29 abril 2009

Municipalismo de outrora (18): água de consumo público

Erguido em 1946, o depósito de água dos Barris
é visível do espaço (imagem Google Earth)

No início da década de 40 do século passado a esmagadora maioria da população de Alcochete ainda se abastecia de água em poços e fontanários existentes em diferentes locais da vila, havendo então em Samouco apenas um poço e uma fonte.

São Francisco dispunha de uma única fonte, cuja reparação custou à câmara 22$00 no mês de Julho de 1938, conforme consta de acta camarária.
Entre 1938 e 1942, os poços públicos mais frequentemente citados nas actas são os dos Barris e do Moyzém, devido às constantes reparações das respectivas bombas manuais. Pontualmente é também citado o poço de São João (então existente no largo com o mesmo nome) mas, ao contrário daqueles, não suscitava despesas significativas.
Em 1944 a bomba do poço dos Barris era já movida a vento, um "aeromotor" semelhante aos ainda existentes em várias propriedades do concelho, engenho que – tal como as noras – tende a desaparecer da paisagem por não haver quem se interesse pela recuperação dos poucos ainda de pé.
Em finais dos anos 30, alguns privilegiados da freguesia de Alcochete usufruíam de uma pequena rede de distribuição domiciliária de água, em artérias compreendidas entre o actual Largo da Feira (o da antiga fábrica de cortiça Orvalho), a Rua Comendador Estêvão de Oliveira (artéria pedonal entre os largos de São João e da Misericórdia) e o Largo Coronel Ramos da Costa (o da farmácia Nunes).
O município investirá na expansão dessa rede até ao final da década de 30, pelo menos, quando começa a planear-se a construção de nova infra-estrutura contemplando toda a área urbana da vila, que na época correspondia, sensivelmente, ao que se convencionou chamar "zona histórica".
Em Julho de 1938 é autorizado o pagamento de 2.000$ a António Gomes Coelho, "pela segunda prestação por conta do levantamento e estudo do projecto de fornecimento de água à vila". Seis meses depois são liquidados mais 3.792$00, pela terceira e última prestação do estudo. Em 1938 a taxa anual de ligação de um ramal de água à rede pública era de 50$00. No Outono de 1939 o aluguer do contador tinha o preço mínimo de 9$00, com direito a 3000 litros de consumo mensal.
Inicialmente, os consumidores de energia eléctrica e de água das redes públicas de Alcochete eram escassos. Mas foram aumentando rapidamente. Em Março de 1939 a câmara adquiria, na Repartição de Finanças, 150 selos fiscais de $10 para os recibos mensais apresentados aos consumidores, mas em Novembro seguinte seriam 400 selos e em Setembro de 1940 necessitava de 600 estampilhas fiscais.
O deflagrar da Segunda Grande Guerra teve impacte negativo em ambos os serviços e várias dezenas de consumidores, incluindo comerciantes, prescindiram dos mesmos, como as actas municipais amplamente registam.
Os pedidos de ligação de ramais e baixadas às redes públicas de água e electricidade eram apresentados em requerimento e individualmente aprovados em sessão da câmara. Por eles fica a saber-se que, em Setembro de 1938 – pouco mais de ano e meio após a sua fundação – o Grupo Desportivo Alcochetense pediria a ligação da sua instalação eléctrica no Largo da República à rede camarária.
Cinco meses depois é autorizada ao rival Imparcial "Foot-Ball" Clube de Alcochete a ligação da água da rede pública aos balneários do campo de jogos (situava-se, sensivelmente, no local onde hoje está a Escola EB 2,3 El-Rei D. Manuel I).
Lê-se também nas actas que o primeiro proprietário da Farmácia Gameiro e co-fundador do Aposento do Barrete Verde — António Rodrigues Regatão — residia na Travessa Luís Alves, da vila de Alcochete. Em Setembro de 1940 pede autorização à câmara para levantar a calçada da via pública, junto ao prédio da sua moradia, a fim de ligar a água da rede pública à habitação.
Outra curiosidade: a Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898 teve luz eléctrica na sua sede a partir de meados de 1941 e água desde Fevereiro de 1943.
Na sessão de 27 de Março de 1942 são aprovados o programa do concurso e o caderno de encargos relativos à obra de abastecimento de água à vila, mandando-se publicar anúncios fixando o concurso público para o dia 20 de Abril seguinte, com a base de licitação de 510.000$. A verba era elevadíssima para a época, bastando recordar ser equivalente a quase dois anos do orçamento corrente da câmara.
Talvez por causa disso, a primeira rede de abastecimento domiciliário de água ficaria concluída apenas em 1946.
O símbolo mais visível desse empreendimento continua a ser o hoje esquecido e abandonado depósito elevado dos Barris (situado na urbanização com a mesma designação), sobre cuja porta de acesso está gravado o ano da sua inauguração.
Entretanto, na sessão de Setembro de 1943 a câmara tomaria conhecimento de que o Estado decidira reforçar a sua comparticipação nessas obras, em mais 36.871$70. Normalmente as redes de água e saneamento eram lançadas ao mesmo tempo e a primeira referência à rede de esgotos da vila de Alcochete data de Janeiro de 1939, quando se decide elaborar o estudo e o levantamento da respectiva planta.

(continua)

Ver artigo anterior desta série
Ver primeiro artigo desta série

Sem comentários: