26 março 2007

Inculcas marxistas

«...Sempre ouvi dizer que os santos são necessários à nossa salvação, Eles não se salvaram, Quem te disse tal, É o que eu sinto dentro de mim, Que sentes tu dentro de ti, Que ninguém se salva, que ninguém se perde, É pecado pensar assim, O pecado não existe, só há morte e vida, A vida está antes da morte, Enganas-te, Baltasar, a morte vem antes da vida, morreu quem fomos, nasce quem somos, por isso é que não morremos de vez...» (Saramago, José, Memorial do Convento, Círculo de Leitores, Lisboa, 1984, pág. 286).
Blimunda poderia concluir: sinto, logo existo. Se alguém julgar que este meu decalque cartesiano nada tem a ver com o "penso, logo existo", está muito enganadinho. Por ter, temos o verso de Fernando Pessoa: «o que em mim sente, 'stá pensando». Isto não surpreende porque Pessoa é um bom representante do empirismo moderno que, no fundo, deriva da filosofia de Descartes cujo cogito nega Deus, embora este filósofo e aquele poeta utilizem o conceito de Deus como crianças utilizam o lego para a construção de brinquedos.
Mas tal como se nota sem dificuldade, o que está em causa no trecho saramaguiano é, pela milésima vez, o ataque ao Cristianismo. Para este, a salvação estende-se a todos; para o gnosticismo, perfilhado por Saramago, a salvação reserva-se a um escol de eleitos, os tais pneumáticos ou espirituais.
A fala de Blimunda «...Que ninguém se salva, que ninguém se perde...», nada devedora à idiossincrasia feminina, é, muito naturalmente, de cariz materialista porque mera imanência a que sempre o gnosticismo nos conduz. Até parece que o humano é reduzido à esfera da Química pela lei de Lavoisier: «na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma».
Quando depois se lê que «...O pecado não existe...», estamos na génese de todas as utopias que não contam com a criminalidade hereditária desde Tomás Morus (1478-1535) a Karl Marx (1818-1883).
Aparentemente, são espantosas as certezas de Saramago sobre a morte: «...morreu quem fomos, nasce quem somos...». Eu só sei que para morrer bem tenho que viver bem, isto é, no respeito por mim e pelo outro.
Finalmente, vem a talhe de foice lembrar que Blimunda, na pág. 47, o. c., tinha dito: «...Sei que sei, não sei como sei...». Esta fala, que surpreendentemente despreza as premissas, não joga com a passagem transcrita no topo.
Para todos os Saramagos deste mundo vale tudo para a consecução dos fins.

4 comentários:

Anónimo disse...

Tudo indica que deus e o diabo só estão na cabeça das pessoas e em mais lado nenhum, podemos não conhecer as bases cientificas da consciência humana, mas isso está longe de concluirmos que o incogniscivel e o mistério tem que pertencer a deus, como muitos misticos querem que nós tenhamos de crer cegamente, deus não foi, não é e não será atributo para muitas coisas e por maioria de razão a verdade está muito mais do lado de quem não é crente do que dos que são crentes.

"Mister" Luis Proença disse...

Caro anónimo,

A hipótese de Deus não existir assenta em bases tão pouco cientificas como a hipótese inversa. Para espíritos como o seu aconselho vivamente a leitura do livro do físico Stephen D.Undwin - «The Probablity of God: A Simple Calculation That Proves the Ultimate Truth». Vai ver que depois de ler este livro verá que será mais prudente pensar como o matemático e filósofo Blaise Pascal no Séc. XVII. Vai certamente concluir que apesar da razão não nos poder dizer nada concreto sobre Deus , é ainda assim sensato e razoável tê-Lo em linha de conta...

Luis Proença

Anónimo disse...

Caro Luis Proença

Quanto à questão da prudencia e das probabilidades poderá reduzir-se a uma questão informacional ou de ignorância! Vejamos porquê:
Há medida que o conhecimento e a explicação racional aumenta, ainda que seja uma tarefa interminavel e que a nossa racionalidade seja limitada para processar tanta informação, o que é desconhecido diminui e o que é conhecido aumenta e assim a incerteza diminui se o campo da incerteza diminui o campo do conhecimento aumenta a cada dia que passa, já não digo onde está Deus? Mas onde está a probabilidade de ele existir? Só podemos calcular probabilidades quando temos informação e a amostragem não abona em nada em favor da sua existencia! Dada uma determinada significância para a sua existencia éssa hipotese de ser verdadeira com a inferencia dos dados que conhecemos permite recusá-la.
Dai concluir que a verdade ésta cada vez mais do lado da tese de ele não existir do que do seu contrário, a cada segundo que passa isso é mais verdade que no segundo anterior, contudo não estou a excluir a hipotese liminarmente de ele existir.
Não ser prudente é dar importância a um assunto que indica ser um não problema e uma não questão, o fenomeno religioso só ocorre no ser humano e não se manifesta de forma igual, a verdade de uns não é a verdade de outros. E portanto meu caro o Sr. Luis Proença o Sr. fica com a sua verdade e eu fico com a minha.
Em termos morais permite-me relativizar as coisas porque a minha moral defende-se de verdades dogmáticas desmistificando-as não vou contra outras verdades dogmáticas, eu não entro em guerras de dogmas, mas não posso ficar indiferente que certas visões particulares e dogmáticas se queiram impor na Sociedade.
Estamos a falar de coisas que só existem na cabeça das pessoas, uma falsa questão portanto, daqui a pouco temos a falar de lobizomens, bruxas, doendes, fadas, etc... Temos o mundo doido e feito num manicómio a dar crédito a não problemas, possivelmente já não faltará muito, anda tudo doido ou quê?!

Unknown disse...
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