11 setembro 2008

A procissão


Meus amigos, nós temos que continuar a bater nestas coisas porque é a nossa liberdade que está em jogo.
Por mais que irrite um ou outro leitor, não posso deixar de dizer, com o meu pedido de desculpas, que só o perigoso afastamento da realidade poderá subestimar a insistência nos temas que me são habituais.
Todos sabemos que os comunistas apoiam a procissão e até se integram nela disfarçados de contritos penitentes.
As pessoas do optimismo ingénuo gostam de ver e dão-lhes o voto. É o que eles querem.
Mas por trás dos políticos comunistas estão os intelectuais comunistas. Ora o que estes pensam é bem diferente e é o que conta.
Saramago, José, Memorial do Convento, Círculo de Leitores, Lisboa, 1984, refere-se à procissão da página 127 à 134.
Entra assim: «É então que começa a sair a procissão [Corpo de Deus]. Vêm à frente as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, primeiro que todas a dos carpinteiros, representando S. José, que deste ofício foi oficial, [...]. Atrás vem a imagem de S. Jorge, com todo o seu estado, os tambores a pé, os trombeteiros a cavalo, rufando uns, outros soprando, [...]...imaginemos, por exemplo, que corpo terá o S. Jorge que aí vem se lhe tirarmos a armadura de prata e o gorro de plumas, um boneco de engonços, sem fio de pêlo nos lugares onde os homens os têm, pode um homem ser santo e ter o que têm os outros homens, nem sequer devia ser concebível uma santidade que não conhecesse a força dos homens e a fraqueza que às vezes nessa força há,...» (ob. cit., p. 127-128).
O Cristianismo, por força da própria Encarnação, o Sentido que desce sobre tudo, venera as imagens, ao contrário, por exemplo, do Islão que as recusa de forma absolutamente radical. Aqui, até parece que Deus fica longe do mundo que criou, olímpico destinatário do clamor dos crentes. Mas no Evangelho, a cada passo, lê-se que o reino de Deus está próximo, isto é, chegado a nós.
Por outro lado, a inflexão do sério de séculos para um registo de natureza sexual visa destruir o universo civilizacional cristão para impor uma nova ordem a partir do caos.
Dentro de tal propósito leiamos ainda a passagem da ob. cit., p. 132: «..., Ah, gente pecadora, homens e mulheres que em danação teimais viver essas vossas transitórias vidas, fornicando, comendo, bebendo mais que a conta, faltando aos sacramentos e ao dízimo, que do inferno ousais falar com descaro e sem pavor, vós homens, que podendo ser apalpais o rabo às mulheres na igreja, vós mulheres, que só por derradeira vergonha não apalpais na igreja as partes aos homens, ...».
Esta escrita orgiástica, muito comum em todo o Memorial do Convento, já se pressentia a partir do próprio incipit deste romance de intervenção político-ideológica: «D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje não emprenhou.» (ob. cit., p. 9).
O literário iliba a iconoclastia e abjectivismo de Memorial do Convento e de outros romances de Saramago?

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