21 fevereiro 2006

O poder e as pessoas

Autor: Bruno Morais (director do blog «Escândalos no Montijo»)
Texto enviado a propósito deste artigo


O poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas.

O psicanalista J. Lacan, observou que a partir do momento em que alguém se vê "rei", ele muda sua personalidade. Um cidadão qualquer quando sobe ao poder, altera seu psiquismo. Seu olhar sobre os outros será diferente; admita ou não ele olhará "de cima" os seus "governados", os "comandados", os "coordenados", enfim, os demais.
Estar no poder, diz Lacan, "dá um sentido interiormente diferente às suas paixões, aos seus desígnios, à sua estupidez mesmo". Pelo simples facto de agora ser "rei", tudo deverá girar em função do que representa a realeza. Também os "comandados" são levados pelas circunstâncias a vê-lo como o "rei do pedaço".
La Boétie parecia indignado em perceber o quanto o lugar simbólico de poder faz o populacho se oferecer a uma certa "servidão voluntária". Bourdieu chama-nos atenção para a força que o símbolo exerce sobre os indivíduos e grupos. Antes de ocupá-lo, o poder atrai e fascina; depois de ocupado tende a colar a alguns como se lhes fossem eterno. Aí está a diferença entre um Fidel Castro e um Nelson Mandela.
O primeiro e a maioria dos ditadores pretendem se eternizar no poder, o segundo, mais sábio, toma-o como transitório, evitando ser possuído pelo próprio. ("Possuído", sim, pois o poder tem algo de diabólico, que tenta, que corrompe, etc).
Uma vez no poder, o sujeito precisará de personas (máscaras) e molduras de sobrevivência. A persona serve para enganar a si e aos outros. A moldura, é algo necessário para delimitar simbolicamente a acção dele enquanto representante do poder. A ausência de moldura ou o seu mau uso fará irromper a força pulsional do sujeito que anseia por mais e mais poder, podendo vir a se tornar uma patologia psíquica. A história colecciona exemplos: Hitler, Stalin, Mobutu, Collor de Melo, Pol Pot, Idi Amim, etc.
No filme As loucuras do rei George III, da Inglaterra, somos levados a perceber duas coisas: o quanto que as pessoas recusavam a ideia de um rei que perdeu a razão em função de uma doença e, que fazer para impedir alguém que representa o poder máximo de uma nação, devido a suas loucuras? O poder faz fronteira com a loucura.
Não é sem motivo que muitos loucos se julgam Napoleão ou o Rei Luis XV. Parece que há algo de "loucura narcísica" nas pessoas que anseiam chegar ao poder político (governante de uma cidade, estado ou país, ministro, membro do secretariado local), ou ao poder de uma instituição, empresa, departamento, pequeno sector de uma organização qualquer ou grupo qualquer. O narcisismo de quem ocupa o poder, revela-se na auto-admiração (o amor a si e aos seus feitos), na recusa em aceitar o que vem dos outros e no gozo que ele extrai do poder, que, levado ao extremo poderia revelar loucura. R. Kurz, é directo ao declarar que "o poder torna as pessoas estúpidas e muito poder, torna-as estupidíssimas".
O sociólogo M. Tragtenberg certa vez observou como muitos intelectuais discursam uma preocupação pelo "social", mas estão mesmo preocupados com a sua "razão do poder". Há uma espécie de "gozo louco" pelo poder, que faz subir a cabeça dos que estão jogando para ganhá-lo um dia.
Do ponto de vista psicológico, observa-se que o poder faz o ocupante perder a própria identidade pessoal e assumir outra, contornada pela "forma" do próprio poder. Os cargos executivos (presidente, governador, vereador, director, reitor, etc), tem uma forma própria, um lugar que marca uma certa diferença em quem a ocupa em relação aos cargos de segundo escalão (ministros, secretários disso e daquilo, chefes de gabinetes, assessores, etc). As "pequenas autoridades" dos escalões inferiores – mas com algum poder – costumam ter atitudes mais protofascistas que as grandes. São mais propensas a "vender sua alma ao diabo" que as grandes para estar no poder.
O psicólogo Ricardo Vieira, da UERJ, levanta os quatro primeiros indicadores de mudanças que ocorrem com as pessoas que chegam ao poder:
1) no modo de vestir: o terno, a gravata, o blazer e o tailleur que, antes eram utilizados em circunstâncias especiais, passam a ser usados quotidianamente, mesmo quando não é necessário utilizá-los. Alguns demonstram certo constrangimento em trocar a surrada camisa e passar a usar um blazer ou uma camisa de linho, pelo menos nas ocasiões especiais. Se antes usava um cabelo comprido, despenteado, logo é orientado a cortá-lo, penteá-lo, dar um trato.
2) mudam as relações pessoais: os antigos companheiros poderão ser substituídos por novos, que o leva a sentir-se menos ameaçado. O sentimento persecutório de "ser mal visto", precisa ser evitado a qualquer preço por quem ocupa o poder.
3) altera o tratamento com o outro, que torna-se autoritário com seus subordinados; gritos e ameaças passam a ser seu estilo. Certa vez, perguntaram a um Presidente da República se era melhor ser amado que temido? "os dois mas se houver necessidade de escolha, é melhor ser temido do que amado".
4) mudam os antigos apoios e alianças. Aqueles que o apoiaram a chegar ao poder, transformam-se em arquivos vivos dos seus defeitos. O poder leva à perda de identificação com os antigos colegas de profissão.
5) Resistência em fazer auto-crítica. Antes, vivia criticando tudo que era governo ou tudo que constituía como efeito de governo. Mas, logo que passa a ocupar o poder, revela "sua outra face", não suportando a mínima crítica. O poder os torna cegos e surdos a crítica.
Numa pesquisa constatou-se que os profissionais de academias apreciam criticar a tudo e a todos, mas são pouco eficazes na crítica para consigo mesmos. Enquanto só teorizavam, nada resolviam, mas quando passam a ocupar um cargo que exige acção prática, terá que testar a teoria; agora é que "a prática se torna o critério da verdade”. Por falta de referencial e por excesso de idealismo, é frequente ocorrerem bobagens e repetições dos antigos adversários, tais como: fazer aumentos abusivos de impostos, aplicar multas injustas, discursos cínicos para justificar um acto imoral de abuso de poder, etc. Há um provérbio oriental que diz: "quem vence dragões, também vira dragão".
Os sujeitos quando no poder protegem-se da crítica reforçando pactos de auto-engano com seus colegas de partido. Reforçam a crença de que representam o Bem contra o Mal, recusam escutar o outro que lhe faz crítica e que poderia norteá-lo para corrigir seus erros e ajudar a superar suas contradições. Se se entrincheirarem no grupo narcísico, o discurso político tornar-se-á dogmático, duro, tapado, e podemos até prever qual será o seu futuro se tomar o caminho de também eliminar os divergentes internos e fazer mais acções de governo contra o povo, "em nome do povo".
Infelizmente assim é o poder: seduz, corrompe, decepciona e faz ponto cego e surdo nos seus ocupantes temporários.

1 comentário:

Anónimo disse...

Depois de um longo estudo, o pesquisador inglês Glen Newey concluiu que mentir é uma parte importante da política moderna.
"Os políticos precisam ser mais honestos em relação ao hábito de mentir", declarou Newey, que é cientista político.
De acordo com o pesquisador os eleitores esperam que os políticos mintam em algumas circunstâncias, e, às vezes, até exigem que isso ocorra e ocasionalmente, elas podem ser inteiramente justificadas, como no caso da segurança nacional estar em risco.
E o público até espera ter o "direito de ser enganado" em casos nos quais não espera que lhe seja contada toda a verdade, como o Estado da Nação ou a sua Económica .
Ele afirma que principal causa da mentira é um crescente controle do público sobre áreas que o governo preferiria não discutir - se os eleitores fizessem menos perguntas, os políticos lhes contariam menos mentiras.
"Quando jornalistas ou parlamentares começam a investigar em áreas que o governo quer manter em segredo, você estará entrando mais e mais no território da mentira", disse Newey.

Bruno Morais