12 junho 2012

Pedido e despedida

Peço aos administradores do blog "Praia dos Moinhos" que retirem o meu nome de entre os autores do mesmo.
Desta vez é definitivo. De facto, penso que os leitores mais atentos perceberam o que eu estava a preparar nos meus textos de intervenção política imediatamente anteriores a estes últimos de crítica literária.
Eu sou um homem estruturalmente de direita. Os meus mestres são Burke, Mises, Hayek, Strauss, Voegelin, etc. Eu não posso ter ilusões no seio desta gente que me cerca em Alcochete.
Cometi erros. O maior foi o de me juntar a homens que só aparentemente se interessam pela coisa pública.
O povo está entregue ao povo. Mesmo assim, eu penso que os tubarões de toda a parte não triunfarão, embora ainda haja muito sofrimento pela frente.
Por Alcochete
João Marafuga


Município de Alcochete: Um caso "sui generis"

O Município de Alcochete constitui um caso “sui generis”. Único no País. Um Município com 128,5 Km” e com três Freguesias. No qual, uma delas, a de Alcochete, com 119,5 Km”, detém cerca de 93% do território municipal. As restantes, a Freguesia de Samouco, com 4,8 Km”, ocupa 3,7% e a Freguesia de S. Francisco, com 4,2 Km”, possui apenas 3,3% da área total do Município. Não existe em Portugal nenhum outro Concelho, com três ou mais freguesias, onde uma delas ocupe, por si só, mais de 90% do território municipal.
Trata-se de um caso deveras singular. De um claro fenómeno de subalternização territorial. Que convém perceber com o indispensável detalhe até porque actualmente as “coisas” como estão não estão bem.
Para melhor se entender, façamos então uma retrospectiva da situação.
O Município de Alcochete tem mantido mais ou menos intactos os seus actuais limites desde os tempos da Restauração. Só após o 25Abr1974 sofreu algumas importantes modificações. Das quais destaco duas.
Em 1985, pela Lei nº 75/84 de 31Dez, é criada a Freguesia de S. Francisco. Uma Freguesia considerada como área predominantemente rural, com tradições campesinas, de dimensões reduzidas, que ficou circunscrita apenas ao lugar de S. Francisco e a alguns terrenos agrícolas adjacentes.
Em 2005, através da Lei nº 35/2005 de 28Jan, são fixados novos limites territoriais ao Município e às Freguesias de Alcochete e Samouco. Com o objectivo de integrar os sapais situados entre a Praia dos Moinhos e a Praia do Samouco, até então área considerada como terra de ninguém, “no man”s land”, foram adicionados ao Concelho os territórios estuarinos a descoberto na baixa mar, numa extensão de 3.400 hectares. Deste total, 3.200 hectares foram “metidos” na Freguesia de Alcochete, enquanto à Freguesia do Samouco foram acrescentados somente 200 hectares do mesmo. Ou seja, à Freguesia de Alcochete coube uma parcela de 94%, ficando para a Freguesia de Samouco apenas 6% de toda aquela zona húmida, popularmente designada por “salinas do Samouco”. À Freguesia de Samouco pouco se acrescentou; à Freguesia de Alcochete atribuiu-se a quase totalidade da área de sapal entre Samouco e Alcochete. Enfim...as salinas dizem-se do Samouco mas quem ficou com quase todas elas foi Alcochete.
Deste modo, chegados aos dias de hoje, a Freguesia de Alcochete, uma freguesia de tipologia predominantemente urbana, possui o território do aglomerado da “vila maior”, quase toda a zona de sapal entre as praias de Samouco e dos Moinhos, a restante área de sapal no prolongamento do Sítio das Hortas e ainda as vastas áreas naturais e rurais a nascente e sul do Município. Por seu turno, S. Francisco, uma Freguesia com uma tipologia rural e camponesa, tal qual era considerada na sua génese, está limitada ao seu centro histórico e a uma diminuta área envolvente. Enquanto o Samouco, vila urbana embora com forte pendor agrícola e piscatório, mantém praticamente inalterado o pequeno espaço que ocupa no Município.
Como facilmente se observa, existe aqui uma evidente supremacia territorial por parte da Freguesia de Alcochete. Em detrimento das restantes. Certamente existiram razões históricas para que assim fosse; porém, hoje nada justifica que assim seja. Provavelmente terão sido motivos de natureza financeira, decorrentes do Fundo de Financiamento das Freguesias (FFF), que conduziram a esta situação, já que 15% do montante inscrito no Fundo se distribui em função da área que cada Freguesia ocupa.
Creio, contudo, que presentemente nenhum munícipe das diferentes Freguesias deseja que as “coisas” continuem a permanecer desta maneira. Traduzindo uma manifesta discriminação das Freguesias do Samouco e S. Francisco relativamente à de Alcochete. A que urge por cobro.



Surgiu entretanto a Lei sobre a Reorganização Administrativa Territorial Autárquica. A Lei nº 22/2012 de 30Mai. Para além da muito discutida agregação de Freguesias, torna-se agora também exequível corrigir a contiguidade territorial entre Freguesias e Municípios. Bastando para o efeito um processo simplificado que envolve, no essencial, o “dever de Pronúncia” das Assembleias Municipais a remeter à AR.
É caso para dizer que a Reforma do Poder Local vem no tempo certo. Em Alcochete não se vão agregar Freguesias mas pode-se utilizar os mecanismos previstos na nova Lei para terminar com este anómalo caso “sui generis”. Onde uma Freguesia tem quase tudo e as outras nada. Por isso, reorganizar o território do Concelho, conferindo maior dimensão às duas Freguesias “mais pequenas”, assume-se como uma imperiosa necessidade para equilibrar todo o espaço municipal.
Dar território rural à Freguesia de S. Francisco e ceder território da zona húmida dos sapais das “salinas do Samouco” à Freguesia de Samouco afigura-se praticável e não “belisca” a Freguesia de Alcochete. Esta continuaria a manter a sua preponderância no controlo da maior parte do território do Concelho e não veria afectado o montante que anualmente recebe do FFF (em 2012, Alcochete recebeu 121.730 euros; Samouco cerca de 35.424 euros e S. Francisco 23.940 euros).



Alcochete pode pois constituir um exemplo para o País. Pode aproveitar as virtualidades da Reforma do Poder Local, reorganizando o seu território em benefício das Freguesias e respectivas populações.
É sabido que os nossos autarcas estão relutantes em aplicar tão importante Reforma. Apenas porque é uma Reforma de inspiração social democrata. Já que para a maioria comunista, tudo o que venha do Governo da República ou de Bruxelas é para repudiar. Excepção para as transferências financeiras correntes e outros financiamentos. Mas a Câmara Municipal devia transmitir, desde já, um claro sinal de mudança. De abertura às novas realidades.
De resto, seria óptimo para o Município que a Câmara Municipal invertesse a sua tradicional postura de rejeição e começasse por “agarrar” esta Reforma. Numa lógica de cooperação institucional com o Governo e com todas as “forças vivas” de Alcochete. Não apenas com aquelas associadas à sua base social de apoio. Iniciar o processo de reorganização dos limites das Freguesias seria um primeiro passo. Outros se seguiriam. Com consenso, tudo melhor se faz. Tudo melhor se planeia.
Por fim, importa sublinhar que, à semelhança do que acontece com os “fregueses” de Samouco e S. Francisco, também os “fregueses” da Vila de Alcochete bem percebem o alcance e o propósito do que aqui, nas páginas do “Alcaxete”, se apresenta sobre o assunto em questão. Sobre a importância de dar racionalidade, equilíbrio e maior homogeneidade às três Freguesias. E percebendo os “fregueses”, certamente que os autarcas também percebem...


João Manuel Pinho/Samouco

Grupo Coral do Samouco: Um Ícone da Terra

O Grupo Coral do Samouco é uma exaltação ao Samouco. Um ícone da nossa terra. Quando o vemos em actuação perpassa entre os “samouqueiros” um imenso catálogo de emoções. Ali está o Samouco em todo o seu esplendor. Ali se exprime a “alma do Samouco”.
O Grupo Coral da Sociedade Filarmónica Progresso e Labor Samouquense (SFPLS), popularmente conhecido como Grupo Coral do Samouco, foi formado à cerca de cinco anos. Teve na sua génese a persistência do ainda Presidente da Direcção da SFPLS e de alguns amigos mais, parte dos quais cantavam semanalmente na Igreja Matriz durante a celebração da eucaristia dominical. Começou de forma puramente amadora, sem grandes perspectivas e com inexpressivos apoios públicos. Integrou-se na estrutura da “Sociedade” mas sempre pautou a sua acção pelo regime de plena autonomia, apenas recebendo daquela o necessário apoio logístico e diminutos recursos pecuniários para satisfação de pequenos compromissos.
Da sua composição fazem parte um grupo de “samouqueiros e samouqueiras”, uns de nascimento, outros aqui residentes e amigos da terra, todos irmanados no gosto pela Música e pelo Canto Coral. Fazendo deste um “hobby”, uma forma de convívio, sem a preocupação de patentearem relevantes predicados para a função. Unia-os apenas a amizade, a solidariedade e um forte espírito de partilha. Uma enorme vontade em constituírem um orfeão. Começaram paulatinamente. Com desejo em aprender. Despretenciosamente e sem ambições. Contudo, com o decorrer do tempo e sem se aperceberem, deram corpo à construção daquilo que é, aos dias de hoje, uma grande “instituição” da Vila. Reconhecida e admirada por todos. De início, com a orientação de Gisela Sequeira, maestrina que deu ao Grupo um forte impulso de crescimento e sustentabilidade; agora, sob a direcção de Ana Vale Gato, porventura um dos seus membros mais jovens mas que exibe uma sólida imagem de liderança. Uma maestrina respeitada pelas suas qualidades humanas, pela sua competência profissional e atributos técnicos.
O Grupo Coral do Samouco, na organização do seu repertório, inclui não somente temas de raiz popular mas também temas clássicos, alguns eruditos e outros de natureza “sacra”. Cujo alinhamento, inegavelmente bem escolhido, muito concorre para o excelente nível dos concertos e recitais que vão realizando pelo País. E, dentro em breve, “fora de portas”. Levando e apresentando o nome do Samouco por essa Europa fora. Dando a conhecer a gentes de outros países, com usos e hábitos muito diferenciados, onde fica o Samouco e quais os nossos costumes e tradições. Transmitindo-lhes um pouco da nossa cultura e dos nossos muito particulares marcos identitários.
Hoje, o Grupo está muito longe de ser aquilo que inicialmente foi. Está muito melhor. Tem sido reforçado por mais coralistas, homens e mulheres interessadas em partilhar experiências e participar nesta linda aventura de promoção da Cultura e de divulgação da bela manifestação estética que é o Canto. Não posso, no entanto, passar sem deixar um testemunho de apreço aos coralistas que estiveram na origem do Grupo. Aqueles que o levantaram a partir do nada.. Não os enumero porque não merece a pena. Nem eles ou elas o pretendem. Porém, merecem uma palavra de saudação. Merecem o reconhecimento e a estima das gentes do Samouco.
Por outro lado, observando o Grupo, desde logo se percebe o carácter genuíno do sentir “samouqueiro”. Donde ressalta uma franca generosidade e fraternal solidariedade em torno de um ideal comum. Que permite perceber o que significa a dedicação, o esforço e o empenho daquela “malta” em projectar, cada vez mais alto e mais longe, a SFPLS e a Vila do Samouco.
Por isso, falar do Grupo Coral do Samouco, dando-o a conhecer mais em detalhe , aqui nas páginas do “Alcaxete”, constitui para mim um imperativo. Que faço com orgulho. Dando a conhecer a mística, o encanto e a iniciativa daquela gente. No fundo, para dizer a todos a honra que é ter nascido ou morar nesta bonita Vila da área metropolitana da cidade de Lisboa.
De resto, tona-se inefável expressar algo mais sobre o Grupo Coral. Oxalá não lhes faleça a vontade para continuarem o seu percurso em prol da promoção do Canto e da Cultura... mantendo, em simultâneo, uma forte determinação na afirmação dos valores da “nossa terra”. O Grupo adquiriu já um estatuto de eleição. É considerado e bastante apreciado. Representa um inestimável património na difusão daquilo que constitui a idiossincrasia do “samouqueiro”.
Enfim...que mais se pode acrescentar? Apenas que o Grupo Coral simboliza uma enorme alegoria ao Samouco...que traduz uma infinita manifestação do “sentimento samouqueiro”. Grande “malta” aquela.


João Manuel Pinho / Samouco

09 junho 2012

Cesário Verde


As transcrições de versos de Cesário que neste apontamento se fizerem são extraídos da Obra Completa de Cesário Verde, organização de Joel Serrão, Livros Horizonte, 1988.
Em Cesário Verde, recorrentemente, o Estado é a fonte desencadeadora do mal. Isto logo se vê num dos seus primeiros poemas, Ele, publicado em 1874: «Era a repercussão dos bodos luculianos!/E os áulicos boçais e os parasitas nobres/bebiam doidamente os vinhos de mil anos»
Essa 'fonte desencadeadora do mal' também é vista através da própria figura feminina, aqui e acolá representação do poder que arrocha inexoravelmente: «Cintila no seu rosto a lucidez das jóias./Ao deparar consigo a fantasia pasma;/Pausadamente lembra o silvo das jibóias/E a marcha demorada e muda dum fantasma» (Frígida, 1875).
A estrutura mental de Cesário Verde é essencialmente cristã. Isto vê-se não só pela síntese que é toda a poesia deste segundo Camões, quero dizer, pelo diálogo que o poeta mantem com os lugares-comuns (topoi) do cristianismo, mas também porque nunca faz o que Pessoa e Saramago farão mais tarde: destruição da Trindade e de todos os mistérios do Catolicismo, do Símbolo dos Apóstolos (Credo), da Virgem Maria, coroa máxima da ideia de mãe, etc. Mas Cesário, como Bocage no séc. XVIII e Eça, por exemplo, no séc. XIX, é, com toda a justeza que historicamente lhe assiste, anti-clerical porque ele se deparava com um clero corrupto mancomunado com o Estado, tudo isto um estorvo duro de ultrapassar à progressão da burguesia laboriosa. De volta a outro poema de 1874, Impossível, pode ler-se na última estrofe: «Eu posso amar-te como o Dante amou,/Seguir-te sempre como a luz ao raio,/Mas ir, contigo, à igreja, isso não vou,/Lá nessa é que eu não caio!». Este anti-clericalismo é recorrente em toda a obra cesariana.
Cesário Verde não perde tempo com os parasitas da sociedade, quero eu dizer, não perde tempo com aqueles que mais lucram com o trabalho de todos. Ele apenas glorifica quem trabalha, tal como, entre vários poemas, se pode verificar em O Sentimento dum Ocidental, 1887. Aqui são exaltados os, diríamos hoje, taxistas («Batem os carros de aluguer, ao fundo,/Levando à via-férrea os que vão...»); os carpinteiros («Como morcegos, ao cair das badaladas,/Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros»); os calafates («Voltam os calafates, aos magotes,/De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos»); as varinas («E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,/Correndo com firmeza, assomam as varinas»); as costureiras e floristas («E mais: as costureiras, as floristas/Descem dos magasins, causam-me sobressaltos»); os emigrados («Entro na brasserie; às mesas de emigrados,/Ao riso e à crua luz joga-se o dominó»); as prostitutas («E saio. A noite pesa, esmaga. Nos/Passeios de lajedo arrastam-se as impuras»); os forjadores («Num cutileiro, de avental, ao torno,/Um forjador maneja um malho, rubramente»); os padeiros («E de uma padaria exala-se, inda quente,/Um cheiro salutar e honesto a pão no forno»); os professores («E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso,/Pede-me sempre esmola um homenzinho idoso,/Meu velho professor nas aulas de latim!»), etc.
A explicação dada, a nível universitário, sobre a razão de o poeta apresentar o seu professor de Latim a pedir esmola era irracional como irracional ainda é a concepção da temática cidade/campo implantada em todo o ensino escolar.
Inclusive na Universidade, participei em debates em torno do par cidade/campo. Uns diziam que gostavam mais da cidade porque nesta há cinemas, teatros, vida nocturna, etc. Outros diziam que detestavam o trânsito e o ar poluído das cidades, preferindo o ar puro do campo, o contacto  com a natureza, etc. Já viram alguém a defender que a praia é melhor do que as termas, estas preferidas por outro? O espírito da coisa era esse. Alguns professores, tão alienados como os próprios alunos, colaboravam com tudo isto, deitando da boca para fora que uma coisa complementava a outra.
Por trás da dupla cidade/campo estão plataformas económicas da sociedade. A cidade identifica-se mais com o universo burguês...com a azáfama burguesa...com a revolução do capitalismo. Curioso que a revolução do cristianismo, há 2000 anos, também se desenvolveu a partir das cidades, mais ou menos em conflito com os pagãos, gente do campo. Este, face às mudanças, é sempre mais conservador, mais pelo adquirido e testado, só muito lentamente aderindo às novas conquistas da cidade, palco de novidades constantes para o bem e para o mal.
Francamente que eu não percebo que o conhecidíssimo poema cesariano De Tarde, 1887 («Naquele pic-nic de burguesas»), seja encarado como campestre (o que é um poema campestre?), quando nele eu mais não vejo que a deslocação da cidade para o campo.
Outro poema de Cesário que seria do ciclo campestre é De Verão, 1887, mas para mim o texto é a apologia de toda a dinâmica capitalista, sendo o carreiro de formigas a grande metáfota (alegoria) para o almejo de tal fim: «Não me incomode, não, com ditos detestáveis!/Não seja simplemente um zombador!/Estas mineiras negras, incansáveis,/São mais economistas, mais notáveis,/E mais trabalhadoras que o senhor!».
O poema campestre de Cesário, por excelência, seria Nós, 1884, ainda que o poeta escreva: «Foi quando em dois verões seguidamente a Febre/E o Cólera também andaram na cidade,/Que esta população com um terror de lebre,/Fugiu da capital como da tempestade». Mas um pouco mais à frente logo desabafa...como se nostálgico do espaço urbano deixado para trás: «Que triste a sucessão dos armazéns fechados!».
Em Nós vemos a denúncia de resquícios de uma sociedade feudal («Das courelas, que criam cereais,/De que os donos - ainda! - pagam foros,/Dividem-no fechados pitosporos,/Abrigos de raízes verticais»); o cântico à exportação («A exportação de frutas era um jogo:/Dependiam da sorte do mercado/O boal, que é de pérolas formado/E o ferral, que é ardente e cor de fogo!»); finalmente, a estocada ao Romantismo...quiçá garrettiano («Ah! O campo não é um passatempo/Com bucolismos, rouxinóis, luar»).
Aqui acaba um pálido esboço de uma figura ímpar de toda a Literatura portuguesa, até hoje desprezado literária e culturalmente só porque esteve do lado certo.

06 junho 2012

AMOR DE PERDIÇÃO de Camilo Castelo Branco

Confesso que passei décadas a analisar com os meus alunos esta obra ímpar de Camilo sem nunca me sentir intelectualmente satisfeito com a mensagem que lhes transmitia.
Eu era influenciado pelas ferramentas que me tinham sido dadas na Universidade e, face ao Amor de Perdição (1862) pouco mais referia aos jovens que o conceito pundonor (ponto de honra): o de Tadeu de Albuquerque sobre o amor à filha; o de Domingos Botelho sobre o amor ao filho; o de Teresa e Simão sobre o amor que confessam  um ao outro. Depois complementava com noções de Romantismo, narratologia e gramática. E pronto, a obra estava dada.
A verdade é que se eu dissesse aos meus alunos sobre Literatura metade do que aqui tenho escrito neste blog, a direcçãp da escola pôr-me-ia num qualquer gabinete entretido com coisa nenhuma. Isto só não me aconteceu - devo dizer a verdade - porque eu só comecei a suspeitar das coisas que aqui digo quando já tinha mais de 50 anos. A minha última meia dúzia de anos no Ensino foi uma tortura não só pela reforma odiosa dos socialistas, mas também porque me descobri um instrumentozinho do Estado para a submissão da sociedade ao Estado. A respeito disto vejamos o que nos diz o sábio: «a estatização do ensino é, entre nós, uma constante desde a fundação da universidade pombalina nos finais do séc. XVIII, [...]. O caso insólito do aparecimento de universidades privadas, há dois séculos rigidamente proibidas pelo Estado, no momento em que a revolução socialista de 74 estatizava violentamente as instituições, as grandes empresas financeiras e até as propriedades fundiárias, seria o desmentido desse controlo se não acontecesse terem sido as universidades privadas condicionadas, na formação dos seus corpos docentes e nos seus programas escolares, de tal modo que não passam de extensões administrativas das universidades do Estado. O caso insólito da sua fundação reduziu-se, afinal, a um recurso da corporação universitária para pôr ao abrigo de algum excesso revolucionário os seus professores. Como, depois, os graus inferiores do ensino, em especial o secundário, sempre tratados com humilhante desdém, estão limitados pelo Ministério da Educação a transmitir os conhecimentos ministrados na Universidade, fica controlada a totalidade do ensino escolar» (Palma, Ernesto, O Plutocrata, Serra d'Ossa, Lisboa, 1996).
Voltemos à vaca-fria. Afinal qual a mensagem de Amor de Perdição? Esta novela camiliana insere-se na melhor tradição de toda a nossa Literatura: a aristocracia é uma casa desavinda contra si própria, restando-lhe só a ruína. Alegoricamente, isto é representado pelo ódio de duas famílias da nobreza que impedem sem apelo nem agravo o amor dos filhos (Simão e Teresa). Estes morrem...
A burguesia ascende ao grande estrado do poder e a aristocracia perde a direcção da História e desce em definitivo. Eis por que, na diegese (história), Teresa não é substituída no coração de Simão por Mariana, filha de um trabalhador independente.
Para mim, Amor de Perdição de Camilo é uma obra realista porque expressão de eminente adequação ao real.

05 junho 2012

A minha charneira para a Literatura Portuguesa Clássica, Moderna e Contemporânea

A minha charneira para a Literatura Portuguesa, da aurora da era moderna aos dias de hoje, é o canto V de Os Lusíadas, estrofes 50 a 59. O que se vê aqui?
O Adamastor é a terra («Fui dos filhos aspérrimos da Terra»), o mundo feudal em agonia; a Thetis é o mar («Ó Ninfa, a mais formosa do Oceano»), o mundo moderno em estado nascente.
Qual era a possibilidade do enlace amoroso entre uma idade em estertor e outra pujante de vida? É que o servo dava os primeiros passos em direcção ao homem livre.
Nesta conformidade, desde Camões até aqui e agora, o que verifico é que a maior parte dos nossos escritores são Adamastores, quero dizer, eles não são homens do tempo que ao tempo os deu.
Em contrapartida, Cesário Verde, o Camilo (Amor de Perdição), o Nemésio (Mau Tempo no Canal) e a Agustina Bessa-Luís (A Sibila)...considero-os do lado de Thetis, «...das águas a Princesa» (Os Lus., V, est. 52).

03 junho 2012

Ando aqui às voltas...

Ando aqui às voltas com um problema.
Se pegarmos em Os Maias de Eça de Queirós e Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco, verificaremos que o protagonista da primeira obra, Carlos da Maia, é filho e neto de homens dominados pelas mulheres...tal como o protagonista da segunda, Simão Botelho, é filho de um títere manietado pela respectiva mulher.
Convém, desde já, não perder de vista que estas personagens representam a nobreza portuguesa.
A questão é esta: Eça e, antes deste, Camilo o que é que nos queriam dizer quando desenhavam os traços destas personagens?
Bom! A culpabilização das mulheres pelos desaires do universo masculino, talvez melhor dizendo, pelos desaires do patriarcado, é estratégia que existe desde que a humanidade tem memória de si.
Em matéria de religião, veja-se, por exemplo, a história bíblica de Adão e Eva, representantes da humanidade inteira; em matéria da História de Portugal, veja-se, por exemplo, o último rei da primeira dinastia, D. Fernando, que não se livra da fama de ser pau-mandado de D. Leonor Teles e o último rei da segunda dinastia,  D. Sebastião, que raramente é referido sem se dizer ou insinuar que era misógino como se as mulheres tivessem culpa que o rei lhes desse pouca ou nenhuma importância.
Mas também eu tenho que ver uma coisa: quando, de facto, me desagrada que a origem dos malogros na área masculina seja tributada às mulheres, eu estou a obedecer à minha subjectividade e pendor personalista ou à real natureza do humano? Esta natureza é como é ou como eu desejaria que fosse?
Não vejo nenhuma instituição a defender mais que a Igreja Católica a dignidade da pessoa humana. O meu conceito de pessoa deixa-me desarmado quando o sacerdócio é negado às mulheres, mas também sei que, uma vez a mulher ordenada sacerdotisa no seio da Igreja Católica, esta acaba como instituição.
Então no que ficamos? Ficamos a viver em permanente tensão que esta é mesmo a sina da Fé Cristã.
Meus amigos, o poder é o poder. O que é que eu quero dizer com esta tautologia? Quero dizer que o poder não é uma linha horizontal, mas, sim, uma linha vertical; que ele, o poder, é o primeiro ponto do cimo.
É tão mau uma sociedade patriarcal como uma sociedade matriarcal, mas face à natureza do humano e do poder temos que fazer a escolha que nos esmague menos e permita que vivamos...ainda que em tensão, sem prejuízo da luta contra todo o abuso.

01 junho 2012

Camilo e Eça

Ando a reler o Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco publicado em 1862.
Os Maias de Eça de Queirós foi publicado em 1888.
Portanto, feitas as contas, há um espaço de tempo de 26 anos entre a publicação das duas obras.
O que eu verifico é que a caracterização de Afonso da Maia obedece estruturalmente aos mesmos traços da caracterização de Domingos Botelho Mesquita e Meneses, pai de Simão, o herói desta novela camiliana. Isto não surpreende porque estes escritores têm algumas preocupações em comum, para além de que, poria a minha mão no fogo, Eça leu Camilo e diria de si para si: "não sou eu que escrevo melhor português que este camarada!".
Então o que há de comum na pintura de Afonso da Maia e Domingos Botelho? É que estas duas personagens são chefes das respectivas famílias de jure, mas o que se verifica de facto nas casas de uma e outra é o matriarcado.
Não vou expor aqui e agora juízos de valor, mas sem sombra de dúvida que os narradores das obras em foco apontam o amolecimento do poder patriarcal no seio da aristocracia para a preterição desta a favor da burguesia. Só atraiçoando o próprio texto e os dados da análise é que eu poderia negar ou mesmo omitir o afirmado no período imediatamente anterior. Mas se eu embarcasse em tal, falsificar-me-ia a mim próprio e à minha posição de professor.
Ora nada se vê na sociedade que já não se tenha visto na Literatura.
Hoje a criminosa ideologia de género, causa tenebrosa das esquerdas, mais não faz do que formatar a sociedade para o matriarcado, meta de prostitutas, homossexuais e gajos cheios de dinheiro e de porcaria na cabeça.