O Poder Local num País
em Mudança
Reorganização
Administrativa Territorial Autárquica : Considerações e
Perspectivas
Na
sequência do Documento Verde
da Reforma do Poder Local, cuja discussão pública se iniciou no
decurso do último trimestre do ano transacto, foi recentemente
aprovada, em Conselho de Ministros, a Proposta de Lei nº 44/XII
relativa à Reorganização Administrativa Territorial Autárquica.
Este diploma segue o seu normal percurso legislativo de acordo com um
calendário previamente definido, devendo ser publicado em meados do
corrente ano por forma a estar em vigor já em 2013.
Neste contexto, tudo indica que irá descer de novo às
Assembleias Municipais e, por conseguinte, ainda irá fazer correr
“muita tinta” antes de ser posto em execução. Nomeadamente nos
Municípios onde vão ocorrer agregação de Freguesias e,
eventualmente, de Concelhos.
Assim, perante a importãncia do tema, regresso de novo
a ele nas páginas do “Alcaxete”, um veículo de comunicação
que paulatinamente vem assumindo cada vez maior protagonismo e
influência na defesa da “vida pública” no Concelho. No entanto,
vou apenas cingir-me sobre alguns dos seus tópicos embora o mesmo
justifique uma abordagem muito mais detalhada para a qual o espaço é
aqui diminuto.
A reorganização administrativa do território
reveste-se de especial significado face aos ganhos de eficiência e
de escala resultantes da racionalização do número de Freguesias.
Decrescem encargos e reduz-se a despesa pública.
Nesse sentido, assume relevância a agregação de
Freguesias nas grandes cidades e nos demais Municípios de nível I,
onde muita gente certamente nem se vai aperceber que ela irá
acontecer. Como, de resto, se viu em Lisboa onde o processo decorreu
com o sucesso que se conhece.
Para as novas Freguesias “um mundo novo” se abre.
Porque, com a presente reforma, ficam mais protegidas relativamente
ao seu passado e, a partir de agora, dotadas de uma maior autonomia
administrativa e financeira. Com mais recursos disponíveis, com
maior capacidade de intervenção e competências próprias mais
extensas (as quais podem até abranger a possibilidade de licenciar
actividades económicas).
Também se prevê, inclusivé, que seja constituído um
novo orgão, denominado “Conselho de Freguesia”, o qual se
destina a funcionar junto das novas Assembleias de Freguesias e cuja
função base será a de desenvolver actividades de cidadania e de
proximidade junto das comunidades agregadas. Gratuitamente, sem
qualquer retribuição e sem o pagamento de senhas de presença aos
seus membros. Inegavelmente uma grande inovação face ao figurino
que caracteriza as Freguesias actuais.
De dizer também que está prevista, no diploma acima
citado, a majoração de 15% do Fundo de Participação das
Freguesias, a atribuir até ao final do mandato aquelas que
voluntariamente se queiram agregar. Neste processo de fusão, ficam
salvaguardados, como é evidente, os serviços públicos prestados à
população, a coesão territorial e a identidade histórica,
cultural e social das comunidades locais. Não será como
demagogicamente muitos por aí vão dizendo.
Relativamente a Alcochete, importa realçar a
importãncia e o alcance da norma contida no artigo 15º do projecto
em apreço. Torna-se agora possível equacionar, ao abrigo da Lei, a
redefinição da circunscrição territorial do Concelho e
respectivas Freguesias.
Atente-se no caso da Freguesia de Alcochete. Esta possui
92% do território do Concelho e as duas restantes apenas cerca de 4%
cada. Não se verifica aqui um claro fenómeno de subalternização
que poderia ser ultrapassado?...
Por outro lado, já nestas páginas muito se escreveu
sobre as desconformidades dos limites territoriais dos lugares
urbanos do Samouco e Fonte da Senhora, cujos aglomerados se encontram
“cortados ao meio” por uma divisória administrativa que não faz
sentido algum. Que leva, por exemplo, no caso do Samouco, a que uma
parte do lugar urbano esteja servida por rede de saneamento e a outra
não a tenha.
A linha de contiguidade que separa os concelhos de
Alcochete e Montijo, dividindo os aglomerados de Samouco e Fonte da
Senhora, está manifestamente errada. Que é preciso dizer mais para
que a regularização dos limites destes dois lugares urbanos comece
a ser pensada e devidamente ponderada?...
Com este diploma surge assim uma oportunidade para levar
avante tal tarefa. Uma decisiva janela de oportunidade para
aproveitar tão importante ocasião. A fim de promover um processo de
reforma no perímetro territorial em ambos os Concelhos.
Aos autarcas do Concelho de Alcochete peço apenas que
ouçam as populações do Samouco e da Fonte da Senhora. E que o
diálogo com os seus homólogos do Concelho vizinho do Montijo se
possa realizar.
Oxalá que a “razão prevaleça sobre a posição
partidária”...
Uma outra reflexão é pertinente trazer aqui à colação
no âmbito da reforma do Poder Local. Que tem a ver com o reforço da
Democracia Local.
De acordo com a arquitectura político-constitucional
vigente, o Governo da República, os Governos Regionais e os
executivos das Juntas de Freguesia emergem das Assembleias que se
formam após as respectivas eleições. Por seu turno, os executivos
das Câmaras Municipais, situados num patamar intermédio da
Administração Pública, são eleitos directamente em listas
próprias apresentadas a sufrágio. Ora, este duplo modelo de
constituição de executivos na esfera do Poder Local faz pouco
sentido hoje em dia. Até porque, a formação de vereações com
constituição plural conduz, em muitos casos, a desnecessários
impasses na área da acção governativa. Pela sua própria natureza,
os executivos são para trabalhar e não para dirimir querelas
políticas, muitas delas estéreis. Por isso, a instituição de
executivos homogéneos, saídos dos eleitos para as Assembleias
Municipais, afigura-se como a melhor solução para a liderança nas
Câmaras. Onde, no cumprimento das normais actividades, “se deve
falar a uma só voz”.
Contudo, o controlo democrático, a pluralidade e a
representatividade política devem continuar sediados nas Assembleia
Municipais, ficando o debate e discussão política reservada aos
fóruns de intervenção deste orgão. Cabendo-lhe ainda a missão de
escrutinar e acompanhar o desempenho dos executivos.
De resto, se observarmos com atenção a nossa realidade
local, vemos bem que a oposição, presente na vereação, em
minoria, pouca importância tem e a sua influência na acção
executiva é praticamente nula. Ao invés, se o conjunto dos
vereadores da oposição fosse maioritário poderiam surgir problemas
de governabilidade...o que também não é bom.
Em suma, torna-se evidente a necessidade de modificar
este “estado de coisas”. A Democracia Local sairá fortalecida
com a revisão da Lei Eleitoral Autárquica, também prevista para
breve. A alteração ao modelo de eleição dos orgãos autárquicos,
a constituição de executivos homogéneos e o reforço de
competências das Assembleias Municipais, a par da redução dos
autarcas e dirigentes municipais, são os pontos essenciais da
mudança que neste domínio se pretende implementar. No fundo, o
objectivo é evitar uma excessiva “politização” na acção do
executivo, com os consequentes ganhos em estabilidade e eficácia no
funcionamento das estruturas municipais.
Uma palavra ainda para a tão indispensável
redefinição no modelo de gestão e financiamento do Poder Local.
É notório e evidente que quase todas as autarquias
estão a gastar demasiado. No entanto, umas mais que outras. No caso
de Alcochete está-se a gastar ou gastou-se exageradamente.
O endividamento é assustador e compromete o futuro de
muitas autarquias. Deficiências na acção governativa e opções
políticas erradas estão na génese do problema e asfixiam as
normais actividades das Câmaras. Se nada fosse feito, muitas
passariam a “vegetar” por muitos e bons anos, tão
descapitalizadas e sem recursos se encontram. Cortar com o despesismo
inútil, racionalizar e dar escala aos serviços constitui uma
prioridade, adoptando para o efeito um novo paradigma de gestão que
valorize a eficiência e seja capaz de modificar a situação.
Neste momento, está em causa a prestação do serviço
público em várias áreas de intervenção dos Municípios e até a
própria carreira e estabilidade profissional dos trabalhadores da
Administração Local não se encontra garantida, muito por força
duma política insustentável de acesso ao emprego público que a
maioria das edilidades se habituaram descuidadamente a executar
(veja-se, por exemplo, a comparação entre Alcochete e Portalegre,
capital de distrito. Portalegre tem igual número de trabalhadores
embora muito mais área e habitantes, além de possuir um maior
número de aglomerados urbanos dispersos).
Surge assim a necessidade do aprofundamento da
legitimidade e de valorização das competências das Comunidades
Intermunicipais e das Áreas Metropolitanas na base NUT III
(provavelmente o embrião das propaladas Regiões Administrativas).
Um novo modelo que se fundamenta numa lógica de renovação das
antigas fórmulas de funcionamento das autarquias, susceptível de
gerar mais economia de escala e maiores ganhos de produtividade.
Tudo na perspectiva de dar esperança e futuro ao Poder Local, hoje
em ruptura.
Acresce ainda dizer que, no imediato, em matéria de
financiamento, o Governo tenciona implementar a chamada “Lei dos
Compromissos”, passando desta forma a impedir que todo o Estado,
autarquias incluídas, continue a assumir despesa corrente que não
possam liquidar no curto prazo. Havendo, a partir de agora,
responsabilidade civil e criminal para os infractores.
Impossibilitando o contínuo endividamento com a aquisição de bens
e serviços (em Alcochete a dívida a curto prazo atinge já o
montante de 5,5 milhões de euros e os pagamentos a alguns
fornecedores dilatam-se por mais de um ano. Excluindo a dívida a
médio e longo prazo de montante sensivelmente igual).
Encontra-se também em curso a actualização dos
valores patrimoniais do edificado urbano, o que vai permitir um
substancial acréscimo de receita no IMI a transferir para as
Autarquias.
Estas medidas, a par da redução dos encargos
salariais em 2012/13, certamente que as vai aliviar do
estrangulamento financeiro em que se encontram. Um balão de oxigénio
que em Alcochete será muito bem recebido.
Em alguns casos, o descalabro é de tal ordem que já se
fala em pedir assistência financeira. Num pedido de resgate
financeiro. O que significa o descrédito na gestão e independência
financeira do Poder Local. Daí a maior envolvência das Comunidades
Intermunicipais, transferindo-se para estas algumas das
responsabilidades até agora cometidas ao Poder Local.
Encontra-se prevista ainda a possibilidade dos
Municípios, em determinadas circunstâncias, acederem a mais 15% do
Fundo de Garantia Municipal durante quatro anos consecutivos,
sendo-lhes atribuído igualmente tratamento preferencial no acesso a
linhas de crédito e apoio nos domínios da inovação e coesão
social. Libertando-os dos constrangimentos actuais e dando-lhes uma
maior capacidade financeira. Uma solução que muito pode vir a
beneficiar algumas regiões do território nacional...
Por último, importa sublinhar que a Reorganização
Territorial, plasmada na citada proposta de Lei nª 44/XII, traduz
uma mensagem muito clara quanto à necessidade da adopção de um
novo modelo de ordenamento do território e vem num momento crucial
face às dificuldades que o País atravessa. Esta reforma e outras
igualmente em curso ( Lei do Arrendamento Urbano, Lei Laboral, Lei do
Novo Mapa Judiciário, Privatizações, etc) constituem um conjunto
de instrumentos com inegável importãncia para a modernização do
País. Nada fazer seria altamente lesivo do interesse das populações
e dos Municípios.
No caso específico da nossa autarquia, julgo que a
força política dominante não se pode sobrepôr aos interesses da
Vila de Alcochete e das suas Freguesias. Actuando com a mera
preocupação de se perpetuarem no poder, tudo vão rejeitando e
hostilizando numa clara manifestação de lamentável autismo. Usando
um discurso oficial e uma política de comunicação que afasta
interlocutores, não alavanca a economia local nem atrai novos
investimentos para o Concelho. Basta uma simples observação para se
perceber desde logo que o risco e a iniciativa privada não são
bemvindos, o que significa menos desenvolvimento, mais empobrecimento
e aumento do desemprego.
Nesta perspectiva, erradicar a política “do mandar
abaixo tudo o que vem do governo e da oposição” é uma tarefa que
a todos deve mobilizar. Espero, porém, que, pelo menos, exista o bom
senso de olhar este diploma como uma oportunidade única para
corrigir as assimetrias dos actuais limites territoriais do Concelho
e Freguesias.
A Reestruturação do SEL, hoje quase falido, a
Reorganização do Território, a Redefinição do Modelo de Gestão
Municipal, Intermunicipal e do seu Financiamento e, ainda, o Reforço
da Democracia Local são os quatro pilares estratégicos para que uma
a verdadeira Reforma do Poder Local seja levada por diante. Assim,
para já, em sede de ordenamento territorial, Alcochete deve ponderar
realisticamente a oportunidade histórica que este diploma contém.
É que se torna realmente confrangedor ver o
Município de Alcochete continuar a evoluir nesta indesejada
continuidade, desaproveitando os ventos da mudança ...
João
Manuel Pinho
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