O tema em foco parece colocar de imediato uma dificuldade insuperável porque se poderia fazer esta pergunta: onde está a narração? Em resposta, poder-se-ia defender que o narrado estende-se mais pelo domínio do não-dito que do dito, uma vez que a reflexão sobre Portugal reclamada pelo texto ao destinatário instituir-se-ia como a própria narração da Mensagem.
Os versos finais do último poema deste megapoema ("Nevoeiro") são apelo lancinante à acção para que Portugal se arvore de vez em nova gesta: «Tudo é incerto e derradeiro./Tudo é disperso, nada é inteiro./ Ó Portugal, hoje és nevoeiro.../ É a hora!».
Para a consecução deste desígnio, senão imperativo, perpassa por toda a Mensagem o sopro da exaltação («Que o mar com fim será Grego ou Romano/O mar sem fim é Português») e o incitamento ("Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor»). Ao serviço destas vertentes patrióticas, vestes de um nacionalismo exacerbado, quiçá místico, está um acentuado simbolismo e o messianismo sebástico.
Por exemplo, a divisão da Mensagem em três partes (Brasão, Mar Português, O Encoberto) traz a personificação de Portugal. Este nasceu, cresceu e morreu, embora se veja em toda a trama simbólica da obra que a ideia de morte está intrinsecamente ligada à de ressurgimento: «Mas a chama que a vida em nós criou,/Se ainda há vida ainda não é finda./O frio morto em cinzas a ocultou,/A mão do vento pode erguê-la ainda».
Finalmente, o D. Sebastião da Mensagem não é o de Alcácer-Quibir, mas o do Quinto Império, sonho de conquista sem espada (bellum sine bello) cujo emblema é a quinta chaga de Cristo, a do lado do coração, a grande metáfora de amor que une todos os homens.
Alcochete, 9 de Março de 2007
João José da Silva Marafuga
1 comentário:
Apesar das ásperas querelas que mantivemos neste Blog , permito-me saudar esta inesperada mas agradável investida do Professor João Marafuga num tema que aprecio bastante , não fosse eu um «devorador» assíduo e recorrente da obra de Fernando Pessoa. Inesperada e agradável porque o Professor João Marafuga revela afinal ser capaz de se desprender dos grihões teológicos a que aparentemente acorrentara a sua razão , trazendo a este Blog o portento literário de Fernando Pessoa , autor com manifesta apetência para questões esotéricas - hermetismo , alquimia , cabala , misticismo , magia , gnosticisno , mediunismo , astrologia , maçonaria , templarismo , rosa-crucianismo , teosofia , bem presentes na sua monumental obra poética.
Saúdo a excelência da escolha do autor e da obra que marcam o regresso do Professor João Marafuga a este Blog.
Assim se faz cultura!
Luis Proença
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