19 novembro 2008

Municipalismo de outrora (5): moção sobre baldios

Armações (hoje inexistentes) para secagem de bacalhau na Praia dos Moinhos.
Antes da construção desta seca o terreno era baldio municipal.



Depreende-se do artigo anterior sobre este tema que, a partir de finais da década de 1930, se intensifica a venda de baldios municipais em Alcochete, que normalmente iam a hasta pública a $50 por metro quadrado, embora com polémicas excepções, como foi o caso, entre outros, do terreno da primeira seca de bacalhau (situada atrás do fórum cultural).

Interessante peça política é a moção que o então presidente da câmara, Francisco Leite da Cunha, dita para a acta da sessão de 1 de Agosto de 1941, na qual são apresentadas as propostas de compra de baldios nos Moinhos da Praia (hoje Praia dos Moinhos) e nas Hortas, moção reveladora de preocupações e de perspectivas acerca do desenvolvimento do concelho na época.
Transcrevo integralmente essa moção, aprovada por unanimidade, recordando ser da autoria de alguém que, além de chefe da edilidade durante muitos anos, foi professor do ensino primário e pessoa com uma cultura acima da média para a época:
"Nada menos de três requerimentos, apresentados por outras tantas entidades, são hoje patentes à apreciação da câmara.
"Os baldios constituem parte integrante do património municipal e, ano a ano, vários requerimentos são submetidos à sanção e despacho da câmara e todos têm obtido deferimento.
"É, porém, fora de toda a dúvida que, quer pela extensão dos terrenos cuja compra se pretende, quer pela finalidade a que os destinam os requerentes, claramente indicada nos requerimentos de cada um deles, não deve a câmara cingir-se às normas em uso em casos análogos, visto que a operação a realizar transcende em muito e sob todos os aspectos, tudo quanto até hoje de semelhante se tem efectuado.
"Conclui-se facilmente de um dos requerimentos que a finalidade do requerente não é outra que não seja assegurar o futuro e possivelmente maior incremento da indústria que já explora [secagem de bacalhau]; da apreciação dos dois outros requerimentos [para indústrias de cerâmica e de cortiça] igualmente se verifica que existe o desejo de proceder à montagem e instalação de estabelecimentos industriais, sem qualquer relação ou afinidade com outra indústria já existente e também absolutamente díspares entre si mas de cuja actividade e acção futura são de esperar os mais benéficos e lisongeiros reflexos na vida do concelho.
"Se cotejarmos o desenvolvimento e progresso dos concelhos da margem sul do Tejo, vizinhos deste de Alcochete, com o marasmo e estagnação de vida do nosso, impõe-se como verdade axiomática a afirmação de que o próspero desenvolvimento daqueles constitue função do seu desenvolvimento industrial, do qual Alcochete não aproveitou por razões bem sabidas e conhecidas.
"A margem sul do Tejo era a região ideal para a laboração e transformação de todas as matérias primas produzidas pela rica província do Alentejo, desde o momento que entre eles se estabelecesse um sistema rápido, barato e cómodo de comunicações. Uma vez que ele se estabeleceu, era fatal assistir-se à industrialização de toda a margem sul, movimento esse de que Alcochete não beneficiou exactamente porque essas comunicações se não estenderam até cá.
"Nesta conformidade, continuou o concelho de Alcochete quase limitado às suas tradicionais fontes de vida: cultura das terras, a lavra das salinas e o tráfego do rio.
"Destas três fontes de vida, o desenvolvimento da última constitue função do grande florescimento ou decadência das duas primeiras, tão intimamente lhes está subordinada.
"Ora, não é segredo para ninguém o quanto, mercê de circunstâncias de ordem vária, a agricultura tem decaído no concelho. A apreciação das determinantes deste fenómeno alarmante, e de todas as suas graves consequências, levar-nos-ia muito longe; basta, por isso, que digamos que os consideramos como fatais e irremediáveis, exactamente porque os conhecemos e temos estudado.
"Resta, pois, considerarmos como factor económico de valor a lavra das salinas.
"É todavia justo que vejamos que não podemos julgar como elemento de influência num ulterior progresso e desenvolvimento concelhio, a sua exploração.
"Não nos resta dúvida alguma que qualquer modificação no ritmo da mesma se viria projectar perigosamente na já precária vida económica do concelho, mas isso constituiria apenas o agravamento daquilo que está já mau e que passaria então a estar péssimo.
"Sendo assim, parece-nos ser de justiça considerar tal género de actividade unicamente factor imprescindível de estabilidade económica concelhia, o que já não é pouco, isto a menos que o sal não venha a constituir num futuro próximo factor de prosperidade, pelo seu aproveitamento como matéria prima, à semelhança do que já acontece noutros pontos. Esboçada assim a traços largos a situação das três principais fontes de vida do concelho e não podendo tomar em consideração qualquer das outras actividades, que nele se exercem pelo carácter transitório e aleatório que a todos informa – excepção feita talvez da construção naval, que se está tornando progressiva e florescente – a câmara reconhece como sendo uma necessidade vital o estabelecimento de indústrias na área do concelho.
"Assim, proponho:
"1.º - A câmara acolhe com prazer todas as tentativas tendentes a montar indústrias no concelho, ou que visem o desenvolvimento das que nele são já existentes;
"2.º - A câmara reconhece o dever que se lhe impõe de estimular e auxiliar todas as iniciativas deste género e nestes termos:
"Considerando que à câmara foi requerida, pelas firmas Cerâmica de Alcochete, Indústria de Cortiça e Bacalhau de Portugal, a venda em hasta pública de três porções de terreno baldio que se destinam respectivamente a assegurar a continuidade da indústria que já exercem, a montagem de uma fábrica de cortiça e a montagem de uma seca de bacalhau;
"Considerando que à câmara não pode deixar de merecer o maior, mais justo e legítimo interesse a finalidade a que se destinam os terrenos cuja venda lhe é requerida;
"Considerando que nos termos do preâmbulo desta moçõa, dos seus números 1.º e 2.º e dos anteriores considerandos, não é de admitir o critério que a câmara tem adoptado em todas as outras vendas de baldios que formam parte do património municipal, mas que salvaguardando os seus justos direitos, dos anteriores adquirentes de outras porções de baldios municipais e dos proprietários confinantes com os baldios cuja venda ora lhe é solicitada, a câmara resolve despachar favoravelmente todos os requerimentos, fixando em $25 o preço base de licitação de cada metro quadrado dos terrenos a pôr em hasta pública".


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