11 outubro 2009

Fim de ciclo

Entre finais de 2005 e o início do Outono de 2009 – um mandato inteiro! – não houve oposição política em Alcochete.
O PS foi inimigo de si próprio: em quatro anos teve quatro lideranças distintas e incompatibilizadas entre si. O PSD sobrevive mal, há anos, com balões de oxigénio. O CDS apagou-se e o BE nem saiu da incubadora.
Sendo os partidos a essência da democracia, todos estavam antecipadamente derrotados a menos que se redimissem durante a campanha, apresentando propostas consentâneas com uma realidade municipal que têm obrigação de conhecer.
Nada disso sucedeu de um extremo ao outro da paleta política: as campanhas arrancaram mal e tardiamente (algumas forças nem a fizeram, pura e simplesmente), as candidaturas revelaram imensas fragilidades e escassa coesão (de três tive nítidos sinais de estranhas divisões), houve falhas impensáveis na distribuição domiciliária de papel, ninguém soube usar o poder imenso da Internet e, se se deu ao trabalho de gastar uns minutos a ler propaganda, o comum dos mortais facilmente concluiu que 95% das promessas eram pura demagogia.
Erros especialmente penalizadores para uma oposição frágil que, durante mais de três anos e meio, nunca se demarcou nem soube apontar rumos alternativos relativamente a um poder useiro e vezeiro em propaganda pacóvia e cuja acção política foi idêntica ao eucalipto: secou tudo à volta!
A oposição nem mesmo reparou que, em Alcochete, há muitos anos, o dinheiro de todos pode ser usado para o poder se eternizar através da secretaria: dando emprego a fiéis e amigos fixes, distribuindo generoso bodo a colectividades permeáveis, passeando e exercitando os cidadãos velhos e de parcos recursos a que a sociedade volta costas de forma desumana.
Esta campanha eleitoral era, pois, uma oportunidade para a oposição se redimir e testar a sua capacidade de confrontar os alcochetanos com a realidade, levando-os a reflectir e a reagir através do voto.
Contudo, por incapacidade, desconhecimento, erros estratégicos ou falta de coragem, os manifestos e promessas eleitorais eram irrealistas. Comodamente refugiaram-se no futuro e quase ignoraram passado e presente nada lisonjeiros. Ninguém desceu ao cerne dos problemas e os eleitores – conhecedores e principais vítimas do estado do país – aprenderam há muito que o Paraíso parece cada vez mais distante e resta tentar sobreviver.
Os cidadãos metem as promessas no saco de lixo das ilusões e julgam que a solução está em fugir às urnas. Desinteressaram-se porque, politicamente, nada evoluiu em 20 anos: os roncadores do poder continuam a menosprezar a realidade e a tentar iludir a populaça. Inutilmente, pois está à vista que a esmagadora maioria das suas promessas e preocupações é propaganda e demagogia.
A verdade dói mas tem de ser dita: a ganância arruinou a paisagem de Alcochete, o país e a credibilidade da política. A forma como se retalhou o território originou sociedades urbanas enjauladas, rodeadas de betão e sem espaço para conviver e respirar. E ainda continua a especular-se, desde as promessas eleitorais à prática diária.
O sentimento mais generalizado é de frustração. E por muito distraídas e desenraizadas que pareçam, as pessoas conhecem alguma coisa da realidade com que se confrontam, diariamente, em Alcochete:
- Escolas a rebentar pelas costuras e terceiro-mundistas;
- Água das torneiras frequentemente acastanhada;
- Transporte público rodoviário digno de uma república das bananas;
- Contentores de lixo e de desperdícios recicláveis mal distribuídos e ruidosamente esvaziados a horas e dias impróprios;
- Os aceleras que por aí andam, altas horas da noite, a perturbar o descanso com chiadeira de pneus. O número excessivo de motociclos com escapes irregulares;
- Aumento da pequena criminalidade e o risco de escalada da insegurança;
- Carência de espaços de lazer e de recreio com dimensão suficiente em todas as freguesias;
- Incapacidade em conceber espaços inclusivos e áreas de convívio;
- Estradas municipais degradadas e sem manutenção;
- Boatos sobre armazéns municipais vazios por falta de dinheiro para comprar material;
- Aumento significativo do número de funcionários na câmara mas cada vez menor percepção da sua utilidade prática;
- Crescentes dificuldades em angariar dinheiro para pagar ao pessoal camarário;
- Urbes desumanas e abandonadas, com canteiros visivelmente descuidados e passeios inexistentes ou escalavrados;
- Lixo acumulado em espaços públicos bem visíveis;
- Enorme falta de senso, de gosto ou de oportunidade em inúmeras obras recentes;
- Centros históricos a esvaziarem-se e a morrerem lentamente.

Cansados do logro os cidadãos já não passam cheques em branco. Votam sempre aqueles cuja sobrevivência depende do poder. Os outros preferem ficar em casa, esquecendo que o alheamento das urnas significa perda de soberania e negação da sua capacidade de influenciar e de criar um futuro melhor.
Surpreende-me apenas que os cidadãos continuem a assistir, passivamente, ao esbanjar de dinheiro de impostos, taxas e licenças que pagam com sacrifícios imensos. Que continuem dispostos a adormecer, diariamente, com cantigas de embalar dos seus autarcas.
Esquecem-se que vão a votos para decidir quem dará destino a boa parte do seu rendimento mensal (mais de 400€ anuais por cabeça só em impostos)? Que nunca sabem como foi gasto o que pagaram em anos anteriores? Quantos terão a certeza de que o seu dinheiro não serve para subsidiar inutilidades, comprar lealdades e financiar autopromoção?
Exceptuando escassa meia dúzia, os residentes em Alcochete carecem de consciência crítica e aceitam ser tratados como beduínos ou camelos. Inclusive, como estrangeiros no seu próprio país!
Tardiamente, daqui a uns tempos, quando se comprovar que o desfecho foi infeliz, alguns queixar-se-ão de que lhes venderam gato por lebre.
Não é possível salvar a democracia e regenerar as instituições sem oxigenação da vida política e desinfestação do caciquismo, da autocracia e da plutocracia.
O governo local tem de orientar-se pelas carências e aspirações das pessoas e não pelos interesses imobiliários que ajudam a compor a tesouraria municipal. Mas quantos haverá por aí dispostos a indicar-lhe melhor rumo para o dinheiro dos nossos impostos?

Particularmente nos últimos quatro anos – conforme está demonstrado no arquivo deste blogue – debalde tentei despertar consciências. Desde muito cedo antevi que, sem acções enérgicas e concertadas, o desfecho eleitoral autárquico mais plausível seria este. E, em meu entender, em democracia é impensável transigir com um poder sorridente no qual se acoitam caciques e cangaceiros para os trabalhos sujos.
Tem sido impossível criar a massa crítica indispensável para uma revolução pacífica que permitisse, finalmente, rasgar horizontes rumo a uma comunidade de seres atentos, activos e exigentes.
Apelei à união da comunidade e à cidadania pró-activa. Critiquei os jogos e os biombos do poder local. Apontei mascaradas e erros grosseiros. Revelei pormenores ignorados do mundo subterrâneo das negociatas. Sugeri acções e reclamações. Acompanhei a morte lenta dos últimos vestígios da vida partidária. Tentei o diálogo directo entre candidatos autárquicos e cidadãos. Participei em algumas (poucas) iniciativas para que me convidaram e em que acreditei. Recusei vários convites para candidaturas autárquicas. Ocupei-me um pouco do património e da memória colectiva.
Infelizmente, o esforço pessoal de uma década pouco mudou o panorama geral e as pessoas preferem abster-se de tudo. A novel sociedade alcochetana ainda não amadureceu o suficiente para entender que o poder da mudança está em suas mãos.
Devido à experiência de vida e ao meu ADN (Afastamento da Data de Nascimento) – curiosa expressão que alguém me sugeriu há semanas – estou desiludido e cansado.
Prefiro retirar-me.
Faço-o em paz com a consciência, porque nada pedi nem recebi de Alcochete e dos alcochetanos. Durante dez anos dei-lhes o melhor que podia e sabia, porque me enamorei por esta terra. Tive pena de assistir à sua destruição por roncadores do poder e gostaria de ter contribuído para as soluções.

Consequentemente, a minha participação cívica em Alcochete e no «Praia dos Moinhos» cessam aqui.
Agradeço que algum condómino se disponha a assumir o encargo de administrar um blogue com quase 800 leitores diários. De contrário, ficará parado no tempo. Talvez seja útil para memória futura...

7 comentários:

hera disse...

Nem pense! Acha que agora, que me habituei a lê-lo, o deixo fugir? Tire uns merecidos dias de descanso! Espero vê-lo por cá de novo muito em breve! Aliás... só quase passo aqui por sua causa! (hera)

amadeu silvestre disse...

Senhor Fonseca Bastos
Aguardei até agora pelo seu prometido texto, e já esperava que fosse uma despedida.
Quero expressar aqui a minha admiração pela postura isenta que aqui sempre assumiu, e que contribuiu para que eu tivesse, momentaneamente, regressado aos comentários neste Blog, depois de confrontado com uma atitude menos correcta de um dos condóminos.
Descobri o Praia dos Moinhos em Julho quando procurava no Google o programa das Festas do Barrete Verde. Nunca antes tinha tido qualquer interesse em participar neste tipo de actividade. Senti que talvez aqui houvesse um espaço de intervenção cívica útil para Alcochete.
Foi no Praia dos Moinhos que obtive grande parte da informação que hoje tenho sobre Alcochete. O seu texto de hoje é para mim o relatório mais completo que alguém poderia fazer. Obrigado por esta lição.
Depois do que passou hoje em Alcochete não me atrevo a pedir-lhe que reconsidere a sua posição. Eu pelo meu lado vou desistir mesmo antes de ter começado.
Até um dia, Senhor Fonseca Bastos, e muito obrigado.

Carla Graça disse...

Caro Senhor Fonseca Bastos

Não quero deixar de expressar aqui o meu apreço por si, pela sua postura crítica, isenta e de grande cultura cívica que aqui nos ensinou.

Compreendendo o seu desalento, e espero, no verdadeiro sentido que tem a esperança, que não nos deixe de vez, que recupere o seu alento e que volte para nos continuar a elucidar com as suas perspicácias, cada vez mais necessárias num país cada vez mais amorfo.

Também eu fico triste quando vejo que não há renovação, seja em Alcochete, seja em outros locais do país. A mim aflige-me sobretudo a passividade da grande maioria da população, perante todos os atentados e a mediocridade que grassa à sua volta.

Mas também é verdade que o sentido cívico e crítico não se esgotam numas eleições nem nos partidos políticos, e que há outras formas de despertar a sociedade civil, nomeadamente através de movimentos cívicos e associações de cidadãos.

Por entender que esse é outro combate, não menos importante que o partidário, espero pois e renovo aqui o meu voto e a minha esperança, juntamente com um humilde pedido, que o senhor Fonseca Bastos volte para continuar outros e novos despertares.

Com sincera estima,
Carla Graça.

Anónimo disse...

Eu compreendo. Já farta um pouco. Eu dou por mim a pensar que o problema está em mim, uma vez que parece que a maioria está satisfeita com o que tem.
Por medo? Não acredito, sinceramente.
Comodismo? Resistência à mudança? Sem dúvida.
Será que a política é mesmo aquela coisa horrível onde as pessoas competentes não sabem estar?!
A internet é um bom meio de comunicação, sim! Mas e a quantidade de pessoas que está fora desta rede?? Eu só vi a CDU na rua!!! Na minha caixa de correio foram parar cerca de dez panfletos e livros e coisinhas novas que se rerererepetiam. Apenas um desses panfletos não era da CDU.
Eles têm um fundo económico maior para fazer propaganda??
Como é que os outros partidos têm o direito de pedir votos? O que é que eles fizeram? Por causa deles estamos na mesma!! Eu não posso culpar os outros munícipes por terem opiniões diferentes da minha... mas aqueles que pedem o meu voto de confiança? O que é que fizeram por mim? Absolutamente nada! Se não existissem ninguém dava por isso. Mesmo porque ninguém dá por vocês! Espero bem que estejam a ler isto!
Eu sei que a minha opinião isolada não conta para nada. Mas tenham vergonha, já que a próxima vez que se irão preocupar, supostamente, será nas próximas eleições!!

luis disse...

Caro Fonseca Bastos,

De facto apetece desistir quando somos confrontados com a realidade!
Quando ouvimos queixas e observamos atropelos! Quando assistimos a incompetência no governo de uma Terra que merecia mais! Quando vemos as escolas sem condições e jovens cujas referencias futuras da sua formação passaram por pouco mais que os contentores que os acolhem! Quando vemos a nossa Terra, cujas condições naturais são imensas ser descaracterizada e retalhada em nome de interesses duvidosos! Quando vemos em todo o concelho "Desleixo e falta de brio"! Mas tal como noutros concelhos até bem mais mediáticos Alcochete foi claro na escolha!
Não vamos desistir! Saber esperar é uma virtude e também aqui o azeite virá ao cimo!
Um abraço de solidariedade!

luiz batista

Melo disse...

Meu caro Luiz:
Saber perder é uma virtude na vida e no desporto, também na política o deve ser.
em relação ao seu comentário, tenho duas palavras:
Eu em tempo previa o que estava iminência de acontecer, pois quando se entra na via da difamação e da mentira, o desfecho só podia ser este, não digam foi esquemas usados, como vezes sem conta afirmaram neste espaço.
Mesmo na hora da derrota, é de lamentar o mau perder dos restantes candidatos que não congratolaram o vencedor.
Também nem uma única palavra sobrte os resultados dos outros candidatos, isto é democracia, afinal sempre vivemos entre fobias.
Em alguns casos a roçar a vergonha de determinados candidatos, que permaneceram nas imediações (proximidades), do local de sufrágio...
Foi um autentico gato escondido com rabo de fora...

Pedro Giro disse...

Srº Luiz, já pensou que talvez o maior problema está em si ou na forma como vê as coisas? Eu acho que tem andado distraido ou então é daqueles que quando vão em sentido contrário na autoestrada critica quem vem em contramão!Quanto ao seu azeite está um pouco desrefinado...