19 novembro 2005

Cidadãos e autarquias de costas voltadas


A principal conclusão de uma tese de mestrado em Administração Pública, citada recentemente pelo «Jornal de Notícias», é a de que os municípios não estimulam a participação dos cidadãos no processo de decisão política.
É importante consultar esse texto antes de prosseguir na leitura destas notas.
Recordo o essencial das conclusões apontadas no artigo do JN:
1 - A esmagadora maioria dos inquiridos (97,5%) declara que a participação dos cidadãos é importante;
2 - Reduzido entusiasmo dos autarcas pelo estímulo à participação, flagrantemente contraditório com as suas profissões de fé nas virtudes do envolvimento dos cidadãos na gestão autárquica;
3 - Só um em cada três inquiridos afirma que os cidadãos são consultados, quando estão em causa projectos estratégicos;
4 - É generalizada a ausência de estruturas destinadas a acolher contributos exteriores, como provedorias do munícipe;
5 - O boletim municipal funciona como "vendedor de decisões às massas", privilegiando a abordagem à obra feita, sem questionamento;
6 - Os políticos locais vivem numa redoma, que os afasta cada vez mais da realidade;
7 - Os munícipes raramente se manifestam em reuniões do executivo e quase sempre para expor problemas pessoais;
8 - Mais de metade dos respondentes ao inquérito (56,7%) admite ser baixo o volume de decisões alterado por efeito da participação dos cidadãos e só 40% o considera médio;
9 - Quando se trata de apurar quem é consultado pelo presidente da Câmara na fase prévia à decisão, surgem à cabeça os vereadores (76,9%) e, em plano muito inferior, os cidadãos, apenas com 12,4%, funcionários (5%) e, finalmente, as organizações (4,1%).
Curiosamente, ou talvez não, sete das nove conclusões respeitam a erros dos detentores do poder, havendo uma contradição nítida entre a questão 1 e as duas seguintes (2 e 3) e só as questões 7 e 8 respeitam a atitudes erradas atribuídas directamente os munícipes.
Ao fim de mais de três décadas de democracia o ambiente social luso continua avesso à ampla discussão dos assuntos públicos, em particular dos locais, sendo os cidadãos incapazes de se organizar e de contribuir para o quotidiano das autarquias ou da localidade onde nasceram ou residem.
Globalmente os cidadãos estão mal informados e têm influência nula nos processos de decisão, sendo portanto fácil a alguns detentores do poder ignorar, denegrir ou amesquinhar uma minoria que ouse incomodá-los.
Se sete das nove conclusões acima apontam para erro dos autarcas, cabe-lhes o principal papel na mudança de atitude. Estarão dispostos a isso? Não creio, por ser mais cómodo fazer de conta que nunca se passa nada de relevante e que os assuntos autárquicos são matéria complexa e só compreendida por quem foi "iluminado" pelo voto.
Os resultados desta fuga de eleitos e cidadãos à responsabilidade estão bem patentes em Alcochete. Ou não?
Para o futuro é bom recordar que o apoio popular é a base do poder e que esse apoio só se mantém se houver diálogo com os cidadãos. O poder é por definição solitário, mas não pode nem deve afastar-se dos eleitores.
O apoio popular é o capital mais importante do governante, mas só se mantém se houver comunicação e o contacto permanente com os cidadãos.

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