23 novembro 2006

Americanos ricos e patos bravos

Não me oponho ao desenvolvimento. Pelo contrário, entendo que para melhor deve mudar-se sempre, desde que se respeitem a Natureza e o bem-estar da comunidade.
Mas o desenvolvimento apregoado em campanhas eleitorais tem sido distinto do que se observa na prática. Para caçar votos pintam-se as coisas em tons cor-de-rosa, embora tempos depois se descubra ser conversa da treta.
Tenho escrito isto vezes sem conta: individualmente ninguém conseguirá forçar a mudança de atitude dos eleitos locais. Apenas reacções e mobilização significativas terão sucesso.
Encaro com reservas o assunto tratado num aviso do município, publicado em suplemento ao «Diário da República» de ontem (ver pág.3), respeitante a um projecto do proprietário da Herdade da Barroca d'Alva, congelado desde 1998 por razões ambientais.
Aviso que, nos termos legais, é de publicação imperativa e tem a finalidade de recolher sugestões e informações prévias.
Nunca há leis perfeitas e esta, reguladora da elaboração de planos municipais de ordenamento do território, deixa campo de manobra suficiente aos autarcas para cumprirem um formalismo sem revelarem, previamente, quaisquer estudos ou anteprojectos existentes.
Nada na lei impede o poder local de ter uma postura transparente, coerente e pedagógica. Mas da teoria à prática a distância é grande e, devido ao desconhecimento geral sobre a matéria em apreço, considero improvável qualquer reacção sobre assunto de tamanha relevância.
Normalmente a memória humana é curta e talvez já ninguém se recorde que o "megaprojecto" da Barroca d'Alva foi um dos temas que, em 2001/2002, os socialistas usaram para desgastar a imagem dos comunistas. A polémica durou semanas e encheu páginas de um jornal do concelho vizinho, cujo chefe de redacção viria a ser assessor de informação do novo poder.
Dois anos e meio depois assisti a uma conferência de Imprensa em que os comunistas classificavam o empreendimento da Barroca d'Alva como megalómano, bem como a debates autárquicos de que anotei acusações mútuas de incoerência.
O chefe da edilidade confirmava então que o público-alvo não se encontra no mercado nacional e que todo o núcleo turístico foi pensado para atrair americanos endinheirados, "pessoas que aliam o golfe aos negócios".
Agora que os papéis políticos se inverteram, novamente, delibera o executivo camarário "reiterar a intenção de dar seguimento ao Plano de Pormenor do Núcleo de Desenvolvimento Turístico da Barroca d’Alva".
Estranho que, tendo tal sido decidido há meses, não haja uma palavra de esclarecimento em parte alguma, nomeadamente no boletim municipal e no sítio da Internet, suportes informativos pagos com o nosso dinheiro e que deveriam servir para algo mais útil que a promoção da imagem pessoal de autarcas.
Sobre o projecto da Barroca d'Alva há muita coisa a carecer de clarificação. Por exemplo: a área contemplada voltou a crescer? Em 2001 eram 362 hectares, em 2004 saltou para 415 hectares e agora são já 444,6 hectares (equivalentes a cerca de 540 campos de futebol).
A este projecto chamei em tempos 'Nova Alcochete', cuja área é superior à da freguesia de São Francisco, contemplando muitas centenas de vivendas turísticas (outra informação a carecer de esclarecimento, porque ao longo do tempo o número varia entre 632 e 811), um hotel de luxo, campo de golfe e outras coisas boas e más.
Há na Internet informação suficiente sobre os inúmeros problemas ambientais causados pelos campos de golfe, pelo que me dispenso de escalpelizar o assunto.
Mas poucos sabem que, até meia centena de quilómetros de distância, a capital está rodeada de campos de golfe, a maioria sem procura suficiente que justifique a sua problemática existência.
Porque desertos ou não, os campos de golfe afectam os recursos aquíferos. Daí a necessidade de prudência na avaliação do custo e benefícios inerentes a tais equipamentos desportivos.

Questões ambientais impedem, há muitos anos, a concretização do projecto da Barroca d’Alva. Por isso desejo que os oito anos de impasse tenham sido aproveitados para repensar o assunto com realismo e segundo as melhores práticas nacionais e internacionais, pondo-se de lado a mania das grandezas, preservando e potenciando a última grande área rural que resta no município de Alcochete.
Nem é necessário voar muito tempo para descobrir boas alternativas. Será inútil, por exemplo, voar para o outro lado do Atlântico. A maioria dos americanos não sabe sequer onde se situa Portugal...

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