14 fevereiro 2007

Minhas ideias sobre a Carta Educativa


A causa das minhas anteriores sugestões, publicadas aqui e aqui, de que a proposta de Carta Educativa do município chegasse ao conhecimento do maior número de residentes, prendia-se com o facto de conter informação preciosa para quem tenha curiosidade em saber o que existe em Alcochete para além dos edifícios e da paisagem.
Porque o mais importante são as pessoas, embora sobre elas se saiba quase nada e contem sobretudo as opiniões das simpáticas porque dependentes dos humores do poder vigente.

A construção da ponte Vasco da Gama e o consequente incremento de loteamentos e de licenças de construção originaram um aumento populacional sem precedentes: mais de 50% nos últimos oito anos.
Não houve planeamento urbano nem foi prevista a satisfação de necessidades elementares de antigos e novos residentes. Entre 2000 e 2005 a procura de todo o tipo de estabelecimentos escolares registou crescimento impressionante.

Quem tiver oportunidade de ler na íntegra a proposta de Carta Educativa, compreendará algumas das minhas críticas sobre "elefantes brancos": no ano lectivo anterior mais de uma centena de crianças do pré-escolar não tiveram vaga no ensino público, a quase totalidade das antigas escolas primárias excedera a capacidade, a preparatória deverá atingir esse limite no próximo ano lectivo e mesmo a secundária – embora recente – tem já 81,2% da capacidade preenchida.
O Estado não investiu em estabelecimentos escolares mas há dois pavilhões desportivos a menos de 5km de distância (perdão, quatro se se levar em conta os da escola secundária e da Escola EB 2/3 El-Rei D. Manuel I), há um fórum cultural quase sempre fechado, uma biblioteca encerrada com capacidade para 50.000 habitantes (hoje seremos 16.000) e uma avenida "travestida" em variante para que o Estado a comparticipasse.
A insuficiência de espaço, a concepção desactualizada e as carências de meios e equipamentos elementares nas escolas do concelho são gritantes. Observem-nas até por fora e pensem se as consideram atractivas, adequadas e humanizadas para crianças e jovens do séc. XXI num país civilizado.


Situação actual

Ensino Pré-escolar
Alcochete tem apenas dois estabelecimentos públicos de educação pré-escolar de construção definitiva: os jardins de infância da Restauração/Alcochete (construído em 1997, com duas salas de aula e 50 crianças no ano lectivo anterior) e de Samouco (com 90 crianças em quatro salas, datado de 2003).
Em São Francisco existe, desde 1997, um pré-fabricado com duas salas, ocupadas por 44 crianças, tal como no Passil, com uma sala para 25 crianças. Ambos os pré-fabricados estão degradados.

Nenhum dos quatro estabelecimentos tem recreio coberto.

Em Alcochete houve notória diminuição de crianças no período 1991/2001, mas a tendência inverteu-se significativamente nos anos posteriores. Hoje a escassez de instalações é gritante.
No período 2000/2005 a procura do ensino pré-escolar público aumentou 41,2%. No ano lectivo de 2005/2006 existiam já 110 crianças em lista de espera (56 em Alcochete, 42 em Samouco e 12 em São Francisco).

Essa carência não tem justificação. Até os privados esgotaram a capacidade no ano lectivo de 2005/2006, quando a Fundação João Gonçalves Júnior tinha já 79 alunos em lista de espera para a creche, 38 para o jardim de infância e 10 para o ATL.

1.º ciclo do Ensino Básico
Existem no concelho seis estabelecimentos públicos do 1.º ciclo do Ensino Básico (número de alunos também referente ao pretérito ano lectivo): Restauração (com 215 alunos, construído em 1997), Monte Novo (129 alunos, construído em 1950), Valbom (98 alunos, erguido em 1983) e Passil (20 alunos, datado de 1957), todos em Alcochete.
Acrescem os de Samouco (136 alunos e construído em 1952) e de São Francisco (69 alunos, erguido em 1957).

Repare-se que 3/4 dos estabelecimentos do 1.º ciclo (antiga Instrução Primária) foram construídos há meio século ou mais (plano "Centenários" do Estado Novo). Uma escola (Valbom) tem quase 1/4 de século e a última foi erguida há uma década.
Nenhuma dessas escolas tem recreio coberto, somente a da Restauração possui balneários e ginásio e há campos de jogos próprios apenas em Monte Novo e São Francisco. Na escola de Monte Novo o refeitório é recente e funciona num pré-fabricado.
A procura de escolas do 1.º ciclo do Ensino Básico (públicas e privadas) cresceu 33,9% entre 2000 e 2005. Consequentemente, com excepção da escola de Passil as demais do 1.º ciclo do Ensino Básico têm a lotação mais que esgotada e quatro delas trabalham em horário duplo.

2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico

Neste nível de ensino a procura aumentou 21,8% entre 2000 e 2005: de 669 estudantes no primeiro ano para 815 no último.
A Escola EB 2,3 El-Rei D. Manuel I, construída em 1984, tinha 97% da sua capacidade ocupada no final do ano lectivo precedente.
No período 2000/2005 o aumento de alunos no 2.º ciclo foi de 28,5% (de 246 para 316) e no 3.º ciclo de 18% (de 423 para 499 alunos).

De acordo com previsões conhecidas, salvo se no presente ano lectivo houver obras para aumento da capacidade desta escola no próximo ocorrerão problemas para instalar todos os alunos previstos.

Ensino Secundário
No período 2000/2005 o número de alunos neste nível de ensino mais que duplicou (de 197 para 409), sendo o crescimento muito sensível a partir do ano lectivo de 2004/2005 devido à inauguração da Escola Secundária Pluricurricular.
No ano lectivo de 2005/2006 esta escola tinha 421 alunos matriculados, correspondendo a 81,2% da capacidade planeada.

Que futuro?

Tendo em conta que a Carta Educativa municipal é "o instrumento de planeamento e ordenamento prospectivo de edifícios e equipamentos educativos a localizar no concelho, de acordo com as ofertas de educação e formação que seja necessário satisfazer, tendo em vista a melhor utilização dos recursos educativos, no quadro do desenvolvimento demográfico e sócio-económico de cada município", é indispensável planear com segurança.
Porém, estranho que, devendo a Carta Educativa "garantir a coerência da rede educativa com a política urbana do município", nesta proposta do executivo municipal não haja uma única palavra sobre política urbana.
Sem planear como e onde crescerá o município até 2015, parece-me que qualquer previsão sobre necessidades, localização e capacidade dos estabelecimentos escolares corre sérios riscos de falhar.


Não tendo podido aceder a informação pormenorizada sobre a proposta da câmara, terei de socorrer-me de uma notícia oficiosa publicada no seu sítio na Internet.

Nela pode ler-se que a câmara propõe a "requalificação da Escola D. Manuel I", "a construção de uma nova Escola Básica Integrada com Jardim de Infância e 1.º, 2.º e 3.º Ciclos, em local a designar para servir a população de Samouco e de São Francisco, para além da construção de raiz de uma Escola Básica de 1.º Ciclo e Jardim de Infância, na sede do concelho, numa área de crescimento urbanístico da vila".
"Para alcançar o desiderato de uma escola a tempo inteiro, a Câmara Municipal de Alcochete avança ainda com a proposta de criação nos estabelecimentos já existentes de novas salas de aula: duas na EB 1 de Alcochete (Monte Novo), duas de Pré-Escolar e duas de 1.º Ciclo na EB 1 N.º2 (Valbom), duas salas de 1.º Ciclo na EB 1 da Restauração, para além da requalificação da Escola D. Manuel I com a disponibilidade de mais duas salas de Pré-Escolar, duas salas para 1.º Ciclo e seis salas para o 2.º e 3.º Ciclos, para além de espaços para outros fins, como salas de apoio, audiovisuais, entre outros".
Começo por estranhar que nestas referências esteja omissa qualquer intenção de planear a rede educativa em cooperação com o município de Montijo, com o qual deveriam ser coordenadas estratégias de localização, de construção e de gestão de novos estabelecimentos escolares.
Os núcleos urbanos de São Francisco e de Samouco distam 2kms do de Montijo, pelo que me parece fazer sentido a cooperação e a racionalização de recursos no ensino. Mas não só nesse âmbito.
Estranho também que a Escola Secundária de Alcochete seja omissa na proposta da câmara, embora tivesse 81,2% da sua capacidade ocupada no ano lectivo precedente. Conviria começar a prever aumento da capacidade, obra problemática porque o espaço não abunda.
Se por requalificar a Escola EB 2,3 El-Rei D. Manuel I se entende aumentar-lhe a capacidade para a utilização actual, nada a obstar. A meu ver a requalificação deveria ser faseada e bem planeada, substituindo-se progressivamente os edifícios de um só piso por novos com dois, por ser indispensável melhorar, quanto antes, todas as instalações de apoio.

Quanto às demais propostas da câmara, manifesto a minha discordância.
A construção de "uma nova escola básica integrada com jardim de infância e 1.º, 2.º e 3.º ciclos, em local a designar para servir a população de Samouco e de São Francisco" significa juntar uma escola do tipo da D. Manuel I com jardim de infância e escola básica. É a solução actual na Av.ª da Restauração, em Alcochete, com os inconvenientes conhecidos de segurança, de estacionamento, de circulação rodoviária e de espaço para ampliações.

Dada a descontinuidade territorial das freguesias de Samouco e São Francisco – o que implica problemas e despesas acrescidos com o transporte de alunos, tanto por progenitores como pela câmara – inclino-me para novos e amplos estabelecimentos integrados, com escola básica de 1.º ciclo e jardim de infância, em cada uma das freguesias. O de Samouco poderia servir também residentes no município de Montijo (e vice-versa, se necessário), caso neste existam limitações idênticas às de Alcochete.
Sobre novas escolas com 2.º e 3.º ciclos e secundárias, o planeamento deveria ser feito em estreita cooperação com o município de Montijo, partilhando recursos e tendo em conta as necessidades previstas no horizonte temporal das respectivas cartas educativas.
Sugiro a construção de raiz não de uma mas de duas grandes escolas básicas de 1.º ciclo e jardim de infância, na sede do concelho, mas discordo que se acrescentem salas novas à escola do 1.º ciclo de Monte Novo (Alcochete), duas de pré-escolar e duas de 1.º ciclo na escola de Valbom e duas salas de 1.º ciclo na escola da Restauração.
Creio que uma nova e grande escola básica de 1.º ciclo, com jardim de infância, deveria ser erguida em zona de expansão da vila e outro estabelecimento com idênticas características poderia ser construído no terreno onde hoje se situa a escola de Valbom.
A meu ver a escola de Monte Novo deve encerrar, sendo o edifício reutilizado para outros fins ou demolido e substituído, por exemplo, por um museu municipal digno da História, das tradições, das artes e da cultura de Alcochete.
Qualquer que seja a versão final da Carta Educativa, o ensino e a terceira idade terão de ser prioridades até ao final do mandato e o sucesso depende, em grande medida, do entendimento com o município de Montijo e do apoio de pessoas-chave que habitam em ambos os concelhos e no distrito.

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