10 agosto 2007

História breve das Festas do Barrete Verde e das Salinas


As primeiras festas do Barrete Verde realizaram-se a 7 de Setembro de 1941 e apenas dessa vez foram denominadas «das Salinas e do Barrete Verde».
Do ano seguinte em diante passaram a ter a denominação que ainda hoje mantêm: Festas do Barrete Verde e das Salinas.

Nesse primeiro ano a organização pertenceu à Santa Casa da Misericórdia de Alcochete, com o apoio da Câmara Municipal, de Samuel Lupi dos Santos Jorge e José André dos Santos e a colaboração da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898.

Logo nesse ano é criado o primeiro grupo de «Meninas do Barrete Verde», as quais colaboram na angariação de fundos. Nos anos posteriores têm sido formados novos grupos, que mantêm ainda hoje viva essa tradição.
Nas primeiras festas realizaram-se várias actividades lucrativas, tais como venda de flores, de bilhetes para a espera de gado, de emblemas e de barretes, além do aluguer de almofadas. As ofertas de artistas e da organização da corrida de toiros foram também significativas. As receitas reverteram para a Santa Casa da Misericórdia e o Asilo Barão de Samora Correia e o saldo positivo desse ano foi de 6.611$95.
Os festejos do Barrete Verde e das Salinas devem-se ao jornalista José André dos Santos, que aproveita a realização da habitual corrida de toiros para refazer as festas anuais da vila. Como jornalista e através dos seus conhecimentos nos jornais «O Século» e «Diário de Notícias», consegue ampla divulgação das festas.
O apoio dos dois periódicos levará a autarquia, em sinal de reconhecimento, a atribuir os respectivos nomes a duas artérias do centro histórico de Alcochete.

No ano de 1942 as festas continuarão a ter a colaboração e concurso da Santa Casa da Misericórdia e da Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898. Mas, em 1943, a Santa Casa da Misericórdia recebe avultada herança de Carlos Ferreira Prego (Barão de Samora Correia) e deixa de organizar as festas. Nesse ano a responsabilidade passa para a Sociedade Imparcial 15 de Janeiro de 1898, mantendo-se o apoio da Câmara Municipal.
Mas há dificuldades crescentes para arranjar entidade ou comissão que se incumba de organizar as festas anuais de Alcochete.
Em 1944, a Câmara Municipal decide formar uma comissão presidida pelo vereador António Antunes e constituída por Álvaro José da Costa, Virgílio Jorge Saraiva, Augusto Ferreira Saloio, Augusto Atalaia, João Batista Lopes Seixal, José de Oliveira, Augusto Ferreira Gonçalves de Oliveira e Augusto Ferreira da Costa.
Datados de 12 de Agosto de 1944 há estes versos, intitulados «Alcochete» e dedicados às festas por Guilherme Cardoso, filho de famílias alcochetanas:


Ó linda Alcochete

Tu tens um barrete
Como tradição
Por ser verde é esperança
Denota bonança
O Trabalho, o Pão

Terra bem modesta
Mas hoje na festa
Ostentas riqueza
A rir, a cantar
Assim vens mostrar
Ser bem portuguesa

Alcochetanos
Estais ufanos
Pelas festas das Salinas e Barrete
Por isso meu povo amigo
Vós devereis dar comigo
Um sagrado e grande viva
ALCOCHETE

Vila tão formosa

És tão valiosa
Como o ouro de lei
E és por sinal
O Torrão natal
Dum saudoso Rei

Sem ter ambições
Tens os teus brazões
Vincados na história
A qual te dá
Há séculos p'ra cá
Títulos de glória

Alcochetanos
Estais ufanos
Pelas festas das Salinas e Barrete
Por isso meu povo amigo
Vós devereis dar comigo
Um sagrado e grande viva
ALCOCHETE

Terminadas as festas de 1944, a comissão volta a reunir-se para garantir futuras organizações e decide convidar para um almoço várias personalidades influentes da vila, com o objectivo de constituir uma entidade que assuma a organização das festividades.
Desse almoço sai uma comissão que vem a dar origem ao Aposento do Barrete Verde, agremiação fundada em 20 de Agosto de 1944 com a finalidade principal de organizar as Festas dos Barrete Verde e das Salinas.
Daí em diante, colectividade e festas têm história paralela.
A 12 de Agosto de 1945 visita o Aposento o historiador e jornalista Gustavo de Matos Sequeira, a primeira individualidade a assinar o livro de honra da instituição com estes versos às «Meninas do Barrete Verde»:

Raparigas de Alcochete

Raparigas de barrete
Toucado de Portugal
Por vós ergo a minha taça
Meninas cheias de graça
Meninas cheias de sal

Bebo p'Ia vossa saúde
Bebo p'Ia vossa virtude
Bebo p'Ia vossa beleza
Bebo p'la vossa alegria
E p'los noivos que um dia
Haveis de ter concerteza.

A 16 de Setembro de 1955 o Aposento do Barrete Verde é visitado pelo fadista Moniz Trindade e pelos compositores Frederico de Brito e Ferrer Trindade, intérprete original e autores do fado "Barrete Verde", respectivamente (ver acima imagem que reproduz os autógrafos registados pelos três no Livro de Honra do Aposento).
Trata-se de uma canção muito popular na vila e hino das festas, causando emoção sempre que alguém a interpreta.
Eis, na íntegra, a letra do fado do «Barrete Verde»:


Barrete Verde e jaqueta

E a cinta preta
Toda franjada
Atrás dos toiros mais lestos
Quando os cabrestos
Vão d'abalada

Seguem a caminho da praça
E o gado passa
Como um foguete
Esperas de toiros é esta
A melhor festa
Que há n'Alcochete

Há sempre um toiro na calha
Que se tresmalha
Que faz das suas
Ninguém supõe a alegria
E a valentia
Que andam nas ruas

Depois é ver as faenas
Que são apenas
Prenúncios d'arte
Pegas com palmas e brados
Porque há forcados
Por toda a parte

Barrete, verdes campinas
Brancas salinas
Gente modesta
Que atira ao ar o barrete
Quando Alcochete
Se encontra em festa

Que andar no mar é seu fado
E o Tejo irado
Não lhe faz mágoa
Que vive alegre e contente
Porque é só gente
Da borda d'água

Num texto de Agosto de 1969, publicado no programa das Festas do Barrete Verde e das Salinas desse ano, o Dr. José Grillo Evangelista escreve o seguinte:
"O Alcochetano nasce entre o mar e a lezíria. Faz-se homem entre sal e a charneca. Torra-se ao sol do 'Salgado' do seu Tejo e morre, se for preciso, embarbelado entre os cornos de um toiro. Tais atributos de real valia, bem mereciam que alguma coisa os perpetuasse.
"José André dos Santos, alcochetano dos quatro costados como soe dizer-se, meteu mãos à obra e lançou um dia, a ideia de os consagrar. Aos quatro ventos se propagandeou a lembrança: na imprensa (O Século dando o primeiro sinal de avançar), na rádio, no boca-a-boca!...Que sei eu!... Tudo puxou certo. De todas as formas e feitios se trabalhou. Todos os esforços se congregaram.
"E assim surgiram, castiças e belas, as primeiras 'Festas do Barrete Verde e das Salinas', e o seu êxito correu célere, do Sul às longínquas terras nortenhas.

"Ficaram saudades da 'Festa'? - Se ficaram.- E mais que saudades, ficou o imperioso dever de se repetirem, ano a ano, como cartaz de uma linda Terra que a Deus aprouve marcar na formosura dos seus encantos naturais, da mesma maneira que marcara as amorosas flores dos seus jardins.
"Assim foi que, certo dia, três homens se deram as mãos (António Rodrigues Regatão, Joaquim José de Carvalho e Joaquim Tomaz da Costa Godinho) e ali mesmo, no Terreiro da nossa vila, na velha farmácia Gameiro, chamaram a si mais dezasseis carolas e na noite de 20 de Agosto de 1944, todos juntos, entre nacos de pão com linguiça assada e algumas goladas de água-pé, já bem madura, resolveram fundar o 'Aposento do Barrete Verde', penhor seguro da continuação das Festas.(...)
No livro «As Festas do Barrete Verde e das Salinas em Alcochete» (Lisboa, 1998), Luís Maria Pedrosa dos Santos Graça refere que, "em tempos passados, arranjavam-se os touros para as largadas, conversando a Direcção do Aposento do Barrete Verde com ganadeiros que, muitas vezes, os cediam por preço simbólico.
"O lote disponibilizado concentrava-se num pinhal existente a nascente da vila. À hora marcada, sempre enquadrados por campinos, os touros eram conduzidos a uma das entradas da povoação.
"(...) Os animais vinham em pontas e era suposto ser aquela a primeira vez que se confrontavam com o público, investindo em arranques que pediam cautela e inteligência veloz no desfeitear a força bruta..."
Nada disto sucede nos dias de hoje. Os touros, que já não são "arranjados para as largadas", saem de camionetas em dois pontos distintos da vila (Av. 5 de Outubro e Rua José André dos Santos), após ser lançado um morteiro de aviso. A condução dos animais para a Praça de Touros, razoavelmente cansados após tantas picardias de aficionados e afoitos, é bastante mais segura e bem enquadrada por campinos e "chocas".
A multidão que assiste tem também melhores condições de segurança, garantidas por enormes travessas de madeira dispostas ao longo dos percursos em que os toiros são soltos.
Isso não significa que não haja acidentes, embora quase sempre derivados da imprudência e do excesso de álcool.

Há mais informação sobre as Festas do Barrete Verde e das Salinas no blogue «Coisas de Alcochete», nomeadamente este texto.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ó FONSECA PÁ, NÃO ENERVES OS ALCOCHETANOS. ACHAS QUE HÁ ALCOCHETANO QUE SE PREZE QUE NÃO SAIBA A CANÇÃO(fado) DO BARRETE VERDE? NAS FESTAS NÃO SABEM PASSAR MAIS NADA NAS RUAS

Anónimo disse...

Meu caro F. Bastos, as minhas felicitações pela descrição e eloquencia da prosa de que nos habituou. Nunca será demais relembrar aos mais velhos, dar a conhecer aos mais novos e novos moradores, como nasceram as Festas do Barrete Verde e das Salinas, tradição e orgulho dos Alcochetanos.Bem hajam todos os que contribuem para manter esta tradição.