um termo de responsabilidade quanto ao bom uso da energia, mas declinava o pagamento de qualquer indemnização em caso de suspensão do fornecimento por motivo imprevisto ou de força maior.
Diga-se, em abono da verdade, que as interrupções eram excessivamente frequentes, devido aos repetidos problemas técnicos com a central, de que há inúmeros reflexos nas actas camarárias.
A montagem do contador dependia da conformidade da instalação e do respeito pelas normas de segurança, sendo o consumo facturado em kilowatt/hora.
Em Junho de 1940 a edilidade decide integrar o electricista no quadro de funcionários municipais, com o vencimento de 600$00. As suas funções eram polivalentes: durante 15 dias no mês, da uma da madrugada ao nascer do sol, prestava serviço nocturno na central eléctrica da vila. Nos outros 15 dias trabalhava do pôr do sol à uma da madrugada, tendo como missão reparar a rede eléctrica, colocar lâmpadas, contar a electricidade consumida, reparar contadores e quaisquer outros serviços inerentes ao cargo.
Na central eléctrica seria ainda provido um lugar de condutor de motores, com 500$00 de vencimento. Tinha como missão prestar serviço nocturno na central eléctrica, durante 15 dias. No resto do mês incumbia-se de contagens da água consumida no concelho, reparava e limpava motores, fechava e abria instalações de água e quaisquer outros serviços inerentes ao cargo.

(continua)

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Sousa Rego enviou a seguinte mensagem:
Cá estou eu outra vez com estas coisas do “centralismo alcochetano”.
É que,no início da década de 1940, como o texto revela claramente, o Samouco ainda” trabalhava a petróleo”.
Enquanto isso, na sede do concelho, imperava já o domínio da “- luz eléctrica-”.
Enfim,a Alcochete chegara , há muito tempo, o requinte da “civilização”.
Parece que para estas paragens sempre houve alguns com mais direitos do que os outros.
Os do Samouco, sempre poderiam dizer para Alcochete como o “Zé Fernandes” na obra de Eça de Queiroz a “Cidade e as Serras”:
-“Não Jacinto,Não…Eu venho de Guiães,das serras;preciso entrar em toda esta civilização,lentamente,com cautela,senão rebento.Logo na mesma tarde a electricidade,e o conferençofone ,e os espaços hipermágicos, e o feminista,e o étereo,e a simbolia devastadora,é excessivo!Volto amanhã”.-
A questão se coloca é precisamente a de saber se ,o Samouco, em relação à sede do concelho,a Alcochete, continua ainda a “trabalhar a petróleo”?
Infelizmente, quer-me parecer que sim e em relação a muitos aspectos da vida colectiva.
Algum dia o Samouco deixará de dizer-“Volto amanhã”-.


A minha resposta:
Não é verdade, na década de 40 pouca electricidade havia na iluminação de Alcochete. Era só para os ricos.
Pense nisto: não será que, ainda hoje, o município de Alcochete funciona a petróleo?

Sousa Rego envia segundo comentário sobre o texto acima:
Ainda a propósito, de no Samouco se ,-“ trabalhar a petróleo”-,diz-nos “Jacinto” do alto da sua “ civilização”,para o “Zé Fernandes,o tal que vinha do Samouco”:
-“Não vale a pena ,Zé Fernandes.Há uma imensa pobreza e secura de invenção!..
-Tu não os sentes ,Zé Fernandes.Vens das serras…
Pois constituem o rijo inconveniente das Cidades,estes sulcos!..É um dito que se surpreende num grupo,que revela um mundo de velhacaria,ou de pedantismo,ou de estupidez,e nos fica colado à alma,como um salpico,lembrando a imensidade da lama a atravessar.Ou então , meu filho,é uma figura intolerável pela pretensão,ou pelo mau gosto,ou pela impertinência ou pela relice,ou pela dureza,e de que se não pode sacudir mais a visão repulsiva…Um pavor, estes sulcos ,Zé Fernandes”-.(CFr. Eça de Queiroz,in a A Cidade e as Serras)
E o “Zé Fernandes”,o tal que vinha do Samouco, começou a tentar perceber alguma coisa.Em especial, o facto de se dizer que Eça de Queiroz,seja na “ A Cidade e as Serras”,como noutros textos , parece estar sempre actual.
Outros dizem que a história se repete!
Enfim,o “centralismo” pode ser tudo isto para o Samouco “ trabalhar a petróleo”-.

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