Tenho verificado com espanto que alguns estudos da própria esfera universitária tentam desvincular a psicanálise de Freud do surrealismo. Isto fez-me regressar a um texto da minha juventude, Jones, Ernest, Que é a Psicanálise?, Publicações Dom Quixote, Lisboa 1977. Na pág. 16 deste livro, diz o autor: «o homem, a despeito da sua incessante procura de novas coisas, manifestou sempre oposição a novas ideias...». No fim da mesma página, Jones ainda diz: «...a ira assume caracteristicamente a forma de justa indignação, e denuncia-se frequentemente a nova ideia como perversa e imoral».
Eis como, se não tivesse uma visão sólida do homem e do mundo, me inibiria, por exemplo, de atacar o "casamento" entre dois homens ou duas mulheres porque eu «sent[iria] que algo de precioso está ameaçado, e as [minhas] demonstrações hostis são simplesmente uma reacção de defesa contra um ataque imaginário» (ibid., pág. 17).
O "casamento" entre dois homens ou duas mulheres é uma perversão, do Lat. perversione-, que significa, exacta e etimologicamente, inversão. Acho isto muito curioso porque, há coisa de uns 50 anos, o termo homossexual era pouco utilizado e, para evitarmos o correspondente calão, substituíamos este por invertido.
O "casamento" entre dois homens ou duas mulheres é imoral porque uma não-verdade, isto é, uma inadequação ao real.
O "casamento" entre dois homens ou duas mulheres não pode merecer de mim o comentário de que tudo está bem desde que esses "casais" não prejudiquem ninguém. Este é um discurso débil, miserabilista, abjecto, porque se o desejo (libido) de alguns se transforma em direito por força da lei, esse direito vai ter obrigações por parte do Estado à custa dos pagadores de impostos. Isto é "uma reacção de defesa contra um ataque imaginário" ou "justa indignação" por parte de quem se reclama de uma consciência política?
E se no meio disto tudo o problema for outro, vale dizer, o descrédito cada vez maior, nos meios científicos, da Psicanálise freudiana? Então, se tenho uma nesga de razão, percebe-se agora por que textos de nível universitário recentes tentam, indisfarçavelmente, desvincular Freud do Surrealismo, o que se me afigura uma manifesta desonestidade intelectual.
1 comentário:
Também não deixa de ser sintomático, aparentemente incompreensível, que se vejam esforços para separar dadaísmo e surrealismo, quando os principais corifeus deste (Breton, Aragon, Soupault e Eluard) tinham aderido àquele movimento de artistas plásticos e poetas.
O problema era que o dadaísmo reagia contra tudo e todos, acabando, logicamente, por reagir contra si próprio. Ora não convinha que esta postura autofágica se transferisse para o surrealismo porque concorreria para a desconfiança do público.
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