18 dezembro 2006

Triste fado: fábrica vira urbanização


Está estampado numa acta da edilidade de Alcochete, em reunião realizada a 14 de Junho último, algo que abordara superficialmente neste texto, baseado nos poucos dados então conhecidos: a fábrica de cortiça Orvalho, no Largo da Feira, em Alcochete, vai dar lugar a loteamento com 92 habitações, em edifícios de quatro pisos com parqueamento em cave.
Só em parte conheço a história da ida dessa fábrica para Vendas Novas – tendo escutado, nomeadamente, trocas de mimos entre autarcas – e preconizo, uma vez mais, que se peçam explicações acerca da transferência de uma unidade industrial radicada há 52 anos em Alcochete.
Explicações que devem ser dadas, publicamente, pelos principais protagonistas no processo, todos conhecidos e no exercício de funções públicas.

Enquanto cidadão e munícipe só posso lamentar que mais uns quantos alcochetanos sejam forçados a mudar de vida porque, inevitavelmente, a transferência da fábrica para outro concelho implica substituição de alguma mão-de-obra directa ou indirectamente ligada a esta terra.
A troca de uma fábrica por habitações rende, em um ou dois anos, milhões de euros a um voraz município especializado em atolar-se no lodo de elefantes multicoloridos. Mas torna-nos social e economicamente mais pobres e agrava problemas que continuam a ser habilmente iludidos ou escondidos debaixo do tapete.
Quanto ao estacionamento de veículos, por exemplo, o loteamento em causa está mal dimensionado.
A área total sujeita a intervenção é de 25.460 m2 e a área de construção acima do solo de 12.800m2. A previsão de lugares de estacionamento próprio coberto é de 200, a que se adicionam mais 222 lugares de parqueamento na via pública.
É pouco, muito pouco espaço para estacionar automóveis numa zona já hoje visivelmente crítica. Tenho a certeza que, em menos de cinco anos, haverá veículos arrumados sobre os passeios, como sucede noutras urbanizações de construção recente.
Mais uma vez não se aplica a política ambientalmente correcta de dedicar a áreas verdes e de lazer 3/4 do espaço total de intervenção, pois é cedida ao município somente uma área de 14.485m2 para infra-estruturas e espaços verdes. Falta saber, de resto, de que infra-estruturas se trata e qual a área efectiva destinada a zonas verdes e de lazer.
Até hoje a autarquia nada disse sobre o que pensa fazer com esse espaço, excepto que o actual estacionamento de veículos na Rua do Norte (no Bairro das Barrocas, entre a igreja da Senhora da Vida e o Museu de Arte Sacra) transitará para essa nova urbanização.
Anteriormente, neste texto, eu criticara tal decisão da câmara por considerar ilógico que se tente recuperar e repovoar o centro histórico da vila mas, paralelamente, se obriguem os moradores a deixar o automóvel a 400 metros de casa, ou mais.
Em face dos dados ora conhecidos não é difícil prever que, dentro em breve, haverá muito mais automóveis sobre os passeios e em artérias vedadas ao trânsito no centro histórico da vila. Culpa de quem?
Enquanto os eleitos locais continuarem a apostar no betão para pagar elefantes multicoloridos e alimentar a pesada, ineficiente e incontrolável máquina administrativa, pouco mais haverá a esperar que o agravamento de problemas bem conhecidos.

3 comentários:

Anónimo disse...

Alcochete tem motivos para continuar a ser concelho?

Anónimo disse...

Registo com apreço que F.Bastos ainda mexe neste espaço. Ainda bem para Alcochete. O espaço actualmente ocupado pela fábrica de cortiça situa-se numa zona sensível em termos urbanisticos e ambientais , podendo mesmo considerar-se uma zona nobre da vila , a qual deveria merecer especial cuidado não só no que respeita à qualificação dos projectos urbanisticos propostos pelos promotores , mas também no que respeita às contrapartidas a exigir daqueles. Obrigar os promotores a promover um concurso de ideias entre arquitectos quanto ao projecto de arquitectura da urbanização seria um primeiro passo no sentido da respectiva qualificação. Um concurso de ideias no âmbito do qual os promotores de obrigassem a premiar monetariamente a ideia vencedora de forma a incentivar os arquitectos a desenvolverem um trabalho cuidado e rigoroso. Um pormenor de relevo. Seria a Câmara Municipal a escolher o projecto vencedor após consulta pública prévia. No que respeita às contrapartidas , porque não ir mais além da mera cedência de espaço. É do conhecimento público a margem de lucro dos promotores é substancial nestes investimentos. Será que não há nenhum equipamento social , obra , ou investimento de que Alcochete não careça e cuja realização se deva exigir a estes promotores imobiliários como contrapartida pela aprovação de um projecto milionário desta natureza?
É tempo das autarquias não se rebaixarem à voracidade dos promotores imobiliários e de começarem a exigir outro nível de contrapartidas pela aprovação destes projectos , nomeadamente quanto à responsabilização dessas empresas pela construção e financiamento de equipamentos de interesse público para o concelho.

Luis Proença

Fonseca Bastos disse...

Caro Luís Proença:
O que preconiza já hoje sucede. E as contrapartidas são de vários tipos.
Alguns promotores imobiliários falar-lhe-ão disso, se os interrogar.
Honra lhes seja feita, alguns nunca hesitaram em pôr a boca no trombone!