23 janeiro 2008

Adeus soberania popular na câmara municipal!


Estou do lado dos que entendem ser prejudicial aos cidadãos e à democracia a revisão da lei eleitoral para as autarquias, em elaboração no parlamento, fruto de acordo entre dirigentes nacionais do PS e do PSD.
A lei vigente pode desagradar aos políticos do concelho de Lisboa. Mas no resto do país nada o justifica e o acordo bipartidário, que concede poder de escolha da maioria dos vereadores ao presidente da câmara (que, a partir de 2009, será o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia municipal), parece-me abrir uma Caixa de Pandora.
Qualquer que seja o desejo dos eleitores, a oposição passará a deter representação mínima nas câmaras. E o poder de veto da assembleia municipal à vereação proposta pelo candidato mais votado leva-me a admitir que, em inúmeras autarquias, não só será difícil formar executivos como muito deles estarão fragilizados em pouco tempo.
Desde meados da década de 70, o povo habituara-se a três boletins de voto em eleições locais: assembleia municipal, câmara municipal e assembleia de freguesia. A partir do próximo ano haverá somente dois boletins, acabando a eleição para a câmara municipal. A composição desta resultará da eleição para a assembleia municipal, cabendo a presidência da câmara ao primeiro nome da lista do partido ou grupo mais votado, bem como a designação da maioria dos vereadores. A oposição terá representação simbólica no órgão câmara municipal.
Até aqui, ao votar o povo decidia a composição das vereações. Poderia até eleger um grupo para gerir a câmara e outro a assembleia municipal. Doravante, na câmara a vontade popular poderá ser deturpada por nebulosos jogos de bastidores e o cozinhado resultar desastroso em pouco tempo.
A soberania deixa de pertencer aos cidadãos e, justificadamente, não poucos militantes socialistas e social-democratas contestam o acordo das cúpulas. Os partidos e coligações com menor representação na maioria dos 308 municípios também protestam, mas esses temendo perder influência no poder local.
Em geral, os cidadãos parecem alheados do problema. Não há debate e, naturalmente, as pessoas desinteressam-se de matérias incompreensíveis.
Entrementes, local e regionalmente tem havido declarações e comunicados que misturam coisas distintas: a escolha dos vereadores e o poder dos órgãos assembleia e câmara municipal.
A lei eleitoral para os órgãos das autarquias locais pouco tem a ver com o quadro de competências e o regime jurídico dos órgãos dos municípios e das freguesias. Trata-se de diplomas distintos e, tanto quanto é possível depreender de declarações de dirigentes do PS e do PSD (o teor do acordo, se está escrito, é desconhecido), no campo das competências estará tudo por decidir.
Neste particular aspecto, Alcochete fornece imensos exemplos do que urge discutir e corrigir na democracia representativa. Três exemplos apenas:
1 - Não concebo como podem sete vereadores ter mais poder efectivo que 24 (*) deputados municipais;
2 - Discordo que o papel deliberativo e fiscalizador da assembleia municipal seja eclipsado pelo executivo da câmara municipal;
3 - Porque nem sempre o que convém a maiorias políticas visa "a prossecução de interesses próprios das populações" (citação do texto constitucional), certas decisões críticas deveriam exigir votos favoráveis de 2/3 e 4/5 em ambos os órgãos colegiais.


P.S. - Lapso de memória levou-me a inscrever, inicialmente, 37 deputados. O número real são 24, incluindo os 3 presidentes de juntas de freguesia.

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