23 fevereiro 2006

Quando jornalistas perdem o olfacto

Para tentar melhorar um pouco a auto-estima, nasceu um novo estilo de governação. Baseia-se em operações de marketing comunicacional. A maioria dos cidadãos nem dá por isso. Mas elas existem. Quase diariamente aparecem notícias cor-de-rosa para disfarçar as negras que tanto nos incomodam.
Anunciam-se intenções e investimentos de milhões para branquear coisas que nunca mais aparecem, como as prometidas e ansiadas reformas de fundo. Soluções para o subemprego, o trabalho temporário e o desemprego; a despesa pública suportada pelo crescente aumento dos impostos; a inexistência de alternativas profissionais, etc.
Enquanto isso, é crescentemente visível que viver em Portugal está mais difícil e o moral dos cidadãos anda pelas ruas da amargura. Ninguém pode chegar ao cherne nem ao lombo de vaca. Leva-se carapau e alcatra, na melhor das hipóteses.
Calotes levaram à penhora de 3.000 carros por mês, o ano passado. E o fisco tem mais de 100.000 imóveis para penhorar.
A crise é tão séria que se detecta até na estrada. No passado fim de semana, numa ida ao Algarve, comprovei haver mais tráfego na estrada antiga que na auto-estrada.
Tanto à ida (sábado), como à volta (segunda-feira), fiz percursos mistos para tirar a coisa a limpo.
E nos três restaurantes algarvios que frequentei, durante dois dias, eu e quem me acompanhava fomos os únicos portugueses sentados à mesa.
É difícil perceber as vantagens, para o país e para a maioria dos portugueses, de certos investimentos cor-de-rosa que têm sido anunciados.
Hoje anda na berlinda mais um, de 900 milhões de euros, no negócio do papel. Leiam todas as notícias sobre o assunto. Leiam e depois digam-me se não vos parece ser negócio um pouco estranho entre o Estado (que somos todos nós) e privados, a propósito de uma das indústrias mais poluentes do mundo.
Refiro em especial este porque nos toca pela proa. Embora estejamos a algumas dezenas de quilómetros de distância, frequentemente o cheiro entra-nos pela casa dentro. E quase sempre de noite.Trata-se da fábrica de pasta de papel da Portucel, localizada na Mitrena (Setúbal).
Tenho dificuldade em perceber como podem os meios de comunicação deixar-se embalar por uma propaganda que valoriza números mas omite ou suaviza pormenores como a poluição do ar e das águas, a "reeucaliptização" do país, etc.
Mais incrédulo fico por verificar que até jornalistas habitando na própria cidade de Setúbal (refiro-me, em concreto, a dois jornais electrónicos), possivelmente convivendo com o cheiro nauseabundo dessa fábrica, reproduzem hoje notícias assépticas, perderam de repente o olfacto e nada esclarecem sobre soluções para o desagradável problema que afecta centenas de milhar de cidadãos.
Ando nisto da informação há 40 anos e nunca vi tanto ingénuo encartado!

5 comentários:

Anónimo disse...

Caro Sr Bastos, não me parece ingenuidade.
Nem dos jornalistas "encartados", nem dos demais cidadãos.
O que me parece estar a dominar este pais é RESIGNAÇÃO, pura e dura.
Portugal está numa fase de desistência...

Fonseca Bastos disse...

Até quando?

Anónimo disse...

Até um ponto de ruptura!

Unknown disse...

Se a ruptura for para restituir Portugal a Portugal...contem comigo!

Anónimo disse...

O problema é que as rupturas são processos caóticos, imprevistos, implaneáveis...