A passagem de Saramago, José, Memorial do Convento, Círculo de Leitores, Lisboa, 1984, pág. 138, «Lembrai-vos de que quando Pilatos perguntou a Jesus o que era a verdade, nem ele esperou pela resposta, nem o Salvador lha deu, Talvez soubessem ambos que não existe resposta para tal pergunta, Caso em que, sobre esse ponto, estaria Pilatos sendo igual a Jesus, Derradeiramente sim...», força-me a declarar que o espírito pragmático de Pôncio Pilatos faz a Jesus a pergunta mais estúpida por mim alguma vez ouvida: o que é a verdade? (quid est veritas?).
Perguntar o que é a verdade é a mesma coisa que perguntar o que é uma janela, abertura de um espaço interior ao exterior para iluminar? Claro que não.
A verdade está num plano muito diferente do das coisas. Por outras palavras, a verdade faz parte do indefinível. É como o amor. Só por repetição, enumeração, metáforas, etc., será possível acender uma luzinha. Lembremo-nos do que fez Camões no soneto «amor é um fogo que arde sem se ver»: dada a impossibilidade de definição, o amor é mil coisas.
O encontro de Jesus com Pilatos representa o confronto de dois mundos antagónicos: um espiritualmente deficitário, outro cheio de Espírito Santo. Se o procurador romano da Judeia escutasse a verdade (veritas), deixaria de representar o papel trágico que lhe cabia no palco da História para se tornar seguidor do Nazareno. Ora isto seria deveras inverosímil, portanto contra a palavra (logos) do Evangelho.
O Império ou o que dele ia ficando levaria séculos a converter-se ao Cristianismo porque o poder, ontem como hoje, quanto mais estrebucha, menos muda.
A pergunta de Pilatos a Jesus foi retórica, isto é, não pedia a resposta, requisito atendido pelo Divino Mestre.
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