11 novembro 2008

Municipalismo de outrora (4): baldios a preço de saldo

Baldio vendido pelo município, em 1941, à razão de $30 por metro quadrado,
no terreno desta antiga seca de bacalhau surgirá em breve um empreendimento turístico
.


Primeiro texto desta série.
Segundo texto
Terceiro texto

Tal como hoje sucede com a Assembleia Municipal, antes de 1974 o órgão deliberativo dos municípios era o Conselho Municipal, ao qual competia a ratificação da maioria das decisões do executivo camarário. Numa leitura cruzada a duas ou três actas desse órgão, respeitantes à década de 1940, depreendo representarem outro valioso e talvez mais esclarecedor manancial de informação municipal do passado.

Entre outras funções, o Conselho Municipal emitia pareceres sobre a venda de baldios camarários em hasta pública, os quais – segundo legislação então vigente – podiam ser alienados se inaproveitados há mais de 10 anos, independentemente do respectivo valor agrícola.
Em 1938, um baldio com 828m2, sito nos Barris (à entrada da estrada da Atalaia, na freguesia de Alcochete), foi colocado em hasta pública com uma base de licitação de $50 por metro quadrado, preço na época comum em todos os baldios municipais. Mas não em todos, como se verá adiante.
A câmara também investia na florestação de baldios por si administrados. Numa acta de Abril de 1939 é autorizado o pagamento de 66$00 a António Campos Peralta, que vendera 22 varas de eucalipto para serviço de arborização de baldios.
Em Outubro de 1939 a câmara decide cobrar 10$00 anuais pelo arrendamento de um pequeno baldio no Moinho da Praia. Em Outubro do ano seguinte, a outro baldio situado na mesma zona é fixado o arrendamento anual de 50$00.
Depreende-se das actas que, em meados de 1940, a câmara seria proprietária de baldios nos Barris, nos Moinhos da Praia (área actualmente denominada Praia dos Moinhos) e no sítio das Hortas.
Sobre baldios há uma referência interessante na acta da sessão de 1 de Agosto de 1941, elucidativa de que principiava a era da industrialização de Alcochete.
Na sessão deferem-se requerimentos das primeiras empresas industriais interessadas em adquirir terrenos para a sua instalação e o chefe da edilidade, Francisco Leite da Cunha, dita para a acta uma longa e esclarecedora moção, que permite depreender das suas preocupações sobre o desenvolvimento do concelho.
No primeiro requerimento mencionado, a firma Bacalhau de Portugal, Ld.ª, com sede em Lisboa, pede que seja posta em praça para alienação uma porção de terreno baldio sito nos Moinhos da Praia (actual Praia dos Moinhos), com a área aproximada de 40 000m2, com a base de licitação de $25 por metro quadrado (trata-se do terreno da seca de bacalhau situada atrás do Fórum Cultural e a Poente do restaurante O Arrastão).
Nos mesmos termos é decidido deferir um requerimento da Cerâmica de Alcochete, Ld.ª, pedindo que seja posto em praça para alienação outro terreno baldio sito nos mesmos Moinhos da Praia, com a área aproximada de 2 735m2.
É ainda deferido um terceiro requerimento da firma Indústria de Cortiça, Ld.ª, com sede na vila, pedindo que seja posta em praça para alienação uma porção de terreno baldio sito nas Hortas, com a área aproximada de 8 000m2, com a base de licitação de $25 por metro quadrado.
Os dois primeiros terrenos são adjacentes e perduram, há décadas, dúvidas e boatos acerca dos mesmos, porque os baldios normalmente iam a hasta pública a $50/m2 mas os três referidos foram alienados por valor muito inferior. Embora a fundamentação da venda a preço de saldo conste da acta e pareçam atendíveis as razões, dadas as dificuldades de desenvolvimento do concelho na época, entre os mais antigos alcochetanos ainda hoje persistem algumas interrogações. O caso terá voltado novamente à baila pouco depois da revolução do 25 de Abril.
Na página 31 do livro de actas municipais n.º 32, deparei com um pedaço de folha de agenda do dia 21 de Fevereiro de 1975 – um período politicamente conturbado – marcando a página que contém o assento da alienação definitiva dos terrenos a $30/m2. Esse assento foi redigido duas sessões após a recepção das propostas, não pelo secretário da câmara porque a caligrafia é diferente.
Consultei a escritura da venda do terreno dos Moinhos da Praia e nela figura como outorgante, em representação da adquirente, o proprietário e industrial Alberto da Cunha e Silva, residente na vila, que assina na qualidade de sócio-gerente da Bacalhau de Portugal, Ld.ª. Trata-se de pessoa que detinha um terreno adjacente, confrontando a Sul com aquele que a câmara venderia por 17 576$70 (valor equivalente a 5% do seu orçamento anual na época).
Fica por explicar a divergência de áreas: no requerimento dirigido à câmara, a Bacalhau de Portugal menciona a avaliação de 40 000 metros quadrados, mas na escritura estão indicados 58 589m2. No original da escritura, arquivado na câmara, há vários sublinhados a lápis.
Para adensar o mistério, pouco mais de um mês após a celebração da escritura o gerente da Bacalhau de Portugal é guindado à presidência da câmara, em substituição de Francisco Leite da Cunha. O mandato de Alberto da Cunha e Silva seria breve e, como veremos mais tarde, após a sua saída a vereação recusar-se-ia a pagar uma baixada eléctrica, facturada à câmara apesar da instalação respeitar à Bacalhau de Portugal.


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