26 dezembro 2007

Enfim, haverá comboio em Alcochete?

Eu que, há anos, estudei alguma documentação relacionada com o famigerado projecto de uma ligação ferroviária a Alcochete, li com curiosidade as páginas 6 e 7 da última edição do «Sol», apontando esta região como possível nó do futuro comboio de alta velocidade.
Em face da notícia, parece-me oportuno recordar aspectos de um malfadado projecto do início do séc. XX, pedindo perdão ao autor do blogue «Coisas de Alcochete» por invadir, a título excepcional, matéria da sua esfera de influência.
Essa ligação ferroviária a Alcochete nunca passaria do papel mas esteve, durante as décadas de 40 a 60 do século passado, na origem da chacota de montijenses, mormente por alturas do Carnaval.
Existe no Arquivo Municipal de Montijo alguma documentação gráfica sobre paródias relacionadas com o comboio. De muitas dessas brincadeiras (algumas pouco inocentes, convém sublinhar) há, em Alcochete, testemunhos vivos e memórias de terem acabado ao murro.

Seria o prolongamento natural do extinto ramal ferroviário Pinhal Novo-Montijo (então Aldegalega do Ribatejo), com a extensão de 10,866km, cuja exploração foi iniciada a 4 de Outubro de 1908 – contra a vontade de alguns homens ricos da região – e cessaria a 28 de Maio de 1987.
O plano fora delineado no princípio do século e compreendia o prolongamento do ramal até Alcochete no ano seguinte ao do início da exploração da primeira fase, ideia nunca concretizada
É curioso referir que, aquando da aprovação do PDM de Palmela, por Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/97, de 9 de Julho de 1997, o troço Pinhal Novo-Montijo continuava parte integrante da rede ferroviária nacional. E deveria ser preservado o espaço-canal respeitante a esse ramal, permitindo salvaguardar qualquer decisão futura sobre a sua eventual reactivação. Ainda hoje esse espaço continua quase intocável e só a linha foi levantada!
Recuando no tempo, em artigo publicado pelo jornal «O Século», num suplemento dedicado à Exposição «O Mundo Português», realizada em Lisboa no Verão de 1940, o articulista reproduz uma entrevista com o então presidente da câmara de Alcochete, na altura a cumprir o segundo mandato, Francisco Pereira Coutinho Facco Leite da Cunha, o qual referia "o prolongamento do caminho-de-ferro do Montijo até Alcochete que, por lei, deveria ter sido realizado logo após um ano da sua conclusão até àquela vila". E o articulista acrescenta: "Os alcochetanos, diga-se sem subterfúgios, têm direito a esse melhoramento, do qual depende, em muito e por diversas razões, o seu progresso".
Há poucos anos, Miguel Boieiro, ex-presidente do Município de Alcochete, dizia-me ter sido ele a "negociar" com o então ministro dos Transportes e Obras Públicas, eng.º Joaquim Ferreira do Amaral (filho de uma alcochetana), a retirada dos condicionamentos provocados pelo traçado do caminho-de-ferro no concelho de Alcochete.
Esse traçado, que se tornou ainda mais inviável com o decurso dos tempos, ficaria esquecido no mapa territorial. E apenas quando da elaboração do actual PDM de Alcochete (1995), se notou essa afectação.
Contactada então a companhia ferroviária nacional (CP), essa entidade recusar-se-ia a anular a afectação alegando "não ganhar nada com isso". Após numerosos contactos, restou o recurso directo ao ministro.
A estação que serviria Alcochete ficaria algures para os lados da Bracieira (zona fronteira ao actual Freeport).

3 comentários:

Unknown disse...

O engraçado é que, a dada altura (anos cinquenta e sessenta), o comboio passava por todo o lado, pois muitos pedidos de construção eram indeferidos pela Câmara sob a alegação de que no espaço das obras ou perto dele passava o comboio.
Os aldeanos irritavam os alcochetanos atirando para cima destes a expressão "comboio d'Alcochete". Assisti a cenas de pancadaria que não eram só no Carnaval. Nunca me meti nessas coisas, pois sempre olhei para elas como produto da irracionalidade bairrista. Sem saber, há quarenta anos e até mais, eu já estava a traçar o meu destino nesta terra de Alcochete.

Alcochetano disse...

Caro Bastos,

Longe de mim querer fechar esta esfera. O que mais desejo é que exista divulgação da nossa terra.

Parabéns pelo o excepcional texto e aqui ficam os desejos de uma Boas Festas.

Abraço

Alcochetano

Fonseca Bastos disse...

Não costumo responder a anónimos mas abro uma excepção.
Obrigado Alcochetano. Retribuo amáveis votos e incito-o a ir mais vezes ao baú.