30 outubro 2011

JUNTA DE FREGUESIA DO SAMOUCO: UMA DECISIVA OPORTUNIDADE

Na sequência do Documento Verde de Reforma da Administração Local veio o Governo lançar um plano de reorganização e reestruturação do mapa autárquico, cujo objectivo visa reduzir o excessivo número de freguesias (4.259), melhorar o seu funcionamento interno, dar-lhes escala e reforçar a sua actuação e competências.

No nosso concelho, surge então uma nova freguesia resultante da agregação dos territórios das actuais freguesias de Alcochete e Samouco. De acordo com a projecção apresentada, o município de Alcochete fica apenas com duas freguesias. Uma freguesia de área predominantemente urbana (APU), a qual integra a vila sede do município e a vila do Samouco; uma outra de área maioritariamente urbana (AMU) que é a actual freguesia de S. Francisco.

Assim sendo, o território da vila e freguesia do Samouco (APU), localizado num pequeno concelho com menos de 25.000 habitantes, que somente pode possuir uma freguesia APU e tem neste momento duas, será inevitavelmente agregado ao território da freguesia de Alcochete. Donde resulta uma nova freguesia. A freguesia Alcochete/Samouco. A vila do Samouco é, no fundo, vítima da pequenez do concelho de Alcochete e, por isso, a sua freguesia extingue-se enquanto autarquia com autonomia e independência, desaparecendo quando o novo mosaico for implementado.

Tal não significa, contudo, que a vila do Samouco perca toda a sua identidade histórico-cultural, a sua toponímia e especifidades locais. O Samouco será sempre uma vila marcada pela influência “da terra, do campo e do mar”, de agricultores, trabalhadores rurais e pescadores, de fortes tradições agrícolas e marítimas, os quais desde os primórdios fizeram a vila crescer e ser aquilo que hoje é. Uma vila de trabalho.



De qualquer modo, desde os tempos da Restauração, sempre foi notória uma subalternização do Samouco em relação a Alcochete...basta ver o espólio museológico patente no museu municipal para se perceber de imediato essa evidência.

Infelizmente, os autarcas do Samouco pouco têm feito para contrariar esta tendência de contínua subordinação aos desígnios da “vila maior”. Deixam tudo ao critério do executivo da Câmara. Prepositadamente. E quando afirmam que “a freguesia do Samouco será aquilo que a Câmara de Alcochete quiser que ela seja”, torna-se nítida uma manifesta dependência que muito vem condicionando o desenvolvimento da nossa terra. Que creio ser resultado de uma excessiva fidelização partidária e uma manipulação voluntariamente aceite, altamente lesivas dos interesses do Samouco. Com eles, as estratégias de crescimento sustentável para o Samouco têm sido nulas. Existe uma ausência de planeamento que dá dó. E sem planeamento nada se faz. Não há uma visão de futuro.



O aglomerado urbano do Samouco encontra-se há muitas décadas dividido por dois concelhos. O que indiscutivelmente limita a sua homogeneidade e coesão. De resto, esta linha de divisão administrativa vem gerando bastantes anacronismos na gestão e ordenamento dos espaços adjacentes ao aglomerado. Do lado pertencente ao município de Alcochete, está aprovada a expansão urbana (UE 4) da zona poente do Samouco-Terra Nova; do lado do Montijo, as pequenas parcelas e quintas estão classificadas como Reserva Ecológica Nacional (REN), nas quais os proprietários nenhuma iniciativa podem tomar. A mesma continuidade territorial, terrenos de igual natureza, contíguos, ladeando a mesma urbe são objecto de um tratamento tão diferenciado. Como pode uma mera linha administrativa separadora de dois municípios causar tantos danos à nossa vila. E como é possível duas Câmaras tratarem-na de modo tão diverso!

Tudo isto está errado e a autarquia do Samouco nada reivindica. Vendo, nada vê e diz que nada é com ela. Impõe-se fazer valer a razão e o bom senso. Daí que a agenda da reforma para a Administração Local, proposta pelo governo, vem no tempo certo. Através da qual ambos os executivos municipais se podem agora entender e solucionar tal aberração. Mas para isso os autarcas do Samouco têm de dar “um empurrão”. Lutar e fazer valer os interesses da sua e nossa terra.



Por outro lado, a CMA delineou, a partir de 2009, um programa de acção para a regeneração da frente ribeirinha de Alcochete. Só que essa intervenção ficou pela praia dos moinhos e pelas salinas próximas de Alcochete. Quando a dinâmica económica de toda a frente ribeirinha justificava também a requalificação da praia do Samouco. Fazendo com que o referido programa de acção se estendesse até à praia do Samouco. O impacto económico da praia do Samouco no concelho é por demais evidente e de assinalável interesse estratégico. Facto que devia ser olhado com a devida atenção. E não foi. Se o fosse, tornava-se então possível planear a reabilitação da zona, onde as construções clandestinas proliferam, transformando-a num enorme bairro decrépito e degradado.

Face às potencialidades que caracterizam o território e o estuário, um pequeno porto de abrigo, uma estação de depuração de bivalves e uma unidade de aquacultura constituiriam uma importante infraestrutura económica, susceptível de ajudar a alavancar as actividades associadas ao segmento das pescas e afins que no Samouco já tiveram, em tempos idos, um inegável valor.

Não se ponderou, nem se planeou porque não se quis. Projectou-se a requalificação da praia dos moinhos e a reconversão da salina do “Brito”, esta numa lógica de recuperação e valorização da salinicultura e de promoção da biodiversidade nos ecossistemas de região. Contudo, não se chegou à praia do Samouco quando era possível fazê-lo. Em suma, a regeneração da frente ribeirinha de Alcochete deixou para trás a requalificação da praia do Samouco...e quanto aos autarcas da terra, deles nada se ouviu.



Uma vez mais, perante o que se observa, o planeamento e o ordenamento do território do Samouco sofrem com a visão inequivocamente redutora que os eleitos locais denotam. Embora a eles compita a liderança e o exercício de funções no comando da autarquia porque legitimados pelo voto. Isso é indubitável e assim deve ser. Aos outros, aos demais “samouqueiros”, de nascimento e residência, em sede de participação cívica, apenas compete sugerir caminhos, indicar alternativas...nada mais.



Surge agora, porém, uma oportunidade, no âmbito desta reforma, para que o Samouco assuma um maior protagonismo no concelho. Oportunidade única a aproveitar pelos nossos autarcas.

Apesar da tipologia do município de Alcochete apontar para que a nova freguesia se instale em sede de município, julgo que a localização do seu edifício sede deve ficar no Samouco. No mesmo edifício onde se encontra hoje a junta de freguesia do Samouco. Por muitas e variadas razões. Desde logo, por ser um dos mais bonitos, senão o mais bonito, edifício de junta existente no país. Que não deve por isso ser desperdiçado. Para que continue a manter a sua dignidade institucional como espaço autárquico, o espaço mais nobre no Samouco...

Além de ser conveniente que nenhuma das vilas perca serviços e apoios de natureza pública. Ora, caso a nova junta seja instalada no Samouco, ambas as vilas nada perdem. A vila de Alcochete, sede de município, onde a Cãmara Municipal possui instalada toda a sua estrutura, irá continuar a dispôr de todos os serviços como até agora. A vila do Samouco, com a nova junta, que passa a ter um reforço mais alargado de competências e maior capacidade de intervenção num território muito mais vasto, também só tem a beneficiar com a situação.

Os autarcas do Samouco não devem assim andar a lutar pela manutenção das duas freguesias. Porque é um gasto de energia desnecessário e porque o governo pretende no Poder Local diminuir custos e valorizar a eficácia dos meios disponíveis, potenciando economias de escala. Daí que muito dificilmente a nova freguesia no concelho deixará de ser uma realidade.

Por isso, as suas reivindicações devem apenas ser dirigidas à CMA. Nelas apresentando a defesa das razões conducentes à instalação da nova junta de freguesia Alcochete/Samouco na vila do Samouco. No edifício sede da actual junta de freguesia. Essa é a única causa pela qual os nossos autarcas e todos os “samouqueiros” se devem mobilizar e lutar...em todos os fóruns onde o tema se discuta.

Se assim for, o Samouco só ganha...e julgo até que na CMA haverá sensibilidade suficiente para perceber o racional da pretensão, caso tenha em conta os fundamentos nela expressos e os superiores interesses da nossa vila.



Por outro lado, perante este novo desenho do município, onde apenas passam a coexistir duas freguesias, os limites de ambas terão de ser imperativamente revistos. Revista a sua contiguidade territorial.

Isto porque a nova freguesia, enquanto freguesia APU, tendo uma natureza urbana, vocaciona-se inegavelmente para a gestão dos aglomerados das vilas do Samouco e de Alcochete, os dois situados na faixa ribeirinha. Cujos limites a leste e a sul devem ser a EN118 e o caminho municipal 1004 (estrada real).

A partir daí, continuando para sul e leste, todo o restante espaço natural, agro-florestal e de sobro seria adicionado ao território da actual freguesia de S. Francisco. Desde o Rego da Amoreira à Malhada de Meias, passando pelos lugares da Fonte da Senhora, Passil e Terroal. A freguesia de S. Francisco, de tipologia AMU, mais virada para o campo, com maior experiência na gestão das áreas de edificação dispersa e uma perfeita noção da ruralidade subjacente ao concelho, estará evidentemente qualificada para administrar os territórios acima descritos.

O que antecede parece uma solução pragmática e razoável, com uma equilibrada distribuição de território pelas duas freguesias. Todos ganham, ninguém perde. Poupando-se recursos e ganhando escala, exactamente como preconizam os principais objectivos da reforma a implementar. Têm a palavra a Câmara e as freguesias.



Por último, importa sublinhar que aos autarcas do Samouco apresenta-se aqui um ensejo único de deixar um rasto de inegável audácia para o futuro da vila. Lutar pelo compromisso de nela vir a ser instalada a sede da nova freguesia Alcochete/Samouco. Deixando um legado de assinalável importância para o devir da nossa comunidade. Os “samouqueiros” e os novos residentes certamente hão-de agradecer.

A vila de Samouco tem pela frente uma decisiva oportunidade. Crescer e afirmar-se no seio do concelho de Alcochete. Oxalá que o executivo da actual junta de freguesia e toda a sua base social de apoio compreendam o alcance das novas perspectivas que se oferecem...e agarrem esta ocasião porque reformas desta natureza acontecem uma ou duas vezes em cada século. Os ventos da história estão a nosso favor!...


João Manuel Pinho

Samouco

* Texto escrito segundo o antigo acordo ortográfico.

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