12 março 2012

Reorganização Administrativa Territorial Autárquica : Considerações e Perspectivas


O Poder Local num País em Mudança


Reorganização Administrativa Territorial Autárquica : Considerações e Perspectivas

Na sequência do Documento Verde da Reforma do Poder Local, cuja discussão pública se iniciou no decurso do último trimestre do ano transacto, foi recentemente aprovada, em Conselho de Ministros, a Proposta de Lei nº 44/XII relativa à Reorganização Administrativa Territorial Autárquica. Este diploma segue o seu normal percurso legislativo de acordo com um calendário previamente definido, devendo ser publicado em meados do corrente ano por forma a estar em vigor já em 2013.
Neste contexto, tudo indica que irá descer de novo às Assembleias Municipais e, por conseguinte, ainda irá fazer correr “muita tinta” antes de ser posto em execução. Nomeadamente nos Municípios onde vão ocorrer agregação de Freguesias e, eventualmente, de Concelhos.
Assim, perante a importãncia do tema, regresso de novo a ele nas páginas do “Alcaxete”, um veículo de comunicação que paulatinamente vem assumindo cada vez maior protagonismo e influência na defesa da “vida pública” no Concelho. No entanto, vou apenas cingir-me sobre alguns dos seus tópicos embora o mesmo justifique uma abordagem muito mais detalhada para a qual o espaço é aqui diminuto.


A reorganização administrativa do território reveste-se de especial significado face aos ganhos de eficiência e de escala resultantes da racionalização do número de Freguesias. Decrescem encargos e reduz-se a despesa pública.
Nesse sentido, assume relevância a agregação de Freguesias nas grandes cidades e nos demais Municípios de nível I, onde muita gente certamente nem se vai aperceber que ela irá acontecer. Como, de resto, se viu em Lisboa onde o processo decorreu com o sucesso que se conhece.
Para as novas Freguesias “um mundo novo” se abre. Porque, com a presente reforma, ficam mais protegidas relativamente ao seu passado e, a partir de agora, dotadas de uma maior autonomia administrativa e financeira. Com mais recursos disponíveis, com maior capacidade de intervenção e competências próprias mais extensas (as quais podem até abranger a possibilidade de licenciar actividades económicas).
Também se prevê, inclusivé, que seja constituído um novo orgão, denominado “Conselho de Freguesia”, o qual se destina a funcionar junto das novas Assembleias de Freguesias e cuja função base será a de desenvolver actividades de cidadania e de proximidade junto das comunidades agregadas. Gratuitamente, sem qualquer retribuição e sem o pagamento de senhas de presença aos seus membros. Inegavelmente uma grande inovação face ao figurino que caracteriza as Freguesias actuais.
De dizer também que está prevista, no diploma acima citado, a majoração de 15% do Fundo de Participação das Freguesias, a atribuir até ao final do mandato aquelas que voluntariamente se queiram agregar. Neste processo de fusão, ficam salvaguardados, como é evidente, os serviços públicos prestados à população, a coesão territorial e a identidade histórica, cultural e social das comunidades locais. Não será como demagogicamente muitos por aí vão dizendo.
Relativamente a Alcochete, importa realçar a importãncia e o alcance da norma contida no artigo 15º do projecto em apreço. Torna-se agora possível equacionar, ao abrigo da Lei, a redefinição da circunscrição territorial do Concelho e respectivas Freguesias.
Atente-se no caso da Freguesia de Alcochete. Esta possui 92% do território do Concelho e as duas restantes apenas cerca de 4% cada. Não se verifica aqui um claro fenómeno de subalternização que poderia ser ultrapassado?...
Por outro lado, já nestas páginas muito se escreveu sobre as desconformidades dos limites territoriais dos lugares urbanos do Samouco e Fonte da Senhora, cujos aglomerados se encontram “cortados ao meio” por uma divisória administrativa que não faz sentido algum. Que leva, por exemplo, no caso do Samouco, a que uma parte do lugar urbano esteja servida por rede de saneamento e a outra não a tenha.
A linha de contiguidade que separa os concelhos de Alcochete e Montijo, dividindo os aglomerados de Samouco e Fonte da Senhora, está manifestamente errada. Que é preciso dizer mais para que a regularização dos limites destes dois lugares urbanos comece a ser pensada e devidamente ponderada?...
Com este diploma surge assim uma oportunidade para levar avante tal tarefa. Uma decisiva janela de oportunidade para aproveitar tão importante ocasião. A fim de promover um processo de reforma no perímetro territorial em ambos os Concelhos.
Aos autarcas do Concelho de Alcochete peço apenas que ouçam as populações do Samouco e da Fonte da Senhora. E que o diálogo com os seus homólogos do Concelho vizinho do Montijo se possa realizar.
Oxalá que a “razão prevaleça sobre a posição partidária”...


Uma outra reflexão é pertinente trazer aqui à colação no âmbito da reforma do Poder Local. Que tem a ver com o reforço da Democracia Local.
De acordo com a arquitectura político-constitucional vigente, o Governo da República, os Governos Regionais e os executivos das Juntas de Freguesia emergem das Assembleias que se formam após as respectivas eleições. Por seu turno, os executivos das Câmaras Municipais, situados num patamar intermédio da Administração Pública, são eleitos directamente em listas próprias apresentadas a sufrágio. Ora, este duplo modelo de constituição de executivos na esfera do Poder Local faz pouco sentido hoje em dia. Até porque, a formação de vereações com constituição plural conduz, em muitos casos, a desnecessários impasses na área da acção governativa. Pela sua própria natureza, os executivos são para trabalhar e não para dirimir querelas políticas, muitas delas estéreis. Por isso, a instituição de executivos homogéneos, saídos dos eleitos para as Assembleias Municipais, afigura-se como a melhor solução para a liderança nas Câmaras. Onde, no cumprimento das normais actividades, “se deve falar a uma só voz”.
Contudo, o controlo democrático, a pluralidade e a representatividade política devem continuar sediados nas Assembleia Municipais, ficando o debate e discussão política reservada aos fóruns de intervenção deste orgão. Cabendo-lhe ainda a missão de escrutinar e acompanhar o desempenho dos executivos.
De resto, se observarmos com atenção a nossa realidade local, vemos bem que a oposição, presente na vereação, em minoria, pouca importância tem e a sua influência na acção executiva é praticamente nula. Ao invés, se o conjunto dos vereadores da oposição fosse maioritário poderiam surgir problemas de governabilidade...o que também não é bom.
Em suma, torna-se evidente a necessidade de modificar este “estado de coisas”. A Democracia Local sairá fortalecida com a revisão da Lei Eleitoral Autárquica, também prevista para breve. A alteração ao modelo de eleição dos orgãos autárquicos, a constituição de executivos homogéneos e o reforço de competências das Assembleias Municipais, a par da redução dos autarcas e dirigentes municipais, são os pontos essenciais da mudança que neste domínio se pretende implementar. No fundo, o objectivo é evitar uma excessiva “politização” na acção do executivo, com os consequentes ganhos em estabilidade e eficácia no funcionamento das estruturas municipais.


Uma palavra ainda para a tão indispensável redefinição no modelo de gestão e financiamento do Poder Local.
É notório e evidente que quase todas as autarquias estão a gastar demasiado. No entanto, umas mais que outras. No caso de Alcochete está-se a gastar ou gastou-se exageradamente.
O endividamento é assustador e compromete o futuro de muitas autarquias. Deficiências na acção governativa e opções políticas erradas estão na génese do problema e asfixiam as normais actividades das Câmaras. Se nada fosse feito, muitas passariam a “vegetar” por muitos e bons anos, tão descapitalizadas e sem recursos se encontram. Cortar com o despesismo inútil, racionalizar e dar escala aos serviços constitui uma prioridade, adoptando para o efeito um novo paradigma de gestão que valorize a eficiência e seja capaz de modificar a situação.
Neste momento, está em causa a prestação do serviço público em várias áreas de intervenção dos Municípios e até a própria carreira e estabilidade profissional dos trabalhadores da Administração Local não se encontra garantida, muito por força duma política insustentável de acesso ao emprego público que a maioria das edilidades se habituaram descuidadamente a executar (veja-se, por exemplo, a comparação entre Alcochete e Portalegre, capital de distrito. Portalegre tem igual número de trabalhadores embora muito mais área e habitantes, além de possuir um maior número de aglomerados urbanos dispersos).
Surge assim a necessidade do aprofundamento da legitimidade e de valorização das competências das Comunidades Intermunicipais e das Áreas Metropolitanas na base NUT III (provavelmente o embrião das propaladas Regiões Administrativas). Um novo modelo que se fundamenta numa lógica de renovação das antigas fórmulas de funcionamento das autarquias, susceptível de gerar mais economia de escala e maiores ganhos de produtividade. Tudo na perspectiva de dar esperança e futuro ao Poder Local, hoje em ruptura.
Acresce ainda dizer que, no imediato, em matéria de financiamento, o Governo tenciona implementar a chamada “Lei dos Compromissos”, passando desta forma a impedir que todo o Estado, autarquias incluídas, continue a assumir despesa corrente que não possam liquidar no curto prazo. Havendo, a partir de agora, responsabilidade civil e criminal para os infractores. Impossibilitando o contínuo endividamento com a aquisição de bens e serviços (em Alcochete a dívida a curto prazo atinge já o montante de 5,5 milhões de euros e os pagamentos a alguns fornecedores dilatam-se por mais de um ano. Excluindo a dívida a médio e longo prazo de montante sensivelmente igual).
Encontra-se também em curso a actualização dos valores patrimoniais do edificado urbano, o que vai permitir um substancial acréscimo de receita no IMI a transferir para as Autarquias.
Estas medidas, a par da redução dos encargos salariais em 2012/13, certamente que as vai aliviar do estrangulamento financeiro em que se encontram. Um balão de oxigénio que em Alcochete será muito bem recebido.
Em alguns casos, o descalabro é de tal ordem que já se fala em pedir assistência financeira. Num pedido de resgate financeiro. O que significa o descrédito na gestão e independência financeira do Poder Local. Daí a maior envolvência das Comunidades Intermunicipais, transferindo-se para estas algumas das responsabilidades até agora cometidas ao Poder Local.
Encontra-se prevista ainda a possibilidade dos Municípios, em determinadas circunstâncias, acederem a mais 15% do Fundo de Garantia Municipal durante quatro anos consecutivos, sendo-lhes atribuído igualmente tratamento preferencial no acesso a linhas de crédito e apoio nos domínios da inovação e coesão social. Libertando-os dos constrangimentos actuais e dando-lhes uma maior capacidade financeira. Uma solução que muito pode vir a beneficiar algumas regiões do território nacional...


Por último, importa sublinhar que a Reorganização Territorial, plasmada na citada proposta de Lei nª 44/XII, traduz uma mensagem muito clara quanto à necessidade da adopção de um novo modelo de ordenamento do território e vem num momento crucial face às dificuldades que o País atravessa. Esta reforma e outras igualmente em curso ( Lei do Arrendamento Urbano, Lei Laboral, Lei do Novo Mapa Judiciário, Privatizações, etc) constituem um conjunto de instrumentos com inegável importãncia para a modernização do País. Nada fazer seria altamente lesivo do interesse das populações e dos Municípios.
No caso específico da nossa autarquia, julgo que a força política dominante não se pode sobrepôr aos interesses da Vila de Alcochete e das suas Freguesias. Actuando com a mera preocupação de se perpetuarem no poder, tudo vão rejeitando e hostilizando numa clara manifestação de lamentável autismo. Usando um discurso oficial e uma política de comunicação que afasta interlocutores, não alavanca a economia local nem atrai novos investimentos para o Concelho. Basta uma simples observação para se perceber desde logo que o risco e a iniciativa privada não são bemvindos, o que significa menos desenvolvimento, mais empobrecimento e aumento do desemprego.
Nesta perspectiva, erradicar a política “do mandar abaixo tudo o que vem do governo e da oposição” é uma tarefa que a todos deve mobilizar. Espero, porém, que, pelo menos, exista o bom senso de olhar este diploma como uma oportunidade única para corrigir as assimetrias dos actuais limites territoriais do Concelho e Freguesias.
A Reestruturação do SEL, hoje quase falido, a Reorganização do Território, a Redefinição do Modelo de Gestão Municipal, Intermunicipal e do seu Financiamento e, ainda, o Reforço da Democracia Local são os quatro pilares estratégicos para que uma a verdadeira Reforma do Poder Local seja levada por diante. Assim, para já, em sede de ordenamento territorial, Alcochete deve ponderar realisticamente a oportunidade histórica que este diploma contém.
É que se torna realmente confrangedor ver o Município de Alcochete continuar a evoluir nesta indesejada continuidade, desaproveitando os ventos da mudança ...


João Manuel Pinho

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