Segundo o Dictionnaire Latin Français de Gaffiot, conhecido em todos os departamentos de estudos clássicos das Universidades do Mundo, a palavra religião (religio) relaciona-se com o tema de relegere que significa repassar pelo pensamento (repasser par la pensée), isto é, trazer de novo à memória.
Por mais aparentemente estranho que possa parecer a algumas pessoas, eu vejo-me forçado a aludir à Eucaristia, microcosmo sacramental que rememora minuto a minuto, por toda a face da Terra, a Criação.
Também há qualquer coisa de sacramental na Corrida de Toiros. Na verdade, a repetição ritual deste espectáculo repassa à frente dos nossos olhos a obra da Criação do Mundo, a grande anáfora.
Em conclusão, a Corrida de Toiros não é só de raiz intrinsecamente religiosa por cada Praça de Toiros dispor de uma capela e o sinal da Cruz ser escudo de cavaleiros, toureiros e forcados, mas fundamentalmente por ser imago mundi, quer dizer, uma imagem do mundo, devolvendo este ao seu significado original que é limpo.
4 comentários:
Lido:
“a Corrida de Toiros não é só de raiz intrinsecamente religiosa … fundamentalmente por ser imago mundi, quer dizer, uma imagem do mundo, devolvendo este ao seu significado original que é limpo.”
Caro Marafuga, estamos a ficar pagãos?!
O Renato não percebeu logo o sentigo global das minhas palavras.
Para mim, a Corrida de Toiros é "imago mundi", mas imagem de um mundo cristão. Neste, cada homem faz o seu destino, ao contrário do mundo pagão que se subordinava àquele inexoravelmente.
Se a minha visão das coisas fosse a que lhe pareceu, todo o meu discurso era uma contradição. São as esquerdas à escala planetária que querem voltar ao paganismo, sonho também dos fascismos italiano e alemão. Este ponto de contacto poderá surpreender muita gente, mas não certamente o meu amigo.
Vê-se facilmente que do meu discurso sobre a Festa de Toiros emerge toda uma visão cristã do homem e do mundo. Nisto não há nada de novo, mas sim o génio sincrético do cristianismo ao longo dos séculos.
Veja o Renato que o próprio rito eucarístico já era anterior a Jesus Cristo, mas o Evangelho da Cruz pegou nele e redimensionou-o ao Infinito.
Mas se é assim, se "o próprio rito eucarístico já era anterior a Jesus Cristo", não estaremos a retirar o factor revolucionário da mensagem de Jesus? O que disse, caro Marafuga, induz-me na confusão: afinal, "a nova e eterna aliança", não é nova!
Por outro lado, como se compagina o fundo de liberdade, que o caro Marafuga diz que o cristianismo confere, com algo de ritual e determinado como será a corrida de touros nos termos em que descreveu?
O facto de a Eucaristia proceder de um gesto bem comum entre os Judeus no tempo de Jesus (benção e partilha do pão), não diminui absolutamente em nada o novíssimo olhar dos cristãos sobre a mesma, antes é condição "sine qua non" para a instituição sacramental desse rito antiquíssimo.
O Renato não esqueça que foram umas vasilhas de barro velhas as aproveitadas para o vinho novo das Bodas de Caná (João, 2, 1-11), imagem sublime da Nova Aliança.
Toda a religião que religião seja é tradição que decorre do princípio do tempo (in principio creavit Deus caelum et terram), inclusive, de um pré-tempo ou não tempo. Simultaneamente, a tradição exige a união com a renovação. Aquela e esta cruzam-se porque só unidas são.
Mas os movimentos de translação e rotação da terra, as estações e os dias, as fases da Lua, etc., não são determinados por leis universais? No que é que isto interfere com a minha liberdade? Esta tanto mais se amplificará quanto mais se impuser a regra.
Ora a boa regra é sempre determinada, não no sentido fatalista, mas no da liberdade.
Deus é a Vida. Deus é o Amor. Ele é a Regra das regras. Este Princípio de Ordem Superior vejo-o eu reflectido na Corrida de Toiros porque este espectáculo é uma sucessão de rituais determinados dentro dos quais é possível toda a liberdade criativa.
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