16 novembro 2010

Entre cerca ?

Ontem, defendi a tese de mestrado integrado com o tema da proposta da praça publica de Alcochete no largo de S. João.
A arguente do juri, a Dr.ª Arq.ª Margarida Vallas, referiu que estranhava não ter referido que Alcochete poderia ter uma cerca, devido a foram muito compacta do centro histórico. Não referi porque nunca achei referências dessa possibilidade.

Mas fiquei intrigado.

De facto, o centro histórico é muito compacto, e por hipótece, é compatível com cidades que se desenvolvem entre muros. Outro ponto que a Arq.ª Margarida Vallas referiu foi que, se o primeiro foral da vila -desconhecido - foi dado por Sancho I, então a probabilidade de ter uma muralha torna-se maior.
E mais, não se entendia porque motivo a Igreja matriz se edificou longe do centro urbano de Alcochete, mas tal também é compatível com a cidade entre cercas, uma vez que os templos ficam sempre fora de portas.
Mas não será so isto. Ao olharmos planta de Alcochete verificamos que a rua direita (Rua Comendador Estevão de Oliveira) liga dois templos (Igreja da misericórdia e Igreja Matriz) e atravessa toda a malha orgânica. Isso é exactamente o que existia na cidade entre muros - cidade medieval - quando a rua direita ligava as duas portas da cidade.

Se me apresentassem uma planta do centro histórico de Alcochete e me indicassem que o limite da cerca é o limite do actual centro histórico, que tinha uma porta a nascente e outra a ponte onde atravessava a rua direita, com dois rossios* junto as mesmas, e com um templo fora de portas, eu seria levado a concordar que sim: Alcochete foi uma vila entre muros, com uma cerca.

No entanto, não existe qualquer registo que indique tal facto.

* Um rossio é um espaço livre normalmente localizado na entrada das vilas medievais com o objectivo de realizar actividades que entre muros não eram possíveis. Existe registo histórico da existência de dois em Alcochete: um onde actualmente já designamos de "Rossio" (Jardim do Rossio) onde eram realizadas as actividades menos nobre, tais como a despeja de lixos, carcaças de animais, etc. O outro rossio seria onde actualmente se encontra o largo de S. João, onde se efectuava as actividades mais nobre, nomeadamente a lide de toiros, festas, mercados e similares.


Se me dissessem que estou a olhar para os limites da cerca de uma vila medieval (a amarelo) diria que tal era completamente possível.

19 comentários:

Unknown disse...

Bruno, tudo o que dizes é como se fosse um eco de mil leituras que venho fazendo sobre Alcochete desde há quase 40 anos.
É muito plausível o que dizes, sem esquecer que o Largo da Praça (onde está a estátua do salineiro) foi espaço de um duradouro mercado.
Um dia que nos encontemos, poder-te-ei dar todas as minhas conjecturas sobre todo este tipo de matérias.
Por que se chamará "direita" à rua mais "torta" de Alcochete? A própria resposta a esta pergunta é prova da marca eminentemente medieval da nossa terra.

Bruno Queimado Rosa disse...

É interessante como o Largo da praça está aproximadamente no centro dos limites que representei. É de facto algo que deveria ser estudado mais aprofundadamente pois altera por completo a importância que se dá a Alcochete

Como é interessante também a Rua Direita ter o sentido Oste-Este (nascente-poente) de forma tão exacta.

Unknown disse...

O Largo da Praça está na zona mais alta de Alcochete. A partir do Largo da Praça tudo desce.
Esse sentido, Este-Oeste (nascente-poente) que é o próprio sentido do edifício da Igreja Matriz à qual a rua vai "direita", tem a ver com o próprio sentido da nossa religião que é um contínuo nascer para a Vida e morrer para o Mal (a verdadeira morte para o Cristianismo). Estou a partir do princípio que todos estão por dentro da simbologia referida, isto é, que o pôr-do-sol, como fim de alguma coisa que é, conota com a morte. Claro, para alguém que tenha uma visão materialista do homem e do mundo, nada disto faz sentido. Para o materialista, «o vento só fala do vento»...e pronto, não há mais nada a dizer.

Fonseca Bastos disse...

Abro uma excepção ao meu retiro porque o tema me interessa.

Caro Bruno:
Após uma década de consultas sobre o passado de Alcochete, jamais encontrei a mínima referência à tal cerca.
Desconheço qualquer mapa anterior ao séc. XIX. E, se alguma vez houve cerca, ela já não constava desse mapa.
A opinião da sua arguente tem fundamentação histórica, embora nem todos os núcleos urbanos compactos nacionais tivessem alguma vez possuído uma cerca.
Até hoje não encontrei relato de acontecimentos históricos que justificassem cautelas especiais de defesa de Alcochete após a expulsão dos mouros, pois esta nunca foi uma praça militar estratégica nem ponto vital para a defesa do território ou do rio. Seria uma região calma e pacífica, cujas terras foram doadas por D. Sancho II (séc. XIII) à Ordem de Santiago.
Lembremo-nos, ainda e de resto, que no tempo D. João I era estância de veraneio e de caça da corte e da aristocracia.
Contudo, no meu espírito pairam imensas dúvidas. Qual a razão e origem do topónimo Alto do Castelo, usado para designar o local situado do lado oposto ao centro de saúde e à piscina municipal? Além disso, o hoje denominado núcleo histórico da vila terá sido reconstruído e modificado após o terramoto de 1755. O que havia antes? Desconheço, mas sei que não cresceu muito na centúria seguinte, pois em 1865 – quando se realizou o primeiro censo geral da população – a vila tinha pouco mais de 3.000 habitantes e cerca de um milhar de fogos. Mas do que existiu antes do terramoto nunca encontrei rasto cartográfico, embora provavelmente exista na Torre do Tombo.
Em pesquisas pontuais tenho encontrado imensas referências e documentação acerca do passado de Alcochete – que as actuais gerações desconhecem – surpreendendo-me que continue quase tudo por redescobrir, estudar e revelar sobre o nosso passado e nem as escolas nem nenhum estudioso se dediquem a pesquisas detalhadas.
Quando ignoramos as referências do passado, privamo-nos da capacidade de entender o presente e de construir um futuro melhor!

Unknown disse...

No Largo da Praça teria existido um palácio onde se recolheriam os reis de Avis sempre que vinham para Alcochete.
Esse palácio erguer-se-ia na parte nascente do referido largo, talvez à direita de quem dali fosse para o Largo do Poço.
Da parte virada a Norte sobe uma rua que nos traz ao Largo da Praça e que se chama Rua do Paço. Este, a mim me parece, por razões de segurança e outras, ficaria numa zona alta, não numa baixa! Ora como já disse, o Largo da praça é a zona mais elevada da vila de Alcochete.

Unknown disse...

Muitas outras coisas haveria a dizer sobre o Largo da Praça, quais sejam a destruição do pelourinho a pretexto de uma visita do rei D. Luís, pois a câmara, nessa altura, ficava no edifício que dá para o largo e para a Rua do Paço. Para que as manobras dos coches reais fossem facilitadas, arrancou-se o pelourinho; quais sejam a proclamação da República a 5 de Outubro de 1910; quais sejam a destruição de um artístico chafariz que nos anos 50 ainda lá estava e de que me lembro; quais sejam a destruição, no consulado do sr. José Inocêncio, do torreão que talvez tivesse pertencido ao complexo do antigo Paço que do Largo da Praça se estendia para nascente. O que mais sei vai-se tornando difícil registar aqui!

Anónimo disse...

À atenção do comentador Fonseca Bastos :
"...Alcochete após a expulsão dos mouros, pois esta nunca foi uma praça militar estratégica nem ponto vital para a defesa do território ou do rio..."

- 1º. Os mouros nunca foram expulsos de Alcochete, continuaram nas suas actividades,(!) as quais existiram até à pouco tempo: exploravam Fornos de cal; cultivavam sal marinho; cortavam o "pico"da charneca, transportavam-no para Lisboa em faluas de velame caracteristico aos congéneros do Mediterraneo que navegavam por prática de "bolinagem".
"pico" usado para aquecimento dos fornos da padarias.

Quanto a ser uma irrelevante ou vital posição militar estratégica:

- 2º Quando o Marechal Beresford organizou o exército e dotou-o de capacidade de artilharia, marcou algumas posições em torno do estuário onde se deveria instalar as peças de longo alcance.
Vários locais foram guarnecidos com bocas de fogo, porém o mais importante de todos para defesa maritima de Lisboa está situado em Alcochete (Unica posição em todo o estuário, onde se observa a confluencia dos rios Enguias; Sorraia; Tejo; Trancão e todo o enfiamento da entrada na barra no porto de Lisboa, entre Oeiras e o Bugio.

Esse importante lugar, actualmente está vandalizado e completamente desprezado pela visão redutora da sua potencialidade,demonstrada por negligentes autarcas, que em conivência com interesses urbanisticos particulares fazem tábua rasa dos sinais histórico-culturais da maior importancia, em prejuizo das gerações vindouras.
(O dito local fica a 100 metros, a norte da infraestrutura da Ex- Aluminios de Angola)

Unknown disse...

Apercebo-me de que há muita justeza em tudo o que diz o anónimo imediatamente acima.

Anónimo disse...

Aos caros leitores do artigo:

Quando referí "pico" da charneca, talvez devesse usar o termo "Tojo" em que os moradores de Alcaxete estavam autorizados a negociar por decreto real, portanto era um direito da vila e cercanias.

Decreto similar, foi emanado na governação do Estado Novo, sec XX, mas relativo à descarga do carvão importado no cais de Belem, durante o inverno, o qual era posteriormente queimado nas caldeiras a vapor da Central Electrica. Função que era praticada
pelos salineiros que não dispunham de quarelas de décima.

Bruno Queimado Rosa disse...

Bom, tenho andado desatento que nem li os comentários do senhor Fonseca Bastos e todos os restantes a partir daí.

De facto, a possibilidade de cerca não tem provas documentais. Por exemplo, D. Manuel mandou efectuar um levantamento do edificado da vila em 1548, o tombo do concelho, e nunca é referenciada uma possível cerca.

Atenção a não confundir cerca com muralha. Cerca é apenas uma pequena construção de protecção. Poderia ser feita em madeira, o que teoricamente, explica um possível crescimento da vila entre limites e uma desvalorização efectiva da mesma ao longo tempo, verificando que, por exemplo, não haverá qualquer indicio de haver alguma estrutura do género nos séc. XIV e XV.

A minha teoria, sem bases cientificas ou qualquer facto verificável, é que uma possível cerca existiu não durante a ocupação de Avis, mas sim muito muito antes, quando o território ainda não fora conquistado aos mouros, perdendo ao longo do tempo a importância que teve a quando da sua construção. Mas isto será apenas uma hipótece e nada indique que tal seja o que realmente aconteceu.

Uma coisa parece certa: com uma definição tão forte no limite da vila a Norte, junto ao rio, teria de haver - tal como há agora - uma muralha de protecção. Tal é registado no mínimo, que eu me lembre, desde o séc XVII. Poderá essa estrutura ser consequência de um ordenamento do território com base em uma cerca ? Faria sentido para protecção militar junto ao rio, mas faria sentido construir uma muralha junto ao rio, com uma altura média de 8 metros do nível da água no seu ponto mais alto, apenas para proteger das forças das águas ? Haveria nessa zona já um acidente topográfico que o justificasse ? Então e se havia acidente topográfico não seria por si só, pelas características, elemento protector, não havendo a necessidade de construir tal estrutura ?

Não sabemos.

Bruno Queimado Rosa disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Ao comentador H.Queimado Rosa:

..."Haveria nessa zona já um acidente topográfico que o justificasse ? Então e se havia acidente topográfico não seria por si só, pelas características, elemento protector, não havendo a necessidade de construir tal estrutura ? Não sabemos."

- A designação de "Bairro das Barrocas", não lhe transmite qualquer intuição, que o ajude a esclarecer a necessidade de construir tal estrutura?

Bruno Queimado Rosa disse...

Partindo do principio que a toponímia se refere então a uma barroca, porque motivo construir dois templos em zona de risco como é aquela barroca ?

Penso que essas zonas já estaria consolidadas antes do séc. XIV.

Penso também que a posição estratégica de Alcochete tinha de ter uma importância de relevo para se desenvolver, então, junto a uma zona acidentada e não pela forma mais fácil que seria acompanhar, e não dominar, o recorte topográfico.

Já agora, relembro aqui o post que relembra a posição estratégia de Alcochete nas guerras napoleónicas.

Bruno Queimado Rosa disse...

http://praiadosmoinhos.blogspot.com/2009/10/posicao-de-alcochete-nas-guerras.html

Unknown disse...

Há razões concretas que nos levam à conclusão de que Alcochete, alguns séculos atrás, na zona ribeirinha que vai da actual marginal até à Senhora da Vida ou, quiçá, mais para lá, chegava ao rio das Enguias ou perto, rio este que hoje, à frente da vila, mal se distingue do estuário.
A prová-lo aí está a observação cuidada do edifício da Igreja da Misericórdia, complexo que seria muito maior, estendendo-se por área hoje ocupada pelas águas, além do testemunho de pescadores que asseveram encontrar vestígios de construções a centenas de metros adentrados pelo lamaçal.

Anónimo disse...

Aos bem intencionados "Alcochetanólogos" do sec.XXI deixo um conselho e umas reflexões:

-Quem olha para as pontes, deixa de vêr o estuário!

-Dentro de Alcochete, nada havia de importante a perseverar dos estranhos, que levasse alguem a levantar muralhas de defesa.

-O que tinha havido em comum entre alguns destes lugares da margem sul do estuário? em função do desenvolvimento exponencial de Lisboa, desde o inicio da soberania do Califado de Córdoba, até aos anos 60 do sec.XX :

-Palença; Ginjal; Cacilhas; Mutela; Talaminho; Arrentela; Palhais; Recosta do Barreiro; Alhos Vedros; Moita do Ribatejo; Aldegalega; Seixalinho do Montijo, Alcochete; Vasa-Sacos; Porto Alto de Samora.

-No sec.XIV havia em Alcochete uma comunidade de maritimos que detinham 60 faluas; varinos ou palha-botes de carga, registados na Capitania-mor do Mar da Palha.

-Normalmente faziam a varada entra a Praia dos Moinhos e as Hortas.
A acostagem era feita desde a Quinta das Fontes até ao cais onde foi implantada a Igreja da Misericordia (não existia ponte cais).

-Ainda à vestigios de pontes-cais palafiticos e cachorros de encalhe para tratamento das obras mortas, dos diferentes tipos de embarcação.

-O aspecto de Alcochete, nessa época e considerando-o só em função da comunidade maritima existente (mas não era única) estenderia o casario ao nivel da maré cheia desde a praia dos Moinhos até ao alcantilado do Moizem. Isto considerando a actual vista de Melinde/Tanzania, quando observado desde Indico e ainda segundo a descrição de Gonçalo Velho que imaginou ser a melhor maneira de descrever a cidade, com um lugar que bem conhecia, antes de embarcar na aventura de Vasco da Gama.

-As fundações de Proteccção ao barrocal, pela erosão das àguas do mar da Palha, provavelmente foram executadas imediatamente antes de ser eregida a Igreja da Miseric. acompanhanto o declive do barranco. A protecção do restante barranco, desde a rua do Mercado até ao Forno da Cal do Garrancho foi executado nos anos 40 do sec.XX, mas neste caso sem acompanhar o declive na superficie ficando-se pela cota dos três metros metros em toda a extensão.

-No mesmo barrocal contiguo ao largo do Moizem, foi cometido um crime cívico, ao ser erigido uma aberração urbanistica, pese embora o facto de já ter passado quase três mil anos em que os romanos tentaram ensinar-nos com se constroi uma cidade!

Unknown disse...

Uma outra questão que poderá ser objecto de reflexão é o facto de as igrejas e capelas de Alcochete se estenderem numa linha ribeirinha, começando pela Igreja Matriz, Capela de Nossa Senhora da Vida, Igreja da Misericórdia e Capela de Nossa Senhora da Conceição dos Matos.
Será uma questão de somenos importância?

Unknown disse...

Por que razão o alcochetano não consegue imaginar a Igreja Matriz fora do lugar onde a mesma se encontra?

Unknown disse...

Penso que o contributo do anónimo imediatamente acima deve ser objecto de reflexão no seio de todas as informações e conjecturas expostas.