07 março 2014

Resíduos Sólidos Urbanos: Uma Questão de Futuro

Recentemente, o Governo aprovou o processo de privatização da Empresa Geral do Fomento (EGF), a qual é responsável por assegurar o tratamento e valorização dos resíduos sólidos urbanos, de forma ambientalmente correcta e economicamente sustentável, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente.
AEGF tem por missão responder pela gestão dos sistemas criados, cujas 11 empresas concessionárias, constituídas por ela em parceria com as autarquias, processam anualmente quase 4 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU), produzidos em 174 municípios por cerca de 60% da população de Portugal.
Na península de Setúbal, a EGF, em associação com 9 municípios, criou a Amarsul que serve 780 mil habitantes distribuídos por uma área geográfica com cerca de 1.500 km”.
Em Alcochete, a Câmara Municipal (CMA) detém uma pequena participação do capital social da Amarsul, estando todo o território do concelho coberto no tocante à recolha e tratamento dos RSU que produz.
Ora, depois do anúncio da privatização, surgiu no distrito um grande alarido à volta do assunto sem que, a meu ver, razão alguma o justifique. Inclusivé, várias autarquias, entre as quais Alcochete, fizeram aprovar moções contra a privatização da EGF apenas por motivos de natureza político-partidária e com o único propósito de levantar turbulência e fomentar a contestação. Sem ter em conta o verdadeiro alcance da medida e os benefícios sociais que dela decorrem para as populações.
De qualquer modo, polémicas à parte, convém compreender com clareza quais os fundamentos que suportam toda a reestruturação do sector dos resíduos sólidos urbanos, assim como a respectiva privatização da EGF. Feito isso, facilmente se constata a bondade e o sentido daquela decisão. Deixo algumas pistas:
- A privatização da EGF faz parte do Memorando de Entendimento assinado com a “troika” e é uma exigência de Bruxelas;
-Ao Estado deve apenas caber o papel de supervisor em termos económicos e ambientais, tendo ainda, enquanto concedente, a obrigação de zelar pelo cumprimento dos níveis do serviço público que são prestados;
- A privatização visa proporcionar um encaixe de relevo e reduzir as responsabilidades do Estado sobre uma enorme dívida financeira, estimada no valor de 200 milhões de euros, com tendência para se avolumar, caso continue a perdurar o actual modelo de gestão e esta estrutura accionista;
-Promover a sustentabilidade global dos sistemas e, por força de uma maior eficácia na gestão, conseguir atingir as metas previstas no Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos (PERSU 2020);
-Atribuir à Entidade Reguladora dos Serviços de Àguas e Resíduos (ERSAR) poderes de fiscalização e regulação na arbitragem entre concessionários e municípios;

A intenção do Governo mostra-se adequada. Tal como actualmente o panorama se apresenta, onde o volume de endividamento assume contornos preocupantes, a actividade operacional começa a denotar ineficiências várias devido à escassez de recursos e a capacidadede investimento do Estado e dos municípios é quase nula, torna-se natural qua a qualidade dos serviços se comece a deteriorar. Nesta perspectiva, a privatização vai certamente garantir a manutenção ou melhoria dessa qualidade, renovar equipamentos e harmonizar as disparidades das tarifas que são praticadas entre os diferentes sistemas.
E não será despiciendo pensar que o novo concessionário tenciona dar dimensão e escala aos sistemas e reforçar a capacidade financeira dos mesmos. A ser bem sucedido neste negócio, poderá até alargar os seus investimentos a outras áreas, no domínio do ambiente, da energia ou outros, induzindo assim um efeito multiplicador ao conjunto da economia portuguesa. À semelhança do que grandes operadores privados fizeram em outros sectores nevrálgicos do tecido produtivo nacional. Com os consequentes benefícios para a criação de emprego e para a arrecadação de taxas e impostos.
A reestruturação do sector dos resíduos sólidos urbanos vem no tempo certo. Por exigência da “troika” mas também por exigência dos portugueses. Porque a manter-se o actual modelo de gestão e interacção entre partes, à EGF e respectivos sistemas intermunicipais não restará outro caminho senão a insolvência ou a declaração de incapacidade para atingir os objectivos ambientais previstos no PERSU 2020.
De sublinhar que só à Amarsul a dívida global dos municípios da península de Setúbal já ascende a mais de 20 milhões de euros. Esta empresa, que realizou investimentos avultados, começa a viver uma situação alarmante. Daí que, alterar o paradigma de administração no sector, liquidar compromissos assumidos, modificar o perfil da estrutura accionista das empresas e reforçar as competências da ERSAR afigura-se de todo conveniente. E urgente.
Por fim, de referir que o objecto da privatização é apenas a empresa EGF, uma “sub-holding” que presta o serviço e faz a gestão das infraestruturas a ele afecto. Não as próprias infraestruturas. Terminada a concessão, estas revertem para a propriedade dos municípios ou associações de municípios. São, pois, pertença do Estado. E quanto à nacionalidade dos concorrentes não há preocupação alguma porquanto considera-se uma mais valia trazer para Portugal as melhores práticas que lá fora se usam.
Tenha para mim que a privatização duma empresa essencial a este importante sector configura um projecto estratégico adequado aos desígnios de desenvolvimento da economia nacional. Creio que todos vamos perceber como as “coisas” se irão passar, não havendo motivos para sucumbir aos “tiques de colectivização” daqueles para quem a mudança e a modernização são sempre “sinais de desgraça”.
Reestruturar o sector dos RSU é assim uma questão de futuro. Interessa a todos nós. Interessa a Alcochete.


                     
                                                                                                 in "Alcaxete", 27/2/2014