08 fevereiro 2006

De conquista do povo a pantanal

Versão corrigida e aumentada

O poder local democrático foi, durante certo tempo, uma das referências da revolução de 25/4. Era uma das conquistas do povo, dizia-se.
Pouco mais três décadas volvidas ninguém pensa o mesmo. A maioria dos cidadãos virou-lhe as costas. Cresce a abstenção eleitoral. Em Alcochete, no passado mês de Outubro, de longe o partido mais votado foi o dos ausentes.
Em todo o país, raros grupos de cidadãos se apresentam a sufrágio. Os partidos enfrentam dificuldades na hora de organizar as listas. Por alguma razão, nas últimas autárquicas, em Alcochete, dezenas de pessoas que os partidos queriam recusaram-se a participar. Até entre militantes fiéis houve inúmeras negativas, acabando todas as listas maioritamente preenchidas por independentes. Alguns só souberam disso no dia em que lhes pediram para assinar papéis!
Talvez com razão, há quem considere o poder local um pântano de água pútrida. O sindicato dos presidentes de câmara acha que não. Sou menos radical em ambos os sentidos. Creio que a água não será cristalina, considerando que originou, entre 2002 e 2005, quase metade das investigações da Polícia Judiciária em matéria de corrupção. Alcochete esteve na lista mas o processo já não consta da agenda policial, como se depreende desta notícia. Contudo, há poucas semanas os documentos apreendidos faz amanhã um ano não tinham ainda regressado ao município.
Nenhum dos vícios das autarquias se resolve por decreto. O Estado é incapaz de regular o funcionamento delas, embora disponha de órgãos e de mecanismos legais para o efeito.
Também já não basta mandar a polícia investigar. Os corruptores não usam cheques nem exigem recibos de quitação. Os corrompidos têm tantos telemóveis anónimos quantas as necessidades de despistagem e guardam as receitas em paraísos fiscais. Quem sopra no trombone mete-se em sarilhos.
Quando até quem sempre proclamou que o poder local democrático era conquista do povo, uma vez chegado ao poder fecha-se no casulo e manda a coerência às malvas, terão de ser os cidadãos – principais contribuintes líquidos e vítimas do sistema – a virar as coisas do avesso.
Exigir informação, explicações e transparência aos seus eleitos locais, estejam eles no poder ou na oposição. Denunciar casos de laxismo ou de duvidosa legitimidade.
Quem tiver a memória curta observe o significado profundo destas e destas imagens (obrigado TóColante). Há também memória muito recente.

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