Nada do que adiante escrevo é inteiramente novo. Consta de abundante documentação nacional e internacional que os decisores devem considerar quando confrontados com problemas delicados, nos quais estão em jogo interesses divergentes: de um lado promotores imobiliários e do outro cidadãos representados por instituições estatais e municipais.
A arquitectura não pode impor-se à Natureza. Cabe-lhe adequar e racionalizar os projectos visando o equilíbrio de recursos e a sustentatibilidade, sob pena de induzir efeitos profundamente negativos no meio aquático, no solo e na atmosfera.
A dimensão e características dos dois projectos pretendidos para a Praia dos Moinhos, na freguesia de Alcochete, indiciam sobretudo preocupações de acumulação de riqueza material, agravando o desequilíbrio entre áreas naturais e edificadas.
As actividades económicas previstas geram crescimento incontrolável em população e tráfego, matérias que os resumos não técnicos abordam insuficientemente mas justificadoras da imposição de alternativas consentâneas com a minimização de impactes negativos nos recursos naturais, nos consumos de energia e água e na gestão de resíduos.
Não vislumbro nos projectos suficientes objectivos de redução de:
– Consumo de recursos naturais;
– Produção de resíduos;
– Poluição do ar, do solo, da água e do ruído.
Além dos riscos ambientais, quase todos de médio e longo prazo, há também alguns imediatos, como os de coesão social: não estamos perante um projecto de requalificação da Praia dos Moinhos mas de transformação de secas de bacalhau abandonadas em condomínios fechados, embora a mínima parte do espaço seja susceptível de usufruto pelos residentes.
Num relatório elaborado em 2006, escrevem peritos europeus de ambiente que "a regeneração urbana deverá ser usada para alcançar os objectivos de desenvolvimento sustentável, mediante a reciclagem do solo anteriormente utilizado ou dos edifícios existentes, a conservação de espaços verdes e a protecção da paisagem, da fauna e da flora. Objectivos de sustentabilidade pormenorizados, incluindo o estabelecimento de relações ecológicas, uma melhor acessibilidade, eficiência energética e participação comunitária, deverão também ser perseguidos".
O Relatório Brundtland (World Commission on Environment and Development, 1987, p. 43) define desenvolvimento sustentável como "o desenvolvimento que satisfaz as necessidades actuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazerem as suas próprias necessidades" e a União Mundial da Conservação, do Programa das Nações Unidas para o Ambiente e do Fundo Mundial para a Natureza (1991) considera uma outra definição complementar: "Desenvolvimento sustentável significa melhorar a qualidade de vida sem ultrapassar a capacidade de carga dos ecossistemas de suporte".
O Conselho Internacional para as Iniciativas Ambientais Locais (1994) aplica esse conceito às zonas urbanas da Europa, nos seguintes termos: "o desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que presta serviços ambientais, sociais e económicos de base a todos os moradores de uma comunidade, sem ameaçar a viabilidade dos sistemas naturais, urbanos e sociais de que depende a prestação desses serviços".
Depreende-se disto que desenvolvimento sustentável é um conceito não circunscrito apenas à protecção do ambiente mas implicando preocupações com as gerações futuras, a salubridade e integridade da Natureza a longo prazo, a preocupação com a qualidade de vida, a equidade entre as pessoas no presente e entre gerações e as dimensões social e ética do bem-estar humano.
Isto conduz-nos a uma outra conclusão: o desenvolvimento deve situar-se dentro dos limites da capacidade de carga dos sistemas naturais.
Tanto quanto é possível depreender da documentação disponível para consulta pública, nada disso sucederá na Praia dos Moinhos, na qual, salvo melhor opinião, me parece terem sido realizados inventários e medições algo apressados e pouco aprofundados.
Por tudo isto e invocando ainda a maior parte do que lhe escutei, há semanas, durante um seminário realizado em Alcochete, peço-lhe a rejeição dos empreendimentos imobiliários previstos na Praia dos Moinhos, por a densidade de construção ser inapropriada num local de grande sensibilidade ambiental, inteiramente incluído na Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo, num Sítio da Rede Natura 2000 e confinando com uma zona sob gestão ambiental da Fundação das Salinas de Samouco onde a conservação da avifauna constitui também uma preocupação.
P.S. - Este texto foi citado no blogue «Alcochetanidades», agradecendo a Luís Proença a gentileza.
2 comentários:
Eu escrevi alhures, há tempo considerável, que estes autarcas acabariam por destruir completamente a Praia dos Moinhos.
Eu sou do tempo que ia à Praia dos Moinhos e estimava em quatro ou cinco mil as pessoas que lá estavam, na generalidade gente de poucas posses.
Doravante, só os muito ricos fruirão do panorama oferecido aos olhos a partir da Praia dos Moinhos.
As esquerdas são ambientalistas, mas isso não quer dizer que estejam preocupadas com o ambiente senão com o interesse delas.
Não há nem nunca houve uma política de esquerda para pobres. Em nome destes o que se faz é a revolução a favor de quem a desencadeia.
Esta voz já se fez ouvir decerto por alturas da construção da Ponte Vasco da Gama. O alarmismo ambiental esqueceu-se, dessa vez,de salientar que as salinas são obra de construção humana, aproveitadas por outras espécies em sã convivência.
Já se vêem flamingos ao passar na ponte, já repararam?
Se preferem terras ao abandono ainda têm muito interior e costa alentejana, cada vez mais perservadas naturalmente pelo lixo da pouca serventia, próprias para escavações arqueológicas e outras preocupações de momento.
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