24 abril 2007

A propósito dos 'ideais de Abril'

Li algures que o "executivo municipal de Alcochete está inspirado nos ideais de Abril de 1974". Estará?
Não lhe reconheço ponta de inspiração e menos ainda na dos "ideais de Abril".
A sua prática parece-me muito distinta dos desígnios da Revolução dos Cravos, os quais – segundo uma definição feita há anos pelo falecido gen. Vasco Gonçalves – eram "o entusiasmo, a confiança, a esperança, o empenhamento, o sonho".
A crer nesse ideólogo da revolução, a mim parece-me que este executivo municipal tenta apenas sobreviver. Não lhe noto vestígios de entusiasmo. Duvido que a alguém inspire confiança e esperança. Parece-me sobretudo empenhado em fazer crer que tudo está bem, embora os boatos revelem o oposto mas nunca sejam desmentidos.
Para além de Vasco Gonçalves, outras interpretações da revolução apontam ainda para ideais de liberdade, de justiça social, de solidariedade e de fraternidade.
Quanto a isso também não vislumbro nada neste executivo.
A haver um ideal de liberdade, ele teria tradução prática, por exemplo, na redução das subsídio-dependências e na plena autonomia das instituições locais. A meu ver, o percurso tem sido inverso.
A injustiça social é evidente e só não a vê quem for cego. Sei ser longo e penoso o caminho da justiça social, mas nada fazer só agrava os problemas.
De solidariedade é bom nem falar. Há reciprocidade de interesses e de obrigações? Há partilha de responsabilidades? Há esforços para despertar toda a gente? Há motivos para ter a consciência tranquila?
Quanto a fraternidade, vamos de mal a pior. Por conveniência política, em meia dúzia de anos criou-se mais um dormitório de desenraízados, de desinteressados e de indiferentes.
Se houvesse inspiração nos "ideais de Abril" tudo seria feito para que as pessoas participassem activamente nas questões locais e saíssem do estado de alheamento persistente, cujas causas radicam nos políticos que as enganaram e desiludem.
Não pode haver inspiração nos "ideais de Abril" quando já ninguém sonha. Quando escasseiam os meios e, principalmente, a vontade de plantar e semear alguma coisa palpável e não apenas ilusões. Sobreviver tornou-se, infelizmente, no principal intento. Perdeu-se qualquer capacidade de acção e, sobretudo, de reacção. A miséria não é apenas material mas, primordialmente, intelectual e cultural.
Poderão florescer cravos numa sociedade de egoístas, de intrujões, de apáticos e de alienados governados por vendedores de ilusões? Haverá futuro assim?

1 comentário:

Anónimo disse...

Não é só a prática que destoa do passado. Também a teoria é diferente. Nem mesmo a criatividade renasce, quando sofre a erosão infelizmente monótona de mais uma comemoração de Abril.Só há forma, mas não há substância. O lema liberdade, igualdade e fraternidade foi de novo repisado como no ano passado como se retornássemos ao velhos ideais franceses da revolução burguesa do sec. XVIII.
A liberdade (de imprensa) está bem patente nos artigos publicados no Jornal de Alcochete que envergonham o pluralismo.
A igualdade de oportunidades (já não seria mau)demonstra-se no ranking de certa escola entre as 50 piores escolas do país.
O respeito pela solidariedade com os idosos apreende-se quando alguns suplicam um simples encosto no banco do jardim do largo de S. João