03 outubro 2007

Os fogos devolutos

Fixei a primeira frase de outro artigo do autor Fonseca Bastos: em face do abandono a que estão votados inúmeros edifícios do concelho, em 2008 a Câmara penalizará por via do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) os "proprietários de prédios abandonados, devolutos e em elevado estado de degradação”.
A minha primeira reacção foi a de tentar entender o sentido e o alcance da aplicação da designação “devoluto”.
1. Não se aplicava decerto aos milhares de hectares de salinas que caracterizam o concelho, outrora fonte de labor e de produção, grande parte dos quais se encontram por abandono privado ou incúria pública, devolutos.
Nem ao domínio público marítimo composto por áreas de rio e sapal a perder de vista onde os pescadores colhiam a saborosa proteína selvagem que servia de sustento às famílias e alimentava toda a população autóctone, e que por decadência da actividade pesqueira se encontram naturalmente devolutas.
Também não se aplicava às áreas de cultivo que em virtude de expectativas criadas na actualidade, na mente dos munícipes, aguardam à saciedade a fase de transformação em solo urbano apto para a construção de edificado e que por isso se encontram por vontade dos seus donos na condição de propriedades sem utilização agrícola e por isso devolutas.

2. A definição estriba-se então no seguinte descritivo constante do preâmbulo ou do articulado do decreto-lei:

2.1 Para efeitos de aplicação da taxa do imposto municipal sobre imóveis (IMI), ao abrigo do disposto no artigo 112º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), na redacção que lhe foi dada pela mesma Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro considera-se devoluto o prédio urbano ou a fracção autónoma que durante um ano se encontre desocupada, sendo indícios de desocupação a inexistência de contratos em vigor com empresas de telecomunicações, de fornecimento de água, gás e electricidade e a inexistência de facturação relativa a consumos de água, gás, electricidade e telecomunicações.
2.2 Paralelamente, enunciam-se os casos em que, mesmo que exista a desocupação durante um ano, o prédio ou fracção autónoma não se considera devoluta para efeitos do presente decreto-lei, como, por exemplo:
2.2.1 No caso de se destinar a habitação por curtos períodos em praias, campo, termas e quaisquer outros lugares de vilegiatura, para arrendamento temporário ou para uso próprio;
2.2.2 Durante o período em que decorrem obras de reabilitação, desde que certificadas pelos municípios; após a conclusão de construção ou emissão de licença de utilização que ocorreram há menos de um ano;
2.2.3 Tratar-se da residência em território nacional de emigrante português, tal como definido no artigo 3.o do Decreto-Lei n.o 323/95, de 29 de Novembro, considerando-se como tal a sua residência fiscal, na falta de outra indicação;
2.2.4 Ou que seja a residência em território nacional de cidadão português que desempenhe no estrangeiro funções ou comissões de carácter público ao serviço do Estado Português, de organizações internacionais, ou funções de reconhecido interesse público, e os respectivos acompanhantes autorizados, entre outras situações previstas neste decreto-lei.
2.3 Do ponto de vista procedimental, os municípios procedem à identificação dos prédios urbanos ou fracções autónomas que se encontrem devolutos e notificam o sujeito passivo do imposto municipal sobre imóveis, para o domicílio fiscal, do projecto de declaração de prédio devoluto, para este exercer o direito de audição prévia e da decisão, nos termos e prazos previstos no Código do Procedimento Administrativo.
2.4 A decisão de declaração de prédio ou fracção autónoma devoluta é sempre susceptível de impugnação judicial, nos termos gerais previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos
.


3. O conceito de prédio ou fracção autónoma devoluta apresenta assim algumas dificuldades: de interpretação e aplicação, de coordenação intersubjectiva e acção inspectiva.
A divisão responsável terá, por exemplo, de distinguir o caso dos armazéns, adegas garagens, etc. dos fogos residenciais e de cruzar a informação com as outras entidades.
Os prédios devolutos em apreço representaram no passado para os respectivos investidores particulares, as famílias, um esforço financeiro aquisitivo.
O PIB local na parcela investimento (que ninguém calcula nem divulga) terá porventura na habitação residencial a componente mais importante só suplantada no passado pela rubrica do investimento público na Ponte Vasco da Gama ou pela da construção privada do Freeport (e estas verbas têm em cada ano sido superiores às transferências do orçamento de estado para o município). Aqui não se estão a punir apenas os munícipes com prédios em ruína ou elevado estado de degradação. Porque em relação a esses a edilidade já há muito deveria ter intervido e não o fez. Os restantes mereceriam porventura, da parte do poder público, maior respeito e consideração e não o agravamento dos encargos fiscais das famílias mesmo que os fogos fossem devolutos. Mas a Lei é imperativa, Dura Lex sed Lex.
4. Contudo, antes de penalizar os munícipes o Estado/Autarquia Local deveria dar primeiro o exemplo pois em coerência, competir-lhe-ia utilizar com probidade os edifícios públicos devolutos.
Ajudem-me os prezados leitores pois terei dificuldade em realizar o inventário patrimonial. Mas existem vários edifícios públicos municipais a que não é dada utilização.

2 comentários:

Fonseca Bastos disse...

Ilustra este texto

http://praiadosmoinhos.blogspot.com/search?q=Cipri%C3%A3o

uma imagem de um edifício municipal devoluto, abandonado e em elevado estado de degradação.

Luis Pereira disse...

Obrigado, Sr. Fonseca Bastos pela ajuda prestável e pronta.