Entre 1976 e 1981 eu trabalhei na antiga Firestone de Alcochete. Trabalhei na produção. Para trás, o mais significatico da minha história de vida tinham sido 5 anos de seminário (1962-1967) e a mobilização para a Guiné (1972-1974). A férrea disciplina do seminário católico fez que a tropa me parecesse um bálsamo, isto para desnorte dos meus camaradas de armas.
Na Firestone, eu esbarro com um mundo que julgava não existir. Lá adquiri um monte de ilusões de esquerda de que hoje me envergonho e a todos peço desculpa. Era só direitos para aqui, direitos para acolá, direitos para cima, direitos para baixo. E nunca eu me fiz a mim esta pergunta tão simples: os americanos montaram em Alcochete uma fábrica de pneus para pagar os direitos de todos estes Marafugas? É que não me ocorria que nunca houve, não há nem haverá direitos sem custos.
Mas o meu principal choque na Firestone poucas pessoas o sentiriam. Eram as conversas da classe operária cujo objecto principal e incontornável era o sexo que envolvia o recurso ao calão mais rasteiro. Mais não digo para não ferir alguma susceptibilidade porque a maioria das pessoas ainda é viva, a Deus graças.
Eu olhava para aqueles homens com ar de serafim, pensando interiormente que eles eram muito mais serafins do que eu.
-Ó Marafuga, já vou a metade do texto e ainda não vi onde queres chegar!
-Eh pá, dá-me lá um pouco de tempo.
Em 1981, despedi-me da Firestone, em 1982 dava entrada na Universidade e em 1983, ainda só com o 1º ano do meu curso de Línguas e Literatuas Modernas, comecei a dar aulas na Escola Secundária Jorge Peixinho (Montijo). Ao longo desses quase 30 anos conheci centenas e centenas de professores. Lembro-me de um desses colegas de cujo paradeiro perdi o rasto. Declarava-se ateu à boca cheia e forçava sistematicamente conversas em torno do sexo, sob registo envernizado, claro, mas, em substância, trazendo à minha memória os operários. Eu via nele, sem ter muitas dúvidas, uma criança com um corpo grande.
-Já me ia esquecendo que estás impaciente!
Eu estou a escrever para ti com um precioso guarda-costas (na estante por trás de mim) que é a Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Pego num dos muitos volumes ao calhas e...só sexo...só sexo...só sexo.
Afinal qual é a diferença entre qualquer serafim da antiga fábrica onde trabalhei e Freud? É que o primeiro apresentava-se "despido" e o segundo com as vestes de intelectual e cientista.
-Aposto que não estás a ver o encaixe da história do professor!
-Vá lá, Marafuga, não te armes em sabichão, diz lá o que tens a dizer.
-Freud era ateu. E quanto ao resto...descobre tu...que eu dei-te as pontas.
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