04 outubro 2006

Desenrascar a saúde


Terei sido o primeiro a dar conta da triste notícia do encerramento das urgências do hospital de Montijo e volto à carga para alertar que as justificações oficiais apresentadas me parecem humana, social e constitucionalmente inaceitáveis.
Por isso deveriam suscitar, pelo menos em Alcochete, enérgicas intervenções e reacções colectivas, institucionais e políticas, embora nada mais tenha notado, até à data, que uns paninhos estendidos pelo PCP em vários locais do concelho.
Li a «Proposta da Rede de Serviços de Urgências», em apreciação pública até ao fim deste mês, que fundamenta o encerramento de 14 serviços de urgência hospitalar – entre os quais o do hospital de Montijo, que serve também Alcochete – e confesso que fiquei pasmado. Admiti até ter-me enganado e tratar-se de qualquer coisa relacionada com assistência veterinária. Mas não, o documento tem a chancela do Ministério da Saúde e o assunto é a prestação de cuidados de saúde a humanos em situações de emergência/urgência.
Pasmei por cinco razões.
Primeira, o ministro da Saúde dos humanos incumbiu um grupo de sumidades de justificar o injustificável, excepto a incapacidade do Estado em cumprir o art.º 64.º da Constituição da República Portuguesa.
Segunda, o ministro da Saúde dos humanos consentiu que sumidades perdessem tempo a inventar 36 páginas de bazófia economicista que prejudica o atendimento de cidadãos aflitos em serviços públicos de saúde. São afectados, nomeadamente, 15.000 residentes num concelho cujo centro de saúde tem (e continuará a ter) escassos meios humanos e técnicos e até o SAP funciona somente das 08h00 às 20h00 (com interrupção das 13h00 às 14h00, excepto para casos de emergência).
Terceira, o ministro da Saúde dos humanos não reparou no mais importante: as sumidades gastam várias páginas a explanar o transporte de doentes, que nunca foi um problema, mas esqueceram-se de fixar o tempo máximo de espera para o atendimento médico numa urgência hospitalar após a triagem definir o grau de prioridade do doente (normalmente identificado pelas cores laranja, amarela, verde e azul). Releiam, por favor, o caso verídico relatado neste texto. Hoje é quase certo que essa paciente ficará paralisada numa cama, até ao fim da vida, porque a isquémia foi tratada tardiamente.
Quarta, o ministro da Saúde dos humanos consente que as justificações para o encerramento das urgências do hospital de Montijo sejam somente estas: atendem menos de 150 utentes/dia, realizam menos de três cirurgias urgentes/dia, estão a menos de 30 ou 45 minutos de distância de outros hospitais (Barreiro e Almada) e o serviço de urgência hoje existente não estava formalmente previsto na Rede de Referenciação de Urgência/Emergência de 2001.
Quinta, mesmo para uma apreciação pública o ministro da Saúde dos humanos sanciona que, em caso de urgência/emergência, qualquer dos 15.000 residentes em Alcochete seja atirado para hospitais cuja espera nas urgências (após triagem) já hoje chega a ser de várias horas.
Continuem a ter medo de manifestar o vosso direito à indignação...

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu amigo, para mim o problema não é ter medo.É pregar para os peixes.

Li a proposta (minto, li alguns itens da mesma, já que aquilo me enjoou, com tantas mentiras).Até achei graça às comparações com os Estados Unidos da América, Reino Unido, Alemanha (estes são países aonde já tive necessidade de ir a Urgências-veja que utilizo maiúsculas- e aonde fui tratado muito bem, até com tradutor).

No meio disto tudo, só pergunto, em relação a Alcochete, quando alguém, depois das 20hs tiver uma subida grave de tensão, uma cólica, uma cabeça partida,etc.,etc.etc. o que faz? Chama INEM/Ambulância (com um entendido) e vai para o Barreiro e depois, como vão estar lá processos muito mais importantes, è deixado até ao dia seguinte?


Não sei se já leu um artigo que vem na Visão de hoje com o título "Onde os políticos se tratam"? Tem graça. Duma forma geral nos Serviços Públicos, puder, não vão para as filas...

Fonseca Bastos disse...

Os políticos e os altos quadros da administração pública tratam-se nos serviços públicos mas nunca recorrem às urgências gerais dos serviços públicos.
O cerne do problema reside, há muito, nas urgências e eles sabem-no.