Para variar resolvi escrever hoje sobre pão, que estará a ser amassado com artes do Diabo porque num país com meio milhão desempregados há falta de padeiros.
Pelas alminhas, dizei-me concidadãos: quem é que ainda fabrica pão tradicional em Alcochete e arredores?
Recordo-me que, quando "aterrei" em Alcochete, à noite deixava o saco pendurado à porta e na manhã seguinte tinha pão ainda morno, macio, estaladiço e dourado em forno de lenha. Bons tempos!
Com o rodar dos anos o homem do pão decidiu mudar de vida. Depois as padarias locais da minha preferência resolveram dedicar-se à pastelaria e aderiram ao simplex industrial. Mandei-as dar uma volta e passei a ir buscar longe o pão. Lamento mas, como diz o adágio popular, "quem não sabe ser merceeiro fecha a loja"!
Infelizmente, a maior parte do que se vende hoje como pão não passa de uma amálgama industrial de má farinha e milagrosos pozinhos de perlimpimpim. Li algures que, todos os dias, surgem novos químicos tecnologicamente avançados para aumentar o tempo de “frescura” do pão, diminuindo os custos de produção e facilitando o processo de fabrico.
Há também essa invenção modernista das massas congeladas, fruto destes tempos de globalização em que se enriquece mais depressa fabricando a baixo custo com mão-de-obra escrava. A qualidade é péssima? Pois é, mas que importa se a padaria evita problemas com a inspecção e aumenta a rentabilidade com a laboração reduzida a poucas horas?
Outra dificuldade comum do sector é a rígida legislação, fruto de um Estado burocrático, controlador e asfixiante. Uma indústria artesanal – como sempre foi a panificação tradicional portuguesa – dificilmente se ajusta às regras de Bruxelas e Lisboa. E os empresários do ramo acabam a reformar-se, porque cumprem as regras mas vêem os clientes a fugir.
O resultado prático desta política é desastroso. O pão transformou-se numa mistura química encortiçada, cujo miolo varia de aspecto entre massa de sapateiro e argamassa, mixórdia sensaborona que nem folhoso de bovino digere facilmente.
Posso estar enganado, mas creio que os legisladores mataram a secular panificação nacional.
Encontrei estatísticas do sector, de acordo com as quais uma única cadeia de supermercados (com loja em Alcochete) domina cerca de 20% do mercado nacional. O seu sucesso resultará do facto de vender pão com características semelhantes ao tradicional, embora a composição anunciada na rotulagem não o confirme.
Há famílias que voltaram a fazer pão em casa. Não longe de Alcochete retomou-se o hábito ancestral do forno comunitário, para pão e muito mais. Em tempos apareceram umas máquinas domésticas que facilitam o trabalho penoso de amassar o pão. Faltará pouco para que, em cada lar, haja mais trabalho a dividir por todos, porque o pão faz parte da dieta portuguesa há séculos.
Procurei informar-me e concluí haver também enorme crise de vocações na indústria de padaria. Não há formação profissional adequada. A maior parte dos padeiros jovens apenas sabe pôr e tirar pão do forno. E já ninguém quer trabalhar à noite, porque é impróprio ter de confessar às amigas ser-se mulher que mal vê o padeiro.
2 comentários:
Paulatinamente, o socialismo e o estatismo, em nome do nosso bem-estar, segurança, saúde, etc., acabarão com a liberdade e reduzir-nos-ão à escravidão.
Ele é o "piercing", o tabaco, o pão...
Pois por aqui por casa chega a trazer-se pão de Torres Vedras (vejam só!) Será assim tão difícil? Numa terra com tanta restauração? Obrigada por mais esta pedrada no charco! (já agora... onde é o forno comunitário?)
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