10 março 2009

Tenham vergonha! (2)

Não pretendendo intrometer-me num debate que decorre, mais abaixo, em comentários a propósito de um texto que escrevi sobre a Fundação João Gonçalves Júnior, venho clarificar a minha posição pessoal acerca da intromissão das maiorias autárquicas na aludida instituição.

1. Se D. Mariana Gonçalves decidiu que uma parte da sua fortuna deveria ser aplicada na "distribuição de uma sopa aos pobres da freguesia de São João Baptista, de Alcochete", através de uma fundação com o nome de seu pai, é dever da sociedade civil exigir que as suas últimas vontades sejam respeitadas;

2. Em finais de 1963, quando a Fundação João Gonçalves Júnior começou a funcionar, como existia (e continua a existir) uma "sopa dos pobres" na Santa Casa da Misericórdia de Alcochete a Comissão Administrativa da fundação resolve – dentro de uma interpretação extensiva dos fins testamentários definidos pela doadora – que a assistência a prestar aos pobres não seria restrita ao plano alimentar, até porque tais carências vinham diminuindo com o surto de industrialização local. Entendeu então essa comissão – e bem, em meu entender – que as carências educacionais eram tanto ou mais importantes como o pão para a boca e a criação de um jardim infantil preencheria essa lacuna, visto que muitas mães trabalhadoras não tinham a quem confiar os filhos durante o dia;

3. O que se passou na fundação depois do 25 de Abril de 1974 de momento interessa-me pouco, excepto que, há demasiado tempo e subvertendo completamente as últimas vontades de D. Mariana Gonçalves, as maiorias eleitas para o órgão administrativo Câmara Municipal de Alcochete põem e dispõem numa instituição privada de solidariedade social (IPSS) – caso que suponho único no país, porquanto há muito procurei informar-me e até à data não encontrei qualquer situação similar;

4. Contudo, nenhum órgão deliberativo ou executivo da câmara presta contas dessa actividade complementar aos munícipes. A fundação é uma espécie de "região autónoma" ou "couto privado" de maiorias autárquicas, embora explore salinas com financiamento municipal;

5. Questiono a vocação e qualificação de uma autarquia e dos seus eleitos para administrar uma IPSS. Aliás, em face do quadro legislativo que regula deveres, direitos e competências de eleitos e órgãos autárquicos, tenho sérias dúvidas que tal interferência seja sequer legal;

6. Para mim é ilegítimo que uma instituição destinada a famílias carenciadas esteja a colmatar deficiências da rede pré-escolar pública, por ser obrigação da autarquia e do Estado resolver em tempo útil os problemas desta;

7. Com excepção, eventualmente, de alguns progenitores privilegiados, não são do domínio público os critérios e prioridades de admissão de crianças na Fundação João Gonçalves Júnior, a qual tem um sítio na Internet onde tal informação está omissa. Aliás, esse sítio também não reproduz os estatutos da fundação, balanços e contas, composição dos órgãos sociais e muita outra informação que me parece legítimo exigir-se a uma IPSS com estas características. Inclusive, a história da fundação está deturpada;

8. Admito que seja necessária coragem política para devolver a fundação à sociedade civil. Mas é urgente fazê-lo por existirem problemas sociais delicados em famílias com fracos recursos económicos.

6 comentários:

Rogério Pedro disse...

Não queiram "os de direita" tirar proveitos políticos da Fundação!
Esta, estou certo, cumpre na íntegra o seu papel social!
Não foi, não é, e nunca será um antro político, nem motivo para campanhas eleitorais!
Nunca li neste blogue algo sobre o excelente papel social que aquela instituição desempenha, nem um elogio aos profissionais que lá trabalham!
É só dizer mal!
Pesquisem (porque é só isso que sabem fazer) o trabalho desenvolvido por algumas IPSS sedeadas em concelhos vizinhos e vejam as diferenças!
Conheço utentes cujos filhos frequentam tais IPSS e que pagam mais que no ensino privado!
E estou certo que em tais IPSS não existem utentes "grátis" ou a 20.00/mês, como foi referido no texto abaixo.
Em resposta ao que li em tempos neste blog, respondo da seguinte forma:
CERTAMENTE QUE NÃO É PELO TRABALHO DESENVOLVIDO NA FUNDAÇÃO JOÃO GONÇALVES JÚNIOR, QUE A D. MARIANA DÁ VOLTAS NO CAIXÃO!
SERÁ SIM, PELOS DISPARATES QUE SE ESCREVEM NESTE BLOG!

Sou um amigo da Fundação

Fonseca Bastos disse...

Implicitamente, sou levado a deduzir do comentário acima que "os de esquerda" tiraram ou tiram proveitos políticos da fundação, estando dispostos a impedir que "os de direita" façam o mesmo.
Conheço de ginjeira esta conversa da esquerda bacteriologicamente pura e da direita peçonhenta. Com ela pretende-se apenas condicionar a reacção das pessoas. Sucede que a questão não é ideológica mas de defesa de princípios como o respeito pela última vontade de uma moribunda, a ética, a honra, a dignidade e a transparência de processos.
Mal vão as coisas quando alguém que se diz de esquerda assume a quixotesca atitude de tentar tapar o sol com a peneira.
Surpreende-me que alguém venha aqui fazer a apologia de um sistema opaco e pouco consentâneo com o desejo expresso da instituidora. Decididamente, este alguém não pertence à esquerda mas será apenas canhoto. Em política prefiro ser ambidestro, aproveitando o melhor de ambos os lados e rejeitando o que me desagrada.
Oxalá a fundação cumpra o seu papel social, mas com tantas coisas escondidas ou mal explicadas parece-me legítimo ter dúvidas e pugnar para que sejam mais límpidas no futuro.
Não sou eu que tenho de explicar "o excelente papel social que aquela instituição desempenha", esse é um dever dos seus administradores e gestores. Já o fizeram? Quando e onde?
Estou-me nas tintas para a forma como são geridas as IPSS das redondezas. Contudo, conheço algumas do concelho vizinho e, por sinal, uma delas continua a ter como um dos principais benfeitores e membro dos seus órgãos sociais alguém que os comunistas de Alcochete sanearam.
Finalmente, creio transparecer deste diálogo algo em que os alcochetanos devem reflectir: toleram uma teia caduca e podre, cujos cabecilhas tentam passar incólumes simulando serem cegos, surdos e mudos. Falta-lhes coragem para reagir com o seu próprio nome, nunca reconhecem erros e usam caciques para o trabalho sujo.

Fonseca Bastos disse...

Parece-me oportuno reproduzir ainda parte de um texto do sociólogo António Barreto, publicado no «Público» de ontem:

"A ponto de se considerar que uma pessoa honesta “é parva” e “não sabe da poda”. Abundam os lugares-comuns que revelam que a honestidade não é um valor com muita saída. Quem defende a honestidade é considerado “ingénuo”. De alguém que perde tempo a escrever sobre a necessidade da honestidade na vida pública se dirá simplesmente que perde tempo com “sermões”. De um honesto se garante que nunca será rico nem irá muito longe na política. Um comerciante que não ”mete a unha” é palerma. Um corretor de bolsa que não usa informação privilegiada e não manipula os concorrentes é um mau profissional. Um político que, antes das eleições, não esconde as dificuldades, para só as revelar depois de ganhar, é um “tonto” e deveria mudar de profissão. Um empresário que nada oculta aos trabalhadores é um “samaritano” sem “killer instinct”. Um estudante que copia ou plagia só merece condenação se for descoberto. Aliás, se for “apanhado”, a complacência é de rigor."

Aeroporto de Alcochete disse...

Que bem que se expressam as incapacidades.
Há, lamentavelmente, muita parra e tão pouca uva.
Anos de escrita com um único lado do cérebro a funcionar deve ser doloroso.
Perdoai-lhes Senhor...

Rogério Pedro disse...

Realmente, o senhor Fonseca Bastos é dono absoluto da razão! Está sempre no lado correcto das coisas e possui uma visão pura e cristalina da polílita e das instituições!O senhor Fonseca Bastos é o melhor, o senhor Fonseca Bastos é que sabe! E só o senhor Fonseca Bastos é que é honesto!
Parabéns!

Fonseca Bastos disse...

Quem se irrita com as críticas está a reconhecer que as merece.
(Tácito)