22 fevereiro 2008

Reflexões

O alheamento dos cidadãos pela vida local tem custos incalculáveis.
Isolamento individual, debilidade associativa, insegurança, má gestão do território, ganância, especulação e pressão fiscal improdutiva são consequências facilmente perceptíveis. Mas existem muitos outros problemas em que só os mais atentos reparam e a maioria descobrirá quando já não houver remédio: mistificação, opacidade, insolência, caciquismo e chico-espertismo.

"A prossecução de interesses próprios das populações" – apontada no texto constitucional como principal missão das autarquias locais – é utópica quando se abranda a vigilância sobre o exercício do poder.
Os eleitos representam os cidadãos. O poder supremo é inalienável em democracia e pertence aos cidadãos. Se o povo vira costas ao poder, este tende a tornar-se autocrático e antidemocrático.

Legalmente, numa autarquia tudo é escrutinável.
Do seu funcionamento ao passeio escalavrado. Da organização administrativa aos balancetes de tesouraria. Das obras por ajuste directo ao retalhamento do território. Dos encargos com pessoal aos espaços de uso comum. Da qualidade da água de consumo ao uso de bens do domínio público. Das nomeações e demissões de quadros à atribuição a privados da elaboração de planos de pormenor.

Que informação e esclarecimento existem acerca disso? Rigorosamente nenhuns. Sabe-se apenas o que convém aos guardiões do sistema: que cumprem promessas, que protegem o interesse geral, que deve aclamá-los como protectores.
E ninguém questiona por que, desconhecendo-se o básico e elementar da vivência autárquica diária, folhas públicas e privadas de propaganda servem mensagens subliminares de governação mística?
Ninguém nota a insistência na invocação invisível do interesse colectivo e a desfaçatez com que se tenta formar cada residente como um adulador ignorante e estúpido?
Pressente-se que o alheamento dos cidadãos resulta também da descrença generalizada no sistema que norteia a vida diária nacional. É difícil mudar um sistema a esse nível, tendo as soluções de partir de cima ou ser despoletadas por forças poderosas.
Bem mais fácil é alterar um sistema local. Basta uma dúzia de cidadãos de boa vontade, livres e impolutos, unidos em torno de um programa construído para devolver transparência, verdade, dignidade e prestígio à vida municipal.
É preciso denunciar que, não tendo sido os eleitores a escolher os candidatos das listas partidárias, o resultado prático foi visivelmente desastroso: milhares voltaram costas às urnas, os desfechos eleitorais podem manobrar-se muito antes da votação e os reflexos disso não dignificam a democracia nem as instituições.
Divididas por insanáveis jogos de interesses, as estruturas partidárias concelhias fragmentaram-se, fragilizaram-se e a sua existência é penosa. Em alguns casos dependem de balões de oxigénio do exterior.
Deveriam potenciar alternativas de opinião e de poder, mas nem esse papel conseguem desempenhar. Tristemente, dirigentes e eleitos acabam por ser acusados de pactuar com o sistema.
Se a maioria dos residentes prescinde do direito de decidir quem são os seus representantes no poder local, a democracia está doente.
Isso sucede há muitos anos e urge encontrar a terapia adequada, porque a mistificação e as ilusões em nada dignificam o poder local.


P.S. - Diz-se no primeiro parágrafo de uma tomada de posição da SEDES (cujo texto integral pode ser lido aqui e me parece de leitura recomendável):
"Sente-se hoje na sociedade portuguesa um mal-estar difuso, que alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional".
Reacção do Presidente da República:
"Não nos podemos resignar perante as dificuldades. É preciso mobilizar os portugueses para as vencer".
A quem já se esqueceu, convém recordar que o discurso proferido pelo Chefe de Estado, na cerimónia deste ano comemorativa do 25 de Abril, foi bem mais directa ao assunto.

1 comentário:

Unknown disse...

O chico-espertismo vai ser a grande dificuldade a enfrentar nas próximas eleições autárquicas.
Em Alcochete, qualquer borra-botas juga que pode ser presidente da Câmara. Só o licenciado e professor titular João Marafuga pensa que não tem competência para tal cargo porque não é um gestor.
Contra estes borra-botas há muito pouco a fazer porque enfrentá-los é descer ao nível deles e muita gente de vergonha não está para isso. Mas esses borra-botas são ouro sobre azul para os partidos comunista e socialista porque essa maralha não conhece barreiras para atingir o poder e usar este em benefício próprio.
Eu estou disposto à denúncia pública, mas a minha voz sozinha não irá longe. As pessoas sérias que não querem que a bicharada tome conta disto têm que se unir e fazer frente a estes homens repugnantes que tanto fazem sofrer as populações.